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Rogério Skylab

Músico e compositor

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Os possíveis sentidos do virtual

O fato é que as meras palavras no papel não seriam interativas, plásticas, fluidas, tratáveis em tempo real – tais características atribuíveis ao virtual só teriam sentido com a digitalização da informação. Em outras palavras, o caráter virtual da informação é dado pela codificação digital

Os possíveis sentidos do virtual
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No texto anterior trouxemos a análise de Marilena Chauí sobre os meios de comunicação. E pudemos perceber que para a filósofa, a internet apresenta uma contradição que é própria da ideologia, entendida como um mascaramento da realidade social, um encobrimento das relações de poder e a exploração por meios de artifícios de caráter simbólico.

Dessa forma, fica muito claro quando Marilena diz: ao mesmo tempo que a internet assegura a produção e a circulação livre da informação, promovendo, inclusive, acontecimentos políticos de afirmação do direito à participação, os usuários não detém qualquer poder sobre a ferramenta empregada, o monopólio da informação permanece nas mãos das empresas de comunicação de massa e, não obstante o aspecto criativo e anárquico das redes sociais, há um controle e vigilância sobre seus usuários em escala planetária, isto é, sobre toda a massa de informação do planeta (a gerência da internet é feita por uma empresa americana em articulação com o Departamento de Comércio dos EUA).

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Essa contradição seria própria da ideologia. O horror à contradição, que é o título do meu texto anterior, é o horror à ideologia, que mascara as relações de poder e explora por meio de artifícios simbólicos. Nesse sentido, de forma bem racionalista e sistemática, em coerência com metanarrativas, o texto de Marilena Chauí, "Comunicação e Democracia", demonstra claramente que há uma substituição de parâmetros baseados na experiência vivida em função de um sistema normativo de crenças, capaz de justificar erros, acontecimentos singulares, exceções, em nome de crenças mais abstratas. O horror à contradição é a impossibilidade de sacrificar a coerência.

Não fica difícil perceber como Marilena compreende o virtual. E aqui entramos no tema de hoje. Antes mesmo do sistema multimídia, que, segundo Marilena, apenas vai potencializar esse processo, isto é, sem introduzir nenhuma diferença significativa, os meios de comunicação expressam: a) a ausência de referência espacial (a tela da TV, o aparelho de rádio, a folha de jornal tornam-se o único espaço real - distâncias, proximidades, diferenças geográficas e territoriais passam a ser ignoradas); b) a ausência de referência temporal (os acontecimentos não têm continuidade no tempo, são acontecimentos sem causas e sem efeitos futuros - existem enquanto espetáculo, permanecendo nos espectadores enquanto permanecer o espetáculo de sua transmissão).

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Ora, há uma absoluta separação, nessa perspectiva, entre o mundo real e o mundo virtual. É bem sintomática essa observação de Marilena: "a realidade é captada totalmente imersa em uma composição de imagens virtuais no mundo do faz de conta, no qual as aparências não apenas se encontram na tela comunicadora da experiência, mas se transforma em experiência". Não fica difícil de perceber que o virtual, para Marilena Chauí, é o mundo do faz de conta, o mundo da aparência, que não tem mais nenhuma relação com o real.

Mas há controvérsias, como diria o senso comum. E como há.

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Pierre Levy, em seu livro "O que é virtual?", de 1995, apresenta um outro sentido para o conceito de virtual, que não terá nenhuma relação com a forma apresentada por Marilena Chauí. Para Pierre Levy, o virtual é complementar ao real e, o que Marilena chama de mundo real, seria para Levy o mundo atual. Dessa forma, se, para o senso comum, o virtual é uma irrealidade, uma ficção (é o que depreendemos do texto de Marilena), para Levy o virtual é uma potência que eclode numa atualização. Esse é o sentido filosófico do virtual e que o faz pertencer à dimensão da realidade.

Entendido como um conceito de potência, o virtual, para Levy, pelo menos inicialmente, é um campo de forças e de problemas que tende a resolver-se em uma atualização. Em outras palavras, o que constitui o campo do real é o virtual e o atual, considerados em suas diferenças. Poderia se pensar numa diferença entre o real e o possível, conforme Deleuze. Mas a virtualização não é uma desrealização, não é a transformação de uma entidade num conjunto de possíveis, mas uma mutação de identidade, um deslocamento do centro de gravidade ontológico do objeto considerado - em vez de se definir por sua atualidade (uma solução), a entidade passa a encontrar sua consistência essencial num campo problemático.

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A outra forma de pensar o virtual para Pierre Levy, nesse primeiro momento, isto é, no livro "O que é o Virtual?", de 1995, é como desterritorialização parcial em relação ao atual (a desterritorialização total, seria do âmbito do acontecimento ou do processo). A ubiqüidade, a simultaneidade, a distribuição irradiada ou massivamente paralela, o momento presente, a dimensão global, a interconexão e a sincronização, seriam elementos do virtual, pensado como informação, isto é, com forma, estrutura e propriedades.

