Os efeitos de ‘Ainda estou aqui’ na Argentina (e vice-versa)
'Em Buenos Aires, as reações têm sido de gritos, como: 'Abaixo a ditadura' e 'Milei, ‘basura’ (lixo), você é ditadura', escreve a colunista Marcia Carmo
Os efeitos do filme ‘Ainda estou aqui’, de Walter Salles, nos fazem lembrar a trajetória de luta pelos direitos humanos na Argentina. Assistimos no nosso país, em 2024 e em 2025, demandas e debates mais explícitos que nosso vizinho trava, publica e cotidianamente, há quase cinquenta anos. A partir da história de Eunice Paiva, na tela do cinema, passaram a ser relembradas, divulgadas ou reveladas outras histórias brutais da ditadura militar no Brasil.
Como as da estudante Helenira Resende e de Gildo Macedo Lacerda, presos, torturados e desaparecidos nos anos de chumbo. Com histórias diferentes de combate contra o autoritarismo, eles tiveram o destino da dor e do desaparecimento – como Rubens Paiva. Helenira tinha 28 anos e Gildo 24 anos de idade, como lembraram, nesta semana, seus familiares em entrevista à BBC. Assisti ao filme ‘Ainda estou aqui’ duas vezes.
A primeira, no fim de fevereiro, logo após a estreia em Buenos Aires. A segunda, na semana passada, na sala de cinema de um bairro na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Nas duas vezes, o público aplaudiu. No bairro portenho de Palermo, na sala lotada, havia pessoas de várias idades. No bairro carioca de Campo Grande, eram principalmente jovens. Nas conversas que ouvi, na saída, algo em comum: o repúdio contra a ditadura.
Em Buenos Aires, as reações têm sido também de gritos, em espanhol, como: “Abaixo a ditadura” e “Milei, ‘basura’ (lixo), você é ditadura”. O mesmo grito que no mês passado, testemunhamos em frente à Casa Rosada, a sede da Presidência argentina, quando milhares de pessoas realizaram manifestação contra as falas de Milei associando a homossexualidade com a pedofilia. Grito que foi reiterado dias atrás ao final de mais uma ‘ronda’ das Mães da Praça de Maio.
Há 48 anos, todas as quintas-feiras, elas caminham, com seus tradicionais lenços brancos, na Praça de Maio, em frente à Casa Rosada. Nesta quinta-feira, foi a marcha número 2.447. Sob um calor sufocante, as ‘madres’, com até mais de 90 anos de idade, foram acompanhadas por jovens que carregavam faixas contra o desemprego (“A falta de trabalho também é crime”). O foco dos discursos foi o arrocho implementado por Milei e seus efeitos nos bairros pobres, principalmente. Milei continua com sua motosserra e já avisou que este ano pretende aprofundar ainda mais o seu já severo ajuste. Como Eunice, as Mães e as Avós da Praça de Maio começaram a desesperante trajetória buscando seus seres queridos – no caso das argentinas, filhos, noras e netos. E na caminhada por justiça e para saber o paradeiro de seus amores, passaram a defender outras causas também de direitos humanos.
Eunice passou a ser pilar de defesa das comunidades indígenas. As Mães e Avós da Praça de Maio combatem o desemprego, a exclusão social. A última argentina (1976-1983) foi levada pela primeira vez às telas do cinema em 1985, apenas dois anos após a volta da democracia. O filme ‘A História Oficial’, de Luis Puenzo, recebeu o Oscar de melhor filme internacional em 1986. E contribuiu para o debate e a defesa da democracia na Argentina. Como ocorre com ‘Ainda estou aqui’ no Brasil.
(Em tempo: Walter Salles conhece bem a história da Argentina e da América Latina em geral. É dele o sensível ‘Diários de Motocicleta’, sobre a viagem de Che Guevara do Brasil ao Peru. Também por esse fato e pelas agruras e semelhanças das trajetórias na nossa região, a expressão ‘chupa, Argentina’, de uma apresentadora brasileira durante entrevista a Selton Mello na transmissão do Oscar, mostrou total desconhecimento da história).
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