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Seymour Hersh

Jornalista investigativo e independente. Sua carreira inclui passagens pelo The New Yorker e The New York Times. Ganhou inúmeros prêmios por suas reportagens, incluindo cinco vezes o Prêmio George Polk e o Prêmio Pulitzer

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Os pecados de Guantánamo

Os tribunais estadunidenses não estão sendo justos com os inocentes que permanecem erroneamente aprisionados no campo de detenção dos EUA em Cuba

(Foto: Marinha dos EUA)
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Publicado no Substack. Traduzido e adaptado por Rubens Turkienicz com exclusividade para o Brasil 247

Era apenas mais uma decisão de um tribunal federal [dos EUA], desferindo um golpe ao destino de uma das poucas almas remanescentes na atormentada prisão da Baía de Guantánamo — um pedaço de terra na costa sudeste de Cuba que foi uma pilhagem entregue aos EUA após a sua vitória na Guerra Hispano-Americana. Os bem-documentados horrores que ocorreram na prisão militar montada lá após os ataques de 11 de setembro de 2002 (torres-gêmeas de Nova York) se tornaram uma ferramenta de recrutamento para jovens árabes descontentes, ansiosos por demonstrarem o seu ódio aos EUA.

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O Tribunal de Apelação dos EUA no circuito de Washington decidiu no início de abril que um prisioneiro do governo federal, um homem de negócios do Iêmen chamado Abdulsalam Ali Abdulrahman al-Hela, não poderia ser mantido preso se ele não era mais considerado uma ameaça. Mas o tribunal não decidiu, como os seus advogados queriam, que al-Hela — que não é um cidadão dos EUA e foi capturado num país estrangeiro — tinha um direito constitucional ao devido processo judicial. Al-Hela foi inicialmente capturado há 21 anos no Egito e, depois de passar dois anos em prisões clandestinas da CIA, foi enviado a Guantánamo para passar por interrogatórios aprimorados — isto é, por torturas.

Ao final, um conselho de revisão interna o absolveu para ser liberado a uma nação que emprega o que o conselho chamou de “medidas adequadas de segurança”. Mas o lar de al-Hela, o país destruído pela guerra do Iêmen, não foi considerado seguro e ele permaneceu na prisão. Por isso, houve um novo julgamento, cuja mesma antiga conclusão teve que evocar desalento para os outros dezesseis prisioneiros que haviam sido aprovados para liberação, porém não para uma nação considerada segura.

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Essencialmente, o tribunal de apelação adotou a argumentação do governo [dos EUA] de que os procedimentos anteriores contra al-Hela e o uso de inteligência confidencial para justificar a sua detenção não violava o seu reconhecido direito constitucional ao devido processo legal. Ao fazê-lo, o tribunal estava papagaiando os dois principais argumentos do governo que tinham sido usados em dezenas de julgamentos anteriores de detidos. O primeiro era que os tribunais federais devem considerar que o devido processo legal não se aplica aos detidos em Guantánamo. O segundo era que, mesmo que você, como juiz, concluísse que o devido processo legal se aplica em geral aos casos apresentados pelos detidos, isto não importa, porque o detido recebeu o devido processo legal, de qualquer maneira.

Tudo isto foi reafirmado diversas vezes em tribunais federais, com o mesmo sentido de ironia. O juiz disse a al-Hela sobre o caso em questão: “Nós presumimos, sem decidir, que se aplica a Cláusula do Devido Processo Legal”. Os advogados de al-Hela responderam em um apelo subsequente que o seu cliente “continuaria a servir o que representa uma pena de prisão perpétua tão cruel, da sua própria maneira, quanto a horrível tortura física que ele sofreu nas prisões clandestinas da CIA”.

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Eu estou longe de ser um advogado e não conseguiria compreender o significado de um tribunal manter na prisão indefinidamente um detento autorizado a ser liberado por mais de duas décadas, devido a uma suposição que o devido processo legal se aplica, porém não prevalece porque ele teve o devido processo legal. Um membro sênior da banca de advogados do prisioneiro em Guantánamo — o qual pediu para não ser identificado — me assegurou que o caso de al-Hela jamais poderia ser aceito pela Suprema Corte na sua atual composição. “Na verdade, o que o tribunal de apelação estava dizendo é 'ei, nós estamos realmente nos esforçando para dar ao cara um processo significativo. Nós estamos fazendo tudo o que podemos. Mas, ah, foda-se — o cara que julgou o caso [no tribunal federal de primeira instância] tentou muito e isso é suficiente. Ele estava fazendo tudo o que ele podia'. A questão mais concernente à constitucionalidade é que os tribunais não estão na posição política de dizer que os prisioneiros de Guantánamo têm direito ao devido processo legal. Aqui não se trata da lei”.

Outro advogado com experiência na Suprema Corte me assegurou que a questão em jogo no caso de al-Hela “nada tem a ver com a lei”. Não há princípios objetivos aqui. O mesmo ocorre com o aborto, com 'a imprensa livre', com 'a busca e apreensão razoável' e tudo o mais que está na Constituição [dos EUA]. É tudo inventado. É tudo falso. Os tribunais podem fazer o que quiserem. Um tribunal pode dizer que existe o direito ao aborto porque há uma cláusula perdida [na Constituição] que menciona 'liberdade' e, por isso, aquela liberdade deve cobrir o direito ao aborto. No dia seguinte, um outro tribunal pode dizer que o aborto é inconstitucional porque a mesma cláusula menciona 'vida'. Quando você é um juiz da Suprema Corte, você pode fazer qualquer coisa. Isto é 100% político. Sem o mínimo traço de jurisprudência.

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“Todo o mundo sabe que este negócio de Guantánamo é uma loucura”, disse ele. Porém, nenhuma única pessoa [num tribunal federal ou na Casa Branca] tem os culhões para assumir a responsabilidade de ser o cara que acabará com isso”.

Em 2004, eu escrevi sobre Guantánamo em artigos de revistas sobre o abuso dos internados na prisão de Abu Ghraib no Iraque, um ano depois que o presidente George W. Bush e o vice-presidente Richard Cheney responderam aos atentados de 11/09/2001 atacando o regime de Saddam Hussein — um líder despótico que tinha o mesmo medo dos radicais islâmicos como os que estavam mandando na Casa Branca. O abuso de Abu Ghraib foi estranhamente similar ao de Guantánamo em termos das táticas insanamente violentas dos interrogatórios, as quais não foram arquitetadas para produzir resultados. Ali havia uma misteriosa presença que se confundia com Antonio Taguba — o major-general que foi designado para investigar o abuso de prisioneiros em Abu Ghraib na esteira da reportagem da CBS e, depois, da minha, numa série de artigos para o New Yorker. Eu não encontrei nem fiz amizade com Tony Taguba por mais de um ano após a minha reportagem que retrata o empilhamento de prisioneiros nus em uma pirâmide com jovens mulheres guardas de prisão do exército simulando masturbações e tirando fotos. Eu também reportei sobre alguns assassinatos selvagens de prisioneiros que foram executados por oficiais das Forças Especiais dos EUA — muitos dos quais vestiam uniformes sem crachás. Mais tarde, eu soube de Taguba que ele não conseguiu ter autoridade durante a sua investigação obrigatória sobre os abusos na prisão para buscar e interrogar quaisquer oficiais de inteligência. Este foi um mistério deixado sem solução.

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