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Weiller Diniz

Jornalista especializado em cobertura política, ganhador do prêmio Esso de informação Econômica (2004) com passagens pelas redações de Isto É, Jornal do Brasil, TV Manchete, SBT. Também foi diretor de Comunicação do Senado Federal e vice-presidente da Radiobrás, atual EBC.

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Os gambitos erráticos do capitão

Bolsonaro manipula os peões e os sacrifica cíclica e cinicamente

Jair Bolsonaro (Foto: JOSE DIAS - PR)
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Por Weiller Diniz - O xadrez é um dos mais antigos jogos da humanidade. Também é visto como a arte da estratégia. Estudos táticos, capacidade cognitiva, habilidade, inteligência, frieza, memória visual e antecipação das jogadas adversárias são vitais para a ocupação das casas centrais e, consequentemente, o domínio sobre territórios adversários e captura do rei inimigo. Em maior número no tabuleiro, os peões, espécie de infantaria da linha de frente do combate, têm mobilidade limitada e reduzida efetividade no conflito. Avançam apenas uma casa verticalmente – ou duas no primeiro movimento a critério do enxadrista – e são incapazes de recuar.

As outras peças que têm mais liberdade de movimentação podem, taticamente, retroceder quando o cenário da batalha é desfavorável. A limitação também se aplica às possibilidades de capturas de peças adversárias. O posicionamento dos peões é um elemento chave para o ataque ou para defesa. Os mais experimentados evitam a vulnerabilidade na estrutura de formações dos peões, tais como peões dobrados (na mesma fileira), atrasados, isolados e, principalmente, presos, onde eles são praticamente inúteis. Nesses casos o custo de proteção é muito elevado e fragiliza a própria cidadela.

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Em uma pesquisa do Instituto DataFolha (julho/2021) foram diagnosticados os principais atributos de Jair Bolsonaro. As conclusões atestam que o capitão, que se diz especialista em matar, não reúne os predicados mínimos de um estrategista para grandes batalhas ou mesmo para o intricado jogo do xadrez político. Para 62% dos entrevistados, Bolsonaro é despreparado. Outros 58% consideraram o capitão incompetente.

Em um dos principais pressupostos para o complexo embate político, Bolsonaro é visto por 57% da população como “pouco inteligente”, percepção que se acentua com a ruína em todos os quadrantes do tabuleiro nacional. O mesmo percentual de brasileiros – 57% – entende que o capitão é indeciso, outra característica fatal para os líderes em batalhas. Para 55% dos ouvidos, Bolsonaro é falso e 52% dos entrevistados o veem como desonesto. Essa compleição não o habilita para grandes conflitos ou para o intricado xadrez político. Ao longo de 3 anos de conflagração o capitão vem sangrando e sacrificando seus peões.

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São gambitos em falso que não redundaram em domínio territorial. Ele manipula os peões e os sacrifica cíclica e cinicamente. Vários tombaram. A corriola é grande. O mais recente cavalo de guerra é o deputado Daniel Silveira. Um peão-mercador, como eram conhecidas antigamente as peças postadas diante da casa do rei. Foi o único a quem Bolsonaro estendeu a mão, talvez pelo valor do silêncio, primeiro mandamento nas partidas de xadrez.

Do outro lado da mesa, um dos enxadristas mais táticos e frios do STF, Alexandre de Moraes, faz ofensivas de mestre contra o autoritarismo de Bolsonaro, contra as fake news, a milícia digital, a opacidade dos dados públicos, entre outros. Ele aplicou multa de R$ 405 mil ao deputado Daniel Silveira por descumprimento do uso da tornozeleira e outras violações de determinação judicial, como a de participar de eventos públicos e conceder entrevistas. Moraes bloqueou os bens nesse valor nas casas bancárias do parlamentar. O ministro também determinou que o deputado compareça à Secretaria de Administração Penitenciária do Distrito Federal para trocar a tornozeleira por um novo equipamento. Foi uma contraofensiva financeira e constritiva ao indulto de Bolsonaro concedido a Daniel Silveira.