Nesse caso, a informação jamais se separa do seu suporte material e interpretá-la e ligá-la a outras informações faz parte desse segundo aspecto do virtual. Por fim, o terceiro aspecto, para Pierre Levy, nesse primeiro momento, representado pelo livro "O que é virtual?", seria o fato do virtual ser replicável através de cópia ou impressão.

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O que marca esse primeiro momento de análise do virtual, para Pierre Levy, será, portanto, um conceito amplo, que é o seu sentido filosófico e o fato de que mudanças culturais podem ser feitas a partir dos processos de virtualização, compreendidos num sentido antropológico. Oriundo de um modelo medieval - gramática, dialética e retórica - (a gramática, separando os elementos não significantes para recombiná-los de forma ilimitada, tal como na digitalização; a dialética enquanto substituição dos elementos, mas sempre referindo-se ao real, tal como em "andar"/"rodar"; a retórica enquanto significação e substituições separadas das referências, o que vai acabar fundando o virtual - "o ato retórico, que diz respeito à essência do virtual, coloca questões, dispõe tensões e propõe finalidades: ele as põe em cena, as põe em jogo no processo vital. A invenção suprema é a de um problema, a abertura de um vazio no meio do real", cfe "O que é o virtual?"), o virtual, em Levy, estará sob a égide da significação.

Já em "Cibernética", publicado em 1997, além do sentido comum e do sentido filosófico, Pierre Levy introduz um novo sentido para o virtual: o tecnológico. Aqui, ele subdivide em três grupos o sentido tecnológico do virtual: 1) o sentido tecnológico estrito, que é o sentido mais forte na escada geral da virtualidade, e que é a simulação da realidade, uma simulação interativa, na qual o explorador tem a sensação física de estar imerso na situação definida pelo banco de dados (ex: simuladores de combate); 2) o virtual é uma espécie de mapa da realidade sem ter a necessidade de ser tridimensional, quando o explorador controla diretamente um representante de si, através de uma navegação por proximidade: o explorador controla seu acesso a um imenso banco de dados, de acordo com princípios e reflexões mentais análogos aos que o fazem controlar o acesso a seu ambiente físico imediato (ex: videogames); 3) quando a virtualidade é resultante da digitalização de informação, sendo essa modalidade o sentido mais fraco de virtual sob o prisma tecnológico – nessa modalidade, uma imagem é virtual se sua origem for uma descrição digital em uma memória de computador (lembrando que, aqui, a imagem só é virtual na memória do computador, enquanto que na tela ela se torna atual).

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Cleyton Leandro Galvão, em seu artigo "O sentidos do termo virtual em Pierre Levy" publicado em LOGEION – Filosofia da Informação, de 2016, v.3 n.1, tenta demonstrar o quanto Levy, em sua acepção filosófica do virtual, ainda se mantém preso a uma concepção medieval em que tudo seria restrito a significações – elas estariam separadas das referências, fazendo da retórica a fundação do virtual, ao colocar questões e abrir um vazio no meio do real. Nesse sentido, para Levy, o virtual se dá via semântica.

Tanto um texto de Platão quanto os elementos digitais inseridos num simulador de guerra seriam virtuais, desterritorializados. Por isso, lemos o texto ou interagimos com o simulador, e quando assim o fazemos, os atualizamos: o virtual deixa de ser virtual assim que surge a presença humana, tornando-se ato. Essa fugacidade do virtual, segundo Cleyton Leandro Galvão, é proveniente de uma concepção medieval (gramática, dialética e retórica), que trata o virtual como uma espécie de não ser.

O fato é que as meras palavras no papel não seriam interativas, plásticas, fluidas, tratáveis em tempo real – tais características atribuíveis ao virtual só teriam sentido com a digitalização da informação. Em outras palavras, o caráter virtual da informação é dado pela codificação digital. Tanto Marilena Chauí quanto Pierre Levi, ainda que o virtual para ambos não seja a mesma coisa, tendem a achar que a digitalização apenas intensificou um processo, quando na verdade a digitalização instaurou uma nova ordem.

Além de ter condicionado o caráter plástico, fluido, calculável, hipertextual e interativo da informação, a digitalização permitiu que os elementos simulados continuassem virtuais durante a interação, ao contrário do que pensa Levy. E isso nos remete a Deleuze quando ele entende o virtual coexistindo e acompanhando o atual no seu desdobrar-se, não sendo eliminado no advento da atualidade.

Ainda assim, em comparação com o texto de Marilena Chauí, há um avanço na concepção de virtual por Pierre Levy: não é o mundo do faz de conta; trata-se do Real, produzindo efeitos no mundo e sendo um fator condicionante de mudanças sociais.

A crítica atribuída a Levy, que o texto de Cleyton Leandro Galvão expressa com clareza, é sua tendência ao virtual via semântica, quando sabemos que a interatividade, principal aspecto do virtual e que dá a ele o seu sentido mais forte, só é capaz de ser obtido via digital. O que se propõe, de fato, é explicar o virtual pelo digital e não pela semântica.

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