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Washington Araújo

Mestre em Cinema, psicanalista, jornalista e conferencista, é autor de 19 livros publicados em diversos países. Professor de Comunicação, Sociologia, Geopolítica e Ética, tem mais de duas décadas de experiência na Secretaria-Geral da Mesa do Senado Federal. Especialista em IA, redes sociais e cultura global, atua na reflexão crítica sobre políticas públicas e direitos humanos. Produz o Podcast 1844 no Spotify e edita o site palavrafilmada.com.

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Os gestos pequenos, discretos, de humanidade preservada

Não é o mármore nem o concreto que sustentam a vida em comum, mas a delicadeza de gestos invisíveis que eternizam a beleza. É o embelezamento invisível

Obra de arte de Jeff Koons no Palácio de Versalhes (Foto: Reuters)

Há quem acredite que o mundo só se transforma com cifras bilionárias, empréstimos internacionais e obras monumentais. Sonha-se com praças reluzentes, avenidas duplicadas, pontes iluminadas. Tudo isso embeleza a superfície. Mas o que dá sentido à vida?

O paradoxo é direto: o embelezamento mais duradouro não custa nada. Não depende de campanhas eleitorais nem de planos de governo. Ele nasce no gesto de quem oferece atenção, no sorriso concedido ao estranho, na disposição de dividir o que tem. Esses atos não aparecem em estatísticas econômicas, mas são o verdadeiro alicerce da convivência.

A beleza que importa não está no concreto armado, mas na maneira como olhamos uns aos outros sem julgamento. Está no afeto que se dá sem cálculo e na empatia que converte distâncias em proximidade. Uma cidade pode ostentar arranha-céus cintilantes e, ainda assim, permanecer vazia de humanidade se não cultivar a gentileza.

No Brasil, como em tantos outros países onde a violência marca o cotidiano, falar em bondade soa utópico. Mas é precisamente o contrário: sem ela, nenhuma sociedade resiste. A história ensina que não são decretos ou forças militares que sustentam a civilização, mas a escolha silenciosa de milhares de pessoas em não multiplicar rancores.

O mundo inteiro poderia ser embelezado por essa obra discreta: a prática cotidiana da compaixão. Um único gesto solidário pode desencadear correntes de confiança que ultrapassam fronteiras. Do mesmo modo, a indiferença, quando aceita como normal, corrói as bases da vida comum.

O sucesso de uma cidade não deveria ser medido apenas pelo brilho de suas torres ou pela largura de suas avenidas. O que define sua grandeza é a qualidade de seus encontros humanos. De pouco servem parques renovados se ali floresce a intolerância; de nada valem ruas arborizadas se nelas se cultiva o ódio.

Bondade, amor e empatia são as tintas invisíveis que desenham o futuro. Elas impedem que confundamos progresso com ostentação, crescimento com exclusão, beleza com propaganda. A ausência desses valores não se encobre com slogans, tampouco com marketing urbano.

Não se trata de ingenuidade, mas de lucidez. O que sustenta a vida em comum é a cortesia, não a brutalidade. É a partilha, não a acumulação. O que fez a humanidade atravessar impérios e ditaduras não foram monumentos, mas gestos silenciosos de humanidade preservada.

O desafio do nosso tempo é reconhecer que a verdadeira beleza não se compra nem se inaugura. Ela não está na pedra polida, mas na dignidade que reconhecemos uns nos outros.

E a pergunta permanece, irrecusável: estamos prontos para esse trabalho simples, invisível, mas decisivo? A beleza que nasce da bondade é a única que o tempo não apaga.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.