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A ‘’graça” presidencial foi decretada um dia após o STF condenar o parlamentar carioca a 8 anos e 9 meses de prisão em regime fechado por estimular atos antidemocráticos e por sucessivos ataques a ministros da Corte Suprema. O indulto é uma prerrogativa do presidente da República, mas este não guarda nenhum respeito à moralidade, à impessoalidade e à decência. O bandido de estimação de Bolsonaro, Daniel Silveira, condenado por 10 votos a 1 é inelegível, sofreu um cerco fatal e estará fora do tabuleiro eleitoral de 2022.

Daniel Silveira já foi preso duas vezes. A primeira por ataques a ministros do STF em fevereiro de 2021 e a segunda por desrespeitar o uso da tornozeleira eletrônica por cerca de 30 vezes. As decisões foram de Alexandre de Moraes, do STF, a pedido da Procuradoria-Geral da República. Na decisão, o ministro citou o “total desprezo pela Justiça”. Em 2021 ele foi preso em razão de um vídeo em que fez apologia ao AI-5, o mais sanguinário ato institucional da repressão militar, e pediu a destituição de ministros do Supremo Tribunal Federal, entre eles o lavajatista Edson Fachin.

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A prisão foi chancelada pela unanimidade do STF e confirmada pela Câmara dos Deputados. O deputado Daniel Silveira ficou trancafiado 1 mês pelas declarações: “quando o Bolsonaro decide uma coisa você vai lá ‘não, isso não pode’… Suprema Corte é o cacete. Na minha opinião, vocês já deveriam ter sido destituídos do posto de vocês e uma nova nomeação convocada e feita de 11 novos ministros. Vocês nunca mereceram estar aí. E vários que já passaram também não mereciam. Vocês são intragáveis, tá certo? Inaceitável. Intolerável, Fachin? Não é nenhum tipo de pressão sobre o Judiciário não. Porque o Judiciário tem feito uma sucessão de merda no Brasil. Uma sucessão de merda. E quando chega em cima, na Suprema Corte, vocês terminam de cagar a porra toda. É isso que vocês fazem. Vocês endossam a merda”.

Bolsonaro entrega todos os peões que possam complicá-lo. É um jogador pusilânime e, sempre que encurralado, sacrifica os seus para proteger o próprio pescoço, dos filhos e da primeira-dama na linha de trás do tabuleiro. As reclamações de abandono são recorrentes. Como escarneceu das mais de 665 mil vítimas da Covid-19, imagine-se a consideração pelos seus peões tombados nos duelos. Roberto Jefferson, que se esbaldou em todas as fileiras governistas desde Fernando Collor, praguejou contra a democracia na defesa do rei do fascismo. Foi parar no xadrez pela segunda vez e por lá deve jogar uma daminha ou dominó. Por roubar no escândalo do mensalão foi preso pela primeira vez em 2014, mas ficou muito pouco tempo trancafiado, menos de 1 ano e meio dos mais de 7 anos da sentença. Voltou a ser preso em agosto de 2021.

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A determinação foi do ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito que aperta o cerco contra as milícias digitais que sabotam a democracia. Jefferson lamuriou-se em uma de suas cartas: “Bolsonaro é um homem honrado, mas não recolhe seus feridos. Sequer demonstra solidariedade com seus combatentes. Fiz duas cartas para ele. Nunca o PR (Presidente da República) mandou um cartão dizendo ‘saúde, minha solidariedade’. Ao contrário, ele se distanciou de nós e manteve o silêncio obsequioso”. 

Outra pedra extremista, devoto de golpes, do fechamento dos Poderes, da intervenção das Forças Armadas, e igualmente inábil, é Allan dos Santos, um reles blogueiro sacrificado no tabuleiro da indigência bolsonarista. Quando o xeque-mate contra ele ficou claro, o ex-seminarista fugiu para os Estados Unidos em busca de proteção. Não adiantou. O ministro Alexandre de Moraes determinou sua prisão preventiva e extradição. 

