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Flávio Barbosa

Cronista, psicanalista

28 artigos

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Os valentões

Os generais brasileiros novamente arfaram o peito a declarar em alto e bom som os seus sentimentos patrióticos naquele velho argumento que pela pátria amada matam e morrem e coisa e tal. Mas por que tantos arreganhos de valentia? E contra quem estão em batalhas?

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Os generais brasileiros novamente arfaram o peito a declarar em alto e bom som os seus sentimentos patrióticos naquele velho argumento que pela pátria amada matam e morrem e coisa e tal. Mas por que tantos arreganhos de valentia? E contra quem estão em batalhas?

A considerar os últimos acontecimentos e as revelações da CPI do Senado para investigar os negócios das vacinas no Ministério da Saúde, que, desde a posse de Jair Bolsonaro abarrotou esse ministério de militares de distintas patentes e pôs na fase mais crítica da pandemia da covid-19 um general de intendência na titularidade do órgão, dito especialista em logística, porém, segundo revelou o próprio, completamente ignorante em relação ao SUS; bem, a considerar as revelações da CPI esses militares demonstraram que o amor à pátria tinha por trás interesses pecuniários pouco ortodoxos.

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Diante das revelações do imbróglio na Saúde a tropa estilou, e tendo a água barrenta chegado ao pescoço dessa gente, eles meio que descompensaram e engrossaram o tom de ameaça à CPI, à democracia – já outonal – e à população brasileira, que, cada vez mais insatisfeita e horrorizada com esse governo que é um autêntico descalabro, esse governo militar, pois já ocupam mais de seis mil postos da administração civil, o que tem, ao menos, levado ao declínio o mito da moralidade e capacidade de nossos militares já que o país conheceu o tamanho do despreparo e desatino das forças armadas brasileiras. Um choque para os crentes, sem dúvida.

Falas aqui e acolá de generais nervosos, carta à nação do clube militar com seus oficiais de pijama à beira de um chilique, nota oficial do ministro da defesa e seus comandantes militares a dizer que não admitiriam falas como a do senador Omar Aziz (presidente da CPI) que sem generalizações, lembrou de uma banda podre das ffaa baseado no que tem apurado a Comissão Parlamentar quanto aos “negócios das vacinas”.  Em seguida, o comandante da aeronáutica no mesmo tom de ameaça às instituições disse em nota que aquela seria a última, pois homens de armas não falam duas, três vezes, portanto, a se imaginar o que virá doravante. Depois da fala ameaçadora do comandante da aeronáutica tivemos o episódio de um general da reserva e ora empregado na logística do ministério da saúde, um tal de Ridauto Lúcio Fernandes (não confundir com Riobaldo, de Grandes Sertões Veredas) no qual dizia que “Pelo Brasil mato, morro, e faço outras coisas mais que ninguém imagina” ... imaginamos sim, senhor general, conhecemos a história.

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Parou por aí? Não! O general Braga Netto, aquele que quando foi interventor militar no Rio de Janeiro conheceu a dinâmica das milícias que atuam naquele estado, mas depois se aliou umbilicalmente com um dos membros mais destacado delas, o Jair Bolsonaro, agora como seu ministro das armas subiu ainda mais o tom das ameaças ao dizer ao presidente da Câmara Federal, Arthur Lira – e confirmado pelo vetusto O Estadão – que ou teríamos o voto impresso em 2022, como quer porque quer o chefe, ou não tem eleição. Ponto!

Tanta valentia desses militares para enfrentar cidadãos desarmados que os financiam através de suas contribuições tributárias e a quem eles devem continência, e o soldo. O mais incrível é que pelo visto a Constituição Federal não é ensinada, e sequer considerada, nas escolas militares nos mais distintos graus de formação, do contrário saberiam que lá no primeiro artigo da Cidadã se diz que “Todo poder emana do povo que poderá exercê-lo diretamente ou através de representantes eleitos pelo povo”. Logo, não há um parágrafo, uma oração, vírgula que seja, em que se diga algo ao contrário, por exemplo: que todo poder emana dos militares e das forças armadas ou que elas exercem poderes de tutela à uma sociedade pueril, como supõem... Essas ffaa, gostem ou não os generais, são subordinadas à sociedade civil e não o inverso; é o que está na Constituição!

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É fácil encarar com arma na mão a população civil desarmada, ameaçá-la dia sim, outro também; difícil seria ver esses bravos soldados no teatro de operação, quero dizer, na guerra. O capitão Bolsonaro, valentão-mor que sozinho e armado sequer foi capaz de enfrentar dois bandidinhos pés-de-chinelo, que lhe levou a arma, a motocicleta, carteira, e por pouco as calças, bem, esse valentão de fancaria escondido atrás de seus homens de farda até se animou em fazer uma incursão contra a Venezuela a mando dos Estados Unidos, de quem é sub do sub, mas as forças brasileiras cientes das dificuldades que seria enfrentar uma tropa de verdade, e sem razão alguma, piou!

