Os clichês com que o Ocidente desclassifica o Oriente
A história não pode ser reduzida à 'história da Europa', analisa Emir Sader
Peter Frankopan, o primeiro grande historiador do século XXI, se refere ao eurocentrismo, em torno do qual foi construída a história universal e como ela nos foi transmitida. Uma visão em que o centro do mundo era a Europa, não apenas em termos geopolíticos, mas também em termos culturais de interpretação da história a partir da polarização “civilização ou barbárie”.
Uma interpretação que, na realidade, faz com que a história praticamente seja reduzida à história da Europa, em relação à qual os outros continentes seriam periferia. Uma interpretação que amalgama todo o resto do mundo numa totalidade única.
O Oriente é uma invenção do Ocidente, como afirma Edward Said, que incluiria do Japão ao Paquistão, da China à Síria, entre outros países tão diferenciados. O Oriente é o que não é o Ocidente. Não pode haver concepção tão autorreferente como essa. A identidade dos outros é definida em relação aos europeus. O resto é o resto. A centralidade é da Europa, os outros são os outros em relação a ela.
“O Oriente era quase uma invenção europeia, e fora desde a antiguidade um lugar de romance, de seres exóticos, de memórias e paisagens obsessivas, de experiências notáveis”, segundo Edward Said. O Oriente é onde estão localizadas as maiores, mais ricas e mais antigas colônias europeias, a fonte das suas civilizações e línguas, uma das suas mais profundas e recorrentes imagens do outro. Serve para definir o outro do Ocidente, para definir a identidade do próprio Ocidente, como oposição ao Oriente que ele mesmo inventou.
A relação entre o Ocidente e o Oriente recobre, no capitalismo, a relação entre o centro e a periferia, ou entre o norte e o sul do sistema, portanto é uma relação de dominação e de exploração. Não apenas de dominação política e econômica, mas também cultural. Edward Said, como especialista em teoria da literatura, tira vários exemplos dali e salienta essa relação com algumas passagens. “A mente oriental abomina a precisão... carência de precisão, que facilmente degenera em insinceridade, é na verdade a principal característica da mente oriental”. Os orientais são “simplórios”, “desprovidos de energia e de iniciativa” e muito dados à “adulação de mau gosto”, intriga, simulação e maltrato dos animais. Os orientais são incapazes de andar em uma calçada ou calçamento, são mentirosos inveterados, letárgicos e desconfiados, em tudo se opõem à clareza, integridade e nobreza da raça anglo-saxônica. O oriental geralmente fala, age e pensa de uma maneira exatamente oposta à do europeu. O oriental é irracional, depravado, infantil, diferente, enquanto o europeu é racional, virtuoso, maduro, normal.
Durante o seu apogeu político e militar, do século VIII ao século XVI, o Islã dominou tanto o leste quanto o oeste. O centro do poder deslocou-se para o oeste. A partir do final do século XX, o poder voltou deslocar-se de novo para o leste. No início do século XIX, proliferaram as teses sobre o atraso, a degeneração e a desigualdade do Oriente em relação ao Ocidente, associadas às ideias das bases raciais da desigualdade racial, com a divisão das raças entre raças avançadas e atrasadas ou europeias-arianas e orientais-africanas.
O Oriente foi ligado a elementos da sociedade ocidental (delinquentes, loucos, mulheres, pobres), que tinham em comum uma identidade que era descrita como lamentavelmente estrangeira. Os orientais eram vistos não como cidadãos ou como povo, mas como problemas a serem resolvidos ou confinados ou conquistados. A própria designação de algo como oriental já representava um juízo de valor. Como o oriental pertencia a uma raça subjugada, ele tinha que ser subjugado.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.




