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Miguel do Rosário

Jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje

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Os chiliques ridículos do Tio Sam contra a China

Se os Estados Unidos conseguissem sintetizar cinismo e exportá-lo, resolveria o seu problema de déficit comercial

Scott Bessent - 22/07/2025 (Foto: REUTERS/Kent Nishimura )

Se os Estados Unidos conseguissem sintetizar cinismo e exportá-lo, resolveria o seu problema de déficit comercial e se tornaria o país mais superavitário do mundo. O secretário do Tesouro, Scott Bessent, veio a público ontem acusar a China de agredir o mundo, de ser uma economia estatal, de tentar desacelerar o comércio mundial. Chega a dar falta de ar, de tamanha audácia em inverter totalmente a realidade.

Foram os Estados Unidos que iniciaram uma guerra tarifária contra o mundo inteiro, que continua, aliás. São os Estados Unidos que estão há anos tentando asfixiar a China com barreiras tecnológicas. São os Estados Unidos que inundam o mundo de sanções.

Mas a cara de pau não tem limite. Agora Bessent fala em reunir aliados contra a China. Os mesmos aliados que os Estados Unidos vêm atacando com incrível virulência nos últimos meses.

A Índia sofre tarifas de 50% porque Washington tenta coagi-la a abandonar o petróleo russo. Ironicamente, foram os próprios Estados Unidos que pediram à Índia para aumentar as compras de petróleo russo, justamente para evitar um colapso nos preços internacionais do petróleo.

O presidente da Coreia do Sul declarou que pagar o tributo exigido pelos americanos levaria seu país à falência. Como se não bastasse, os Estados Unidos mandaram o ICE na Hyundai, na Geórgia, para acorrentar, humilhar e deportar trabalhadores coreanos que estavam construindo uma fábrica de baterias elétricas a pedido do próprio governo americano.

Os Estados Unidos tentaram extorquir o Japão, impondo tarifas estratosféricas e depois exigindo, para que essas fossem retiradas, que o Japão investisse centenas de bilhões de dólares nos Estados Unidos, recursos que seriam controlados pela própria Casa Branca. O Japão vem se recusando a confirmar esses investimentos. Os ataques tarifários americanos ao Japão já produziram enorme turbulência política no país, com várias quedas de governo.

A Europa foi forçada a aceitar um acordo em termos incrivelmente humilhantes, negociado com táticas desrespeitosas. E os próprios Estados Unidos já quebraram esse acordo várias vezes, reimpondo recentemente novas tarifas contra produtos estratégicos para a Europa, como medicamentos, produtos químicos e bebidas.

O Canadá é rotineiramente ameaçado de anexação por Trump.

E é exatamente a essas vítimas que Bessent pede agora para condenarem a China por revidar. Boa sorte em montar essa coalizão.

A tentativa de apresentar os controles chineses sobre terras raras como algum tipo de “ataque não provocado ao mundo” beira o ridículo. Trata-se de uma reação ao fato de Trump ter literalmente iniciado uma guerra comercial contra o planeta inteiro.

A verdade é que a imensa maioria do mundo está aplaudindo a China. Até o europeu médio, segundo relatos, deseja que seus líderes pudessem responder da mesma forma que a China, em vez de se submeter e ser humilhado.

A China está, na verdade, fazendo um favor ao mundo ao impor consequências que nunca existiram antes. Longe de “atacar o mundo”, a China está trazendo responsabilização onde havia impunidade.

Compreende-se que seja uma sensação incomum para os Estados Unidos provar do próprio remédio vindo de uma potência realmente forte pela primeira vez em décadas. Mas a lição aqui não é recorrer ao mesmo bullying e à mesma propaganda macarthista que levaram à situação atual. Muito pelo contrário: quando você cava um buraco para si mesmo, pare de cavar e comece a refletir sobre o fato de que, talvez, apenas talvez, esse ataque real ao mundo inteiro não tenha sido uma ideia tão brilhante assim.

Vale lembrar que este é o mesmo Bessent que em maio prometeu que as tarifas do “dia da libertação” de Trump criariam um “grande cerco” para isolar a China. Já sabemos como essa estratégia terminou.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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