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No despacho, o ministro Moraes sustentou que Allan dos Santos deve ser preso pela prática de seis crimes: promover, financiar e participar de organização criminosa, calúnia, injúria e difamação, lavagem de dinheiro e incitação ao crime. Os canais de transmissão dos jogos ilícitos dele no YouTube foram fechados e a Justiça determinou o bloqueio de todas as contas de redes sociais vinculadas ao blogueiro e suas contas bancárias. Também foram proibidos os repasses de dinheiro das plataformas para os canais e contas do peão isolado. 

O tempo também fechou para outro peão-envenenado contra a democracia, um tal Zé Trovão. Um arrivista anônimo, sequestrado da sua insignificância às vésperas dos ensaios golpistas do 7 de setembro de 2021. O caminhoneiro bolsonarista Marcos Antônio Pereira Gomes foi um dos principais apoiadores das ofensivas antidemocráticas. Bravateiro, ele pontificou paralisações e invasões ao STF e ao Congresso Nacional e começou a ficar conhecido por meio do canal “Zé Trovão, a Voz das Estradas”, hoje fora do ar. Marcos Gomes chegou a ter em torno de 40 mil seguidores. Zé Trovão também apareceu ao lado do cantor Sérgio Reis e parlamentares apoiadores de Jair Bolsonaro. Em 29 de agosto do ano passado, tornou-se alvo de uma investigação da Procuradoria-Geral da República e sua prisão preventiva foi decretada pelo ministro Alexandre de Moraes em 3 de setembro, por envolvimento em jogadas antidemocráticas. Foi capturado e atirado nas grades. Esse peão foi largado na estrada por Bolsonaro. 

Sérgio Reis, depois de conspirar contra a democracia, piou fino e disse que não era bandido. O cantor havia convocado um ato no dia 7 de setembro de 2021 no qual os caminhoneiros iriam parar o Brasil em favor de Bolsonaro e pelo impeachment de Alexandre Moraes. O movimento golpista foi desmoralizado. Antes do arrependimento, Reis abusou de anotações para ameaçar as instituições: “Dia 8 eu, os caminhoneiros, os plantadores de soja, os fortes, os que carregam navios para fora, vamos ao Senado…Eles vão receber um documento assim: vocês têm 72 horas para aprovar o voto impresso e para tirar todos os ministros do Supremo Tribunal Federal. Não é um pedido; é uma ordem!”, dizia Reis no áudio. “Se vocês não cumprirem em 72 horas, nós vamos dar mais 72 horas, só que nós vamos parar o país Já está tudo armado. O país vai parar”, bravateou. A valentia ofensiva cedeu lugar a defesa contrita: “Não matei, bati nem ofendi ninguém. Não mereço ser preso. Eu errei, quem não erra? Quem não faz bobagem um dia?” Mais uma vez a ferocidade se transformou em covardia para evitar a prisão. 

Sara Geromini, suposta dama líder de um movimento intitulado de “300 do Brasil”, foi a pioneira na abertura golpista e na prisão após ser sacrificada no primeiro gambito em falso do bolsonarismo. Ela, junto com outros 6, foi presa em junho de 2020 por tramar contra a democracia. Um bando de destrambelhados, que nunca ultrapassou 30 pessoas, chegou a atirar fogos contra a sede do STF. Ela, como Roberto Jefferson, publicou fotos armado nas redes sociais em gestos de intimidação contra os Poderes. Sara fazia provocações a Alexandre de Moraes. Em comentários, ela disse que levantaria informações sobre o ministro; que procuraria pessoas próximas a ele, e que descobriria detalhes sobre a vida do integrante do STF. “Nunca mais vai ter paz na sua vida”, disse ela a respeito do ministro. 

Depois de 9 dias de cadeia veio a contrição por integrar as colunas de Bolsonaro: “Tem horas que eu só queria gritar, gritar e gritar para alguém me ajudar, mas não existe esse alguém, sabe? Aí eu lembro e volto para os conselhos do meu psiquiatra e vou ter que levantar e vou ter que resolver os meus problemas. E não tem Bolsonaro para ajudar, e não tem Damares para ajudar”. Ela deu entrevistas posteriores afirmando que sua interlocução era com o general Augusto Heleno, o primado da ignorância e uma das torres golpistas do Palácio.

