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Os nossos pobres e os deles

Raramente dirigentes partidários recorrem a argumentos tão infames para justificar derrotas como fizerem os integrantes do PSDB ao final da última campanha eleitoral

Raramente dirigentes partidários recorrem a argumentos tão infames para justificar derrotas como fizerem os integrantes do PSDB ao final da última campanha eleitoral (Foto: Roseli Martins Coelho)
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Fernando Henrique Cardoso publicou o artigo "Vitória amarga" no Estadão de 7 de dezembro. Mas para melhor expressar o sentido do texto, o título deveria ser "Derrota amarga", uma vez que se trata de um resumo de várias declarações já publicadas nas quais ficam evidentes o seu ressentimento e a enorme dificuldade de aceitar a derrota eleitoral.

Se os artigos do ex-Presidente forem, como se supõe, lidos por milhares de pessoas no país inteiro, o partido dele está condenado ao fracasso nas próximas eleições presidenciais. Raramente dirigentes partidários recorrem a argumentos tão infames para justificar derrotas como fizerem os integrantes do PSDB ao final da última campanha eleitoral. Como bem observou um comentarista arguto, o PSDB está tentando "vender derrota como vitória". Para tanto, vale o desrespeito ao voto dos mais pobres, vale apostar num "terceiro turno" baseado em ameaças à democracia brasileira.

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Passados mais de trinta dias do segundo turno, seria de se esperar que as declarações pronunciadas logo depois da derrota -- descontadas as aparições tipo "faca nos dentes" do candidato derrotado -- tivessem sido devidamente arquivadas pelo PSDB numa pasta com a etiqueta "erros a serem evitados".

Mas Fernando Henrique Cardoso continua abraçando com sinceridade os argumentos preconceituosos contra o eleitorado do PT, assim como já fizera, logo após a eleição, ao se referir ao voto dos "mal informados". Agora, no artigo do Estadão, ele elogia a "metade" do país que escolheu o candidato do PSDB, e ofende milhões de cidadãos brasileiros que votaram em Dilma. Para o ex-Presidente, a "metade" que preferiu o PSDB é superior à outra "metade" porque é constituída por "empreendores" mais escolarizados que não dependem do "assistencialismo governamental". O eleitorado petista, ao contrário, seria marcado pelas "amarras aos governos". Ele acredita que tudo o que há de mais dinâmico e saudável na sociedade brasileira ficou com o PSDB, enquanto ao PT restou as áreas atrasadas, marcadas pela "ausência de uma sociedade civil ativa". Entretanto, isso não quer dizer, segundo o ex-Presidente, que os resultados eleitorais devam ser analisados segundo "áreas geográficas tomadas isoladamente, Sudeste rico, Nordeste pobre". Embora tenha tido as maiores votações concentradas nas outras regiões, o PSDB recebeu milhões de votos no Nordeste. Fernando Henrique Cardoso atribui esse fato aos bolsões de dinamismo capitalista que, acredita ele, existem ao lado das áreas atrasadas e "dependentes do assistencialismo governamental".

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O primeiro plano do texto do dirigente tucano é tomado por uma gangorra explicativa: tudo que é relacionado ao "mercado" é "dinâmico" e "autônomo"; enquanto a esfera do Estado teria o perverso efeito de roubar o livre arbítrio das pessoas e transformá-las em elementos do atraso.

Ao forjar essa explicação o ex-Presidente contradiz suas próprias elaborações a respeito da imbricação inevitável entre Estado e mercado que, no Brasil e em outros países, marca o capitalismo contemporâneo. Seria o caso de aguardar um próximo artigo do Estadão para esclarecer se essas definições hierarquizadas -- "mercado" saudável, "Estado" prejudicial -- foram criadas especificamente para explicar as políiticas públicas voltadas para a população pobre. Não poderiam, portando, ser aplicadas para analisar políticas governamentais praticadas para favorecer o agronegócio (citado por ele como exemplo de dinamismo) e outros setores igualmente "dinâmicos" da economia brasileira.

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Fernando Henrique rejeita enfaticamente a interpretação segundo a qual a eleição de 2014 expressou uma disputa entre "ricos contra pobres, à moda lulista". Ele lembra que os milhões de votos de Aécio em São Paulo não vieram dos ricos. Mas, por outro lado, não se arrisca a responder se haveria em São Paulo bolsões de atraso com mais de oito milhões de pessoas "dependentes do assistencialismo governamental" as quais escolheram Dilma.

Seja como for, o ex-Presidente não tem como apresentar qualquer evidência que comprove sua exótica hipótese que exclui a variável "renda" e concentra a explicação em frágeis noções de "autônomos" e "dependentes". Mas a explicação serve para colocar em pé sua mais importante interpretação dos resultados da eleição de 2014: os pobres que votaram no PSDB, estejam em Pernambuco ou em São Paulo, são mais escolarizados, mais empreendedores, mais autônomos. São, enfim, superiores aos pobres que votaram no PT.

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Inúmeras análises foram e continuam sendo feitas com o objetivo de explicar a complexidade do fenômeno político-eleitoral de um país que é constituído, na sua maioria, por dezenas de milhões de votos de pessoas pobres. Porém, no que diz respeito especificamente à eleição presidencial de 2014, trata-se, aqui, de destacar outro ângulo da relação entre estratificação social e decisão de voto: nem todos os pobre votaram no PT, mas todos os ricos votaram no PSDB.

Estão disponíveis os arquivos de mapas de apuração mostrando que as regiões mais ricas, dentro de cada município brasileiro, escolheram o candidato tucano. Apenas por curiosidade sociológica, Fernando Henrique deve ter observado no mapa de votação da sua própria zona eleitoral -- numa das regiões de renda por habitante mais altas da América Latina -- que Dilma não recebeu ali nem um voto. É de se observar, é claro, que em comparação com resultados de eleições passadas, o PT teve sua votação reduzida em periferias de grandes e médias cidades. Ainda assim, de Norte a Sul, o PT venceu nas áreas mais pobres de todos os municípios brasileiros.

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Ou seja, a eleição de 2014 foi, sim, de "ricos contra pobres". Nem todos os pobres estavam do mesmo lado da disputa. Muitos, milhões deles, movidos por um conjunto de razões, colocaram-se ao lado dos ricos. Mas estes, verdadeiros portadores de uma consciência de "classe para si", souberam se manter unidos do mesmo lado do campo eleitoral.

O texto revela o pouco apreço pela democracia brasileira, pois, movido unicamente pelo fel da derrota, Fernando Henrique Cardoso questiona de modo irresponsável a legitimidade da vitória eleitoral de Dilma Rousseff e de seu próximo governo.

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Em mais uma manifestação de cegueira arrogante que sempre marcou sua trajetória política, o ex-Presidente prejudica o seu partido ao colaborar para afirmar a reputação de "partido dos ricos", da qual o PSDB tenta desesperadamente se livrar.

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