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Valéria Dallegrave

Jornalista, escritora e dramaturga

35 artigos

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Os sete de Chicago - coragem e resistência

Gás lacrimogênio, sprays e cassetetes de um lado; do outro, pedras, garrafas e resistência. A cobertura da imprensa deixou claro o uso de força excessiva por parte da polícia e, na tentativa de tirar a responsabilidade dos ombros das autoridades, alguns manifestantes foram acusados de intencionalmente provocar o início do conflito

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Os Sete de Chicago, ao contrário do que poderia ser um filme de julgamento, é dinâmico e sabe prender a atenção, com roteiro inteligente e personagens bem desenvolvidos. Não é para menos, o diretor e roteirista Aaron Sorkin já recebeu diversas indicações a prêmios como roteirista, e até ganhou um Oscar e um Globo de Ouro pelo roteiro adaptado de A Rede Social. O principal recurso está em permanecer na sala do tribunal e ao mesmo tempo nas ruas de Chicago, onde acontece o conflito entre ativistas contrários à participação dos EUA na Guerra do Vietnã e policiais encarregados da repressão armada, durante a Convenção dos Democratas. Coisa que só o cinema pode fazer, através da edição de imagens: colocar em paralelo duas situações que se passam em espaços diversos, com tempos diversos e duração diversa. Excelente manobra de roteiro.

O início contextualiza o momento histórico, faz menção ao assassinato de Martin Luter King e Robert Kennedy, senador e candidato à presidência, com o envolvimento dos EUA na guerra do Vietnã correndo solto. A partir daí, vamos conhecer os personagens que dão nome ao filme (e o indispensável oitavo integrante), assim como os preparativos e motivações de cada um para participar da mobilização social que terminaria com centenas de presos e feridos, incluindo uma parte da imprensa. Houve câmeras destruídas e jornalistas espancados junto com manifestantes, nos cinco dias e noites de confronto. Gás lacrimogênio, sprays e cassetetes de um lado; do outro, pedras, garrafas e resistência. A cobertura da imprensa deixou claro o uso de força excessiva por parte da polícia e, na tentativa de tirar a responsabilidade dos ombros das autoridades, alguns manifestantes foram acusados de intencionalmente provocar o início do conflito.

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Os oito personagens que se preparam para ir a Chicago têm conhecimento da situação tensa que irão enfrentar. Em comum, demonstram muita determinação pela causa que os une, embora não sejam um grupo homogêneo ou, melhor dizer, não sejam de maneira alguma um grupo. Apenas a causa (a reivindicação do fim da Guerra do Vietnã) os une. A edição das imagens interfere de forma a dar-lhes certa “liga”, com o recurso interessante de unir as falas incompletas de um e outro. O que deixa no ar, principalmente, a dúvida: conseguirão manter o caráter pacífico a que se propõem? Somos provocados questionar o limite de cada um deles nas reivindicações contra a maior das injustiças por parte de um Estado, de enviar seus cidadãos para uma guerra, trocar vidas por ganhos políticos...

A questão do racismo é um tema à parte. Os Panteras Negras participam do protesto, mas também estão à margem dele, como do julgamento: Bobby Seale (Yahya Abdul-Mateen II) é o oitavo acusado. O tratamento dado aos afroamericanos é distinto do dirigido aos outros, assim como seu trajeto até ali. Torna-se patente que a luta contra o racismo é uma guerra a ser travada todos os dias, a cada minuto, nas ruas e nos tribunais. O diálogo entre Bobby e o líder estudantil Tom Hayden (Eddie Redmayne) na prisão escancara estas diferentes realidades, sem muito esforço.

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Aliás, os diálogos bem elaborados trazem à tona, de forma natural, questões políticas e sociais importantes. Destaque para as conversas entre Tom Hayden - que vive o conflito de colocar-se contra o sistema e permanecer atrelado a ele – e Abby Hoffman (Sacha Baron Cohen). Abby e Jerry Rubin (Jeremy Strong) são do Partido Internacional da Juventude, autodenominando-se yippies (hippies politicamente ativos), em contraposição ao termo hippie, criado pela imprensa. São representantes da contracultura, questionam valores e regras sociais dominantes, aprofundam o pensamento crítico. A criatividade, complexidade e humor que transparecem são essenciais para a narrativa tornar-se mais leve e cativante.