Outro bolsonarista terrivelmente evangélico, tinha um status maior no xadrez do capitão. Não se trata de um reles peão, mas do bispo Everaldo Pereira, presidente nacional do PSC. Ele e seus dois filhos, Filipe Pereira e Laércio Pereira, foram presos em agosto de 2020 na Operação Tris in Idem, que também determinou a derrubada do cargo e posterior impeachment do ex-governador Wilson Witzel, do Rio de Janeiro, ex-aliado de Bolsonaro. O pastor Everaldo foi citado na delação premiada do ex-secretário de Saúde, Edmar Santos, por conta da influência dele no Palácio Guanabara e de movimentos sinuosos na saúde do estado. 

A rainha do crime, Flordelis, também está atrás das grades e abandonada por Bolsonaro. Ela foi presa em sua casa 48 horas depois de perder o foro privilegiado de deputada federal. Flordelis é acusada de ser a mandante da morte do então marido, o pastor Anderson, assassinado na porta de casa em 18 de junho de 2019. Ela responde por homicídio triplamente qualificado – motivo torpe, emprego de meio cruel e de recurso que impossibilitou a defesa da vítima – tentativa de homicídio, uso de documento falso e associação criminosa armada. A quase totalidade da Câmara dos Deputados aprovou a cassação do mandato da ex-deputada. 

Outro cavalo abandonado na chuva pelo estrategista Bolsonaro é o ex-líder Francisco Rodrigues. Flagrado ocultando perto de R$ 30 mil em dinheiro na cueca, ele foi expelido do xadrez governista no dia seguinte ao flagrante. O “Diário Oficial da União” publicou em edição extra no dia 15 de outubro de 2020 a mensagem de Jair Bolsonaro informando sobre a saída do senador Chico Rodrigues da vice-liderança do governo. A vingança dele foi apoiar a CPI da Pandemia. 

Os peões sacrificados por Bolsonaro para preservar a linha familiar formam uma legião: Na largada foram Gustavo Bebianno (Secretaria Geral), Ricardo Vélez (Educação), Santos Cruz (Secretaria de Governo) e Floriano Peixoto (Secretaria Geral). Em 2020, foi a vez de Osmar Terra (Cidadania), Gustavo Canuto (Desenvolvimento Regional), Luiz Henrique Mandetta (Saúde), Sérgio Moro (Justiça e Segurança Pública), Nelson Teich (Saúde), Abraham Weintraub (Educação), Marcelo Álvaro Antônio (Turismo) e Jorge Oliveira (Secretaria Geral da Presidência). Depois tombaram Ernesto Araújo (Relações Exteriores), Ricardo Salles (Meio Ambiente) e, recentemente, o bispo Milton Ribeiro do MEC, onde os pastores avançaram vorazmente nas casas da propina, até em barras de ouro. 

Nenhum dos peões sacrificados por Bolsonaro tem potencial para atingir a coroação prevista no xadrez, quando a peça atinge a oitava casa adversária e pode ser promovida a rainha, cavalo, bispo ou torre. As pesquisas mostram um desempenho medíocre dos candidatos bolsonaristas pelo país, assim como foi na disputa municipal de 2020. O próprio capitão vê seu reinado sitiado e tenta se reposicionar para evitar um xeque-mate do eleitor em 2022. 

Seus movimentos erráticos – como o perdão a um criminoso sentenciado – não agrega adeptos e, ao contrário, afugenta o eleitor moderado. Tentar isolar o Judiciário, como fez o nazismo, não está funcionando. No STF ele esbarra em torres sólidas em defesa do Estado de Direito e das leis. O clã bolsonaro e seus peões, cavalos, bispos e rainhas golpistas, terão de responder, em breve, certamente no xadrez, pelos xeques descobertos contra a democracia e os cheques das rachadinhas e do peão-protegido Fabrício Queiroz.

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