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Luiz Claudio Cunha

Jornalista

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Os valentões bolsonários do bizarro ‘Clube Sem Opinião’

O vírus da estupidez que caracteriza a Era Bolsonaro contaminou mortalmente um setor que deveria estar acima da mediocridade galopante do capitão e sua manada: o jornalismo

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O vírus da estupidez que caracteriza a Era Bolsonaro, com sua miríade de truculências, desmandos e patifarias que reduziram a política e envergonham Brasil aqui e lá fora, contaminou mortalmente um setor que deveria estar acima da mediocridade galopante do capitão e sua manada: o jornalismo. 

O exemplo mais dramático disso está expresso no destemido Clube de Opinião de Porto Alegre, RS, uma aguerrida tertúlia do Sul que se declara como uma entidade que há 18 anos luta em favor das liberdades e contra as ações que acuam a liberdade de imprensa, “sem distinção em relação à origem ideológica que ela assume”.

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O tal clube adentrou o aziago mês de agosto com sua típica valentia. Aproveitando uma feia derrapada da CPI da Covid no Senado, que tinha aprovada uma absurda quebra de sigilo bancário da rádio Jovem Pan, o clube de 19 jornalistas de Porto Alegre emitiu na segunda-feira, 2 de agosto, uma nota de protesto de três parágrafos e funda indignação contra a “inaceitável e despudorada intimidação”, denunciando o “aumento da escalada de discursos e ações contra a liberdade de imprensa no Brasil”.

Assustada com a bordoada do valente clube gaudério, a CPI dobrou o pelego logo no dia seguinte, terça-feira, 3, e desistiu da quebra de sigilo da Jovem Pan – hoje ridicularizada como “rádio Jovem Klan” pelo agudo tom supremacista que a torna a mais estrepitosa trombeta da extrema-direita bolsonarista no rádio brasileiro, onde agora ecoa a voz lúgubre e funérea de Augusto Nunes, um jornalista que, quando era um profissional respeitável, liderou importantes redações do país, como Veja, O Estado de S.Paulo, Jornal do Brasil e Zero Hora.  

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No espaço do Facebook foi postado um artigo de onze anos atrás de minha autoria, publicado no Observatório da Imprensa (OI) em setembro de 2010, denunciando então a falsa valentia do ‘Clube de Opinião’ – leia aqui. A simples reaparição do meu texto no OI fez latejar a veia das tias mais excitadas do Facebook. Algumas delas são estrelas fulgurantes do bolsonarismo mais botocudo dos pampas, abrigadas no cercadinho amestrado do clube de opinião devotada ao Messias e circunscrito ao Mito e seu rebanho. 

Conheço e reconheço, entre os 19 membros do grupo, alguns nomes singulares e densos do jornalismo gaúcho. Lamento que emprestem suas dignas biografias e seu prestígio a quem não merece tal distinção. Mais adiante, vou falar pontualmente sobre os dois espécimes mais conspícuos do clube, os exemplares mais apetrechados do bolsonarismo de guaiaca e chiripá que hoje envergonham os pagos: o presidente Júlio Ribeiro (que mal conheço) e o blogueiro Políbio Braga (que conheço muito bem). Com uma leve menção ao consultor de mídias sociais Marco Poli (que não conheço).     

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Em setembro de 2010, véspera da eleição em que Germano Rigotto seria merecidamente derrotado na disputa pelo Senado, o Clube de Opinião resolveu por escassa maioria, numa reunião virtual, trocar de pele e se transmutar num singular ‘Clube Sem Opinião’, decidindo estranhamente por “não opinar” sobre o implacável processo que a família Rigotto movia contra um pequeno mensário (5 mil exemplares) de Porto Alegre, o JÁ, do jornalista Elmar Bones . A desculpa do valente ‘clube sem opinião’ para não opinar foi “evitar qualquer conotação político-eleitoral” antes do pleito de outubro.  

O ex-governador estava incomodado com uma reportagem indesmentível de quatro páginas do jornal – publicada em 2001 e assinada por Elmar Bones – baseada em peças rombudas do Ministério Público e em autos inquestionáveis de uma CPI da Assembleia Legislativa sobre a maior fraude da história gaúcha: uma licitação fraudulenta na CEEE, a estatal gaúcha de energia elétrica, que abriu um rombo de mais de R$ 850 milhões (valores atualizados) no Governo Pedro Simon (1987-1990). O trabalho do JÁ ganhou em 2001 os maiores troféus de jornalismo do sul do país – o prêmio Esso Regional e o prêmio ARI (Associação Riograndense de Imprensa) – e, de quebra, um processo raivoso dos Rigotto, que tramita há duas décadas em segredo de justiça.   