Os Sete de Chicago foi lançado pela Netflix nos EUA em véspera das eleições, em lance de marketing com mais uma edição, dessa vez entre passado e presente: fotografias documentais da manifestação foram colocadas em pontos estratégicos de Chicago de maneira que, sob determinado ponto de vista, completassem a paisagem real com o momento histórico. O filme se inseriu na realidade estadunidense em época crucial para ressaltar o absurdo de injustiças intoleráveis cometidas pelo Estado, e cumpriu, assim, importante papel político.

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Mas fez muito mais: como obra inspiradora de resistência, é interessante observar que cada um dos personagens resiste de forma diferente, de acordo com sua personalidade e vivência, às vezes surpreendendo com reações inesperadas (pontos para o roteiro). Bobby se manifesta repetidamente contra a injustiça diferenciada que o atinge desde o início, e demonstra que nunca se submeterá docilmente a estas. Abby e Jerry usam criatividade, humor e irreverência. O advogado de defesa William Kunstler (Mark Rylance) transparece muito bem os altos e baixos de emoções durante o julgamento, não reprimindo sua indignação diante do juiz abusivo.

“O mundo inteiro está assistindo” (the hole world is watching) é palavra de ordem em destaque, repetida pelos manifestantes. Mesmo em tempo anterior às redes sociais, é decisiva a importância das câmeras da imprensa (e gravações de áudios). Não havia, entretanto, celulares para registrar os detalhes da violência policial desmedida. Hoje, os mesmos são “armas” indispensáveis para quem participar de protestos. O preocupante é que alguns agressores, nestes tempos sinistros, parecem estar se acostumando às câmeras, a ponto de não hesitarem em matar diante delas. A vida tem se mostrado um reality show bem trash...

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Um esclarecimento: Encontrei referências muito equivocadas ao filme, definindo-o como um documentário. Não é. Trata-se de um drama baseado em fatos reais, que tem roteiro ficcional baseado no acontecimento histórico (há algumas poucas imagens documentais da época). Como drama ficcional, tem “licença poética” para adaptar personagens e situações de forma a conseguir um resultado mais cativante e “dramático”, para entreter e criar, na maioria das vezes, a sensação de um acontecimento com início meio e fim. Segundo constam os registros dos fatos, o procurador Richard Schultz (interpretado por Joseph-Gordon Levitt) ficou mais simpático do que realmente era, a situação humilhante em que o juiz - que não se julgava racista - colocou o Pantera Negra durou dias, e não minutos, os yippies também cantavam mantras em meio ao julgamento, e é verdade que compareceram com “fantasias” no tribunal. Já o final não aconteceu bem como retratado – lembram da licença poética para dar a sensação de começo, meio e fim? Pois é... 

De qualquer forma, o filme cumpre mais um papel político e social ao inspirar, mundo afora, quem está cansado de observar injustiças. A história de resistência narrada nos mostra que é preciso não aceitar que nos calem, continuar a protestar sempre, da forma que for possível. Os yippies são grande inspiração, por criar um show à parte na sociedade do espetáculo (e shows atraem o olhar das câmeras). Ah, em tempo: o “bom mocismo” exagerado precisa ser superado. Como diz Abby: “Em tempo de revolução, pode ser preciso ferir os sentimentos de alguém...”

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Mas, comparando com a realidade em nosso país, em que presenciamos uma lista sem fim de injustiças... golpe contra Dilma, lawfare contra Lula e o PT, imprensa corporativa distorcendo a realidade para beneficiar os canalhas no poder, destruição de empreiteiras e de milhares de empregos, fim do incentivo à indústria brasileira em diversos ramos, direitos trabalhistas aviltados, desmatamento desenfreado, negacionismo incentivando o coronavírus a matar, desrespeito diário pelo povo brasileiro em declarações na mídia... a grande pergunta é: Qual será o nosso limite!? Qual a causa que pode unir nossas diversas indignações e detonar o fim da passividade?

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