Desse modo, ainda não foi dessa vez que tivemos a oportunidade de ver esses bravos bravateiros numa guerra de verdade e não em uma dessas guerras sujas que desde 1964 se acostumaram a fazer contra o povo.

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Isso me fez lembrar de uma história que vou contar resumidamente pra vocês caríssimos (as) leitores (as). Na Argentina que também enfrentou uma ditadura militar de 1976 a 1983 e que viu muitos desses “bravos” soldados se esmerarem em valentia contra estudantes, professores, operários, intelectuais, artistas, camponeses e indígenas na profundeza das câmaras de torturas e nas caladas da noite, teve um militar, o capitão de marinha Alfredo Astiz, que foi uma espécie de herói daquele triste período. Ele torturou freiras e as assassinou, o mesmo fez contra mulheres, jovens e até mães fundadoras do movimento Madres de la Plaza de Mayo. Era um destemido nessas práticas horrendas no inferno da Escola de Mecânica da Armada (ESMA), em Buenos Aires – o seu pior centro de torturas e assassinatos --, no entanto, esse capitão conhecido como o anjo louro da morte, espécie de Reinhard Heydrich daquela ditadura argentina, uma figura temida por sua perversidade na qual arrotava como se fosse bravura e valentia, claro, tudo por amor à pátria platina, ele não confirmou sua bravura em outras situações as quais deveria, de fato, defender a pátria platina.

Esse anjo louro tal um Aquiles que se supunha em mesmo fervor guerreiro nos campos de batalha foi destacado pela armada argentina para enfrentar os ingleses na Guerra das Malvinas. Serviu nas ilhas Geórgia do Sul onde comandou companhia. Esse Aquiles, no entanto, nem precisou esperar a chegada de Heitor, o príncipe troiano e seu oponente para a grande e definitiva batalha.

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A Guerra das Malvinas começou em 02 de abril de 1982 e se estendeu até meados de julho do mesmo ano, mas para o capitão Alfredo Astiz e seus comandados a guerra foi um pouco mais curta, já que em 24 de abril o anjo louro, o Aquiles dos porões da ditadura, capitulou sem maior resistência, conta-se que sem disparar um tiro sequer, pois bastou vir em direção ao seu destacamento as forças especiais dos Gurkhas nepaleses a serviço dos britânicos, conhecidos pelo destemor e desempenho em batalhas, e a crueldade para com os inimigos.

Ora, ora, que ironia, o valentão ao mirar essa tropa britânica sequer teve a dignidade de enfrentá-la, sujou as calças, como é próprio dessa gente quando se depara com quem os encaram em proporção de força, e se entregou covardemente, repito, sem opor qualquer resistência.

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O feito de tão emblemático para um e para o outro lado serviu de propaganda à inteligência britânica que preparou uma penca de folders com imagens do capitão capitulando para informar aos soldados argentinos, os Chicos, qual seria o destino deles se insistissem no enfrentamento. Evidentemente a ideia dessa propaganda fora a de baixar a moral da tropa argentina diante da notícia de seu Aquiles, às avessas, caído tão manso e incombativo.

Alfredo Astiz é um exemplo, um símbolo, desses “bravos soldados” de lá e de cá que arroubam valentia contra civis, mas fogem de uma batalha de vero. De Aquiles esse elemento tinha apenas a dureza com os inimigos – os civis, por supuesto --, mas jamais a honra e a coragem (timé e areté) do guerreiro heleno para enfrentar forças proporcionais, e até superiores. 

Hoje o anjo louro da morte cumpre prisão perpétua em Buenos Aires condenado pelos crimes que cometeu na ditadura platina. Foi condenado também a pena máxima na França e na Itália por torturar e matar cidadãos e cidadãs nacionais desses países na Argentina. Aqui os valentões impunes de 1964 estão a nos ameaçar, de novo, para proteger seus oficiais pegos com a mão na massa, gozar do poder que se autodeterminaram e, por extensão, preservar a moral inabalável do Exército que creio só a Velhinha de Taubaté (há controvérsias) e fanáticos bolsonaristas acreditam.

Fui aluno de Colégio Militar no ensino fundamental II e no ensino médio (na linguagem de hoje), mas confesso: tenho vergonha dessa gente que corrompe o papel fundamental das FFAA e dos militares em geral, e reconheço que esse não é um problema simplesmente de indivíduos, comandantes que sejam, mas estrutural e de concepção, doutrina e formação delas, as Forças Armadas brasileiras.

Triste Trópico! a ceder continuamente em suas repetições.

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