Os desafios do Gestor Público
Esse dirigente, cumpridor da lei, como aliás sempre devem ser os gestores públicos, que só podem fazer o que é determinado pela lei
Por Júlio Cézar de Oliveira e Ivan Ribeiro Guimaraes
Gestor público é a pessoa que atua na administração de um órgão público, seja uma empresa, autarquia ou órgão da administração direta. Sua função é tomar as decisões cotidianas da organização, em consonância com o planejamento estratégico existente, normalmente responsabilidade de um órgão superior, um conselho ou similar.
Parece simples, mas não é. Vamos supor que um dirigente recebe um dossiê de um funcionário apontando o desaparecimento de itens relevantes dos almoxarifados. É uma denúncia gravíssima (roubo) e que requer medidas urgentes (chamar a polícia) e notificar os demais diretores.
Esse dirigente, cumpridor da lei, como aliás sempre devem ser os gestores públicos, que só podem fazer o que é determinado pela lei, consulta seu gerente jurídico. Este o alerta que pelo regimento interno, a diretoria, da qual ele faz parte, é um organismo colegiado e dependendo do assunto, só atua coletivamente. Esta é uma dessas situações. Portanto o primeiro passo é informar o colegiado. O dirigente cumpridor da lei assim o faz e apresenta o dossiê na reunião seguinte da diretoria. Mas ao contrário do que achava, o colegiado entende que, respeitando a lei, deve ser aberta uma comissão especial de tomada de contas, para apurar os fatos. É dado o prazo de 30 dias para a conclusão dos trabalhos, prorrogados por mais 30, como é praxe nesses casos.
O relatório final da TCE é inconclusivo, porque como manda a Lei, seus membros são servidores do mesmo órgão dos investigados e não tem experiência para conduzir investigações e inquéritos. Falta ouvir algumas pessoas que não atenderam as convocações e outras a quem perguntas chave não foram feitas.
O dirigente honesto estava bastante irritado, ainda mais quando soube que a associação dos funcionários entrará com recurso contra a TCE, exigindo que o trabalho seja refeito e que um membro seja indicado pela associação.
Levado ao colegiado para apreciação, este prorroga novamente o prazo para o relatório final em 15 dias, agrega a comissão o membro solicitado pela associação e mais um membro do Compliance da empresa.
Após alguns dias, a diretoria colegiada recebe uma deliberação do conselho de administração comunicando que tomara conhecimento do assunto (todos os pontos da pauta da diretoria eram enviados ao conselho).
E dado que esse assunto poderia causar um dano tão grave a imagem da empresa que o Conselho Superior decidiu criar um grupo de monitoramento sobre esse assunto. E que este grupo acompanharia todas as reuniões em que ele fosse tratado.
A diretoria reagiu a usurpação de suas atribuições legais e após uma troca de correspondências que se tornou frenética e ofensiva, ingressou na justiça para desconstituir o grupo de monitoramento e impor limites a ação do conselho. Este também solicitou as Cortes que a diretoria fosse impedida de deliberar sobre o assunto, transferindo sua gestão ao conselho.
Passados até aqui mais de 120 dias da denúncia, o dirigente cumpridor da Lei resolveu dar um basta! Foi a uma delegacia de Polícia onde a Delegada o ouviu interessada, chamou a escrivã para registrar a denúncia e logo, no dia seguinte, foi com sua equipe de Investigadores a Empresa recolher os documentos sobre o assunto.
Eles convocaram todas as pessoas do almoxarifado para irem à delegacia prestar seus depoimentos. Isso não passou despercebido dos plantonistas das TVs e Jornais, que passaram a dar ampla publicidade ao assunto.
Após três dias a delegada avisou ao diretor denunciante que havia desvendado o caso, que envolvia servidores do órgão e uma quadrilha especializada em furtos corporativos. Os mandados de prisão já haviam sido emitidos pelo juizado competente e seriam cumpridos na manhã do dia seguinte. A operação policial era chamada de Barnabé, em referência aos servidores públicos envolvidos. Ela também o convidou a participar da coletiva de imprensa que ocorreria após as prisões. Ele agradeceu, mas lhe disse que não poderia ir, pois em função da denúncia, fora afastado da diretoria. Segundo o conselho, a denúncia expôs a empresa na mídia e poderão advir consequências gravosas, que afetarão a posição da empresa.
Esse afastamento suspendeu seus salários e benefícios, inclusive o pagamento de seus advogados, para o qual havia um seguro específico. Assim o dirigente responsável está vendendo um imóvel de sua propriedade para arcar com essas despesas.
Este é um exemplo fictício, baseado em casos reais. A ironia está na única pessoa que ofereceu uma alternativa para lidar com o problema ser a única a ser punida pela empresa.
A solução de todos os conflitos jurídicos iniciados demorará alguns anos, terá custos elevados e não vai servir de nada.
Algumas lições apreendidas neste exemplo:
- A burocracia governa o Estado, tem sua própria verdade;
- A burocracia impede a tomada de decisões rápidas e necessárias;
- A burocracia é cara. Não decidir custa mais do que tomar uma decisão;
- A burocracia ritualiza os processos, que passam a ser mais importantes que os resultados alcançados;
- O gestor público não deve tomar a decisão correta, deve procurar a solução burocraticamente correta;
- O corporativismo caminha ao lado da burocracia e não tem compromissos com os resultados da empresa;
- Judicializar é, muitas vezes, uma forma de não resolver;
- Como disse Maquiavel, os profetas desarmados perecem...
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