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O cabeça da quadrilha que montou a operação larápia na CEEE era Lindomar, o irmão menos notório do ex-governador Germano Rigotto, segundo o relatório final de 92 páginas da CPI de 1996: ‘De tudo o que se apurou, tem-se como comprovada a prática de corrupção passiva e enriquecimento ilícito de Lindomar Vargas Rigotto’, escreveu corajosamente o relator e deputado Pepe Vargas (PT), apesar de ser primo de Lindomar e Germano. Pela primeira vez, entre as 139 CPIs criadas no Rio Grande do Sul desde 1947, eram apontados os corruptos e os corruptores. Além de Lindomar e seus 12 comparsas, a Assembleia Legislativa aprovou o indiciamento pela CPI de 11 empresas, incluindo marcas lustrosas como Alstom, Camargo Corrêa, Brown Boveri, Coemsa, Sultepa e Lorenzetti.

Vinte e cinco auditores quebraram sigilos bancários, fiscais e patrimoniais dos envolvidos. Em uma dúzia de depoimentos, Lindomar Rigotto foi apontado como a figura central do esquema, acusação reforçada pelo chefe dele na CEEE, o diretor-financeiro Silvino Marcon. Treze pessoas ouvidas pela CPI denunciaram Lindomar como ‘o verdadeiro gerente das negociações’ com os dois consórcios, agilizando em suspeitos oito dias a burocracia que se arrastava havia meses. Os contratos nº 1.000 e nº 1.001 foram assinados em dezembro de 1987 numa solenidade festiva no Palácio Piratini pelo governador e seu secretário de Minas e Energia. A CPI constatou que os vencedores, gerenciados por Rigotto, apresentaram propostas “em combinação e, talvez, até ao mesmo tempo e pelas mesmas pessoas”.

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25 anos de sigilo – e o ‘clube’, nada

As 260 caixas de papelão da CPI foram remetidas no final de 1996 ao Ministério Público, transformando-se no processo n° 011960058232 da 2ª Vara Cível da Fazenda Pública em Porto Alegre. Os autos somam hoje 49 volumes e 80 anexos envolvendo 41 réus – 12 empresas e 29 pessoas físicas. E tudo isso, 25 anos depois, ainda tramita letárgica na primeira instância do lerdo judiciário gaúcho, sob o manto de um inacreditável segredo de Justiça. Nunca se soube de nenhuma nota de protesto do audaz ‘Clube Sem Opinião’ porto-alegrense sobre essa saga de despudorada intimidação da família Rigotto que sufoca a liberdade de imprensa que o JÁ tenta exercer.  

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Coisas muito estranhas continuam acontecendo em torno do escândalo que empesteia o nome Rigotto no escândalo da CEEE. A repórter Naira Hoffmeister, do jornal Extra Classe, sentiu isso na carne, quando tentou quebrar o silêncio do caso pesquisando na forma aparentemente mais pública e transparente do caso: a CPI da Assembleia Legislativa que investigou em 1995-96 a maior roubalheira da história gaúcha. Surpresa, a repórter descobriu em meados de 2018 que o material da CPI, embora público, não estava disponível no site da Assembleia gaúcha, como acontece com dezenas de outras comissões parlamentares. 

Para ter acesso ao relatório final da CPI da CEEE, que tanto sofrimento provocou na família Rigotto e tanto constrangimento gerou entre integrantes do ‘Clube Sem Opinião’, Hoffmeister teve que recorrer à Lei de Acesso à Informação (LAI). Ainda assim, precisou esperar mais 22 dias após a decisão favorável, no prazo máximo que a mesa diretora do Legislativo usou para liberar o que devia ter acesso amplo e rápido. Graças à persistência da repórter do Extra Classe, o relatório de 92 páginas assinado pelo relator e deputado do PT Pepe Vargas – o primo honrado dos Rigotto –, está hoje, 25 anos após a conclusão da CPI, franqueado ao distinto público na internet, inclusive ao valente ‘Clube Sem Opinião’, neste endereço.

Instalada pelo voto de 42 dos 55 deputados da Assembleia, a CPI da CEEE teve seu relatório final aprovado em 27 de junho de 1996 pela unanimidade dos 11 membros da CPI. Entre seus criadores na Assembleia gaúcha estão alguns nomes que chegaram ao circuito da política nacional: Beto Albuquerque (candidato a vice-presidente na chapa de Marina Silva em 2014), Luciana Genro (candidata a presidente pelo PSOL em 2014), o deputado federal Pompeo de Mattos, o senador Sérgio Zambiasi e o saltitante deputado federal Onyx Lorenzoni, que no curto espaço dos últimos três anos quicou como ministro em cinco pastas diferentes do mitológico Governo Bolsonaro. 

O caso de impenitente perseguição da família Rigotto ao JÁ, apesar da granítica apuração da CPI da CEEE, acabou sendo acatada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (CIDH), com sede em San José, na Costa Rica – uma iniciativa da ONG Artigo 19, sediada em Londres, que promove a liberdade de expressão em todo o mundo. 

A entidade londrina explica didaticamente o que nem Rigotto, nem o ‘Clube Sem Opinião’ conseguiram entender: 

A figura de Lindomar Rigotto se cobria de grande interesse público, não só por seu irmão ser um ativo político da região, tendo sido inclusive governador do RS, mas, principalmente por seu envolvimento em um dos maiores esquemas de desvio de verbas públicas do Estado. Segundo os padrões internacionais, pessoas públicas devem suportar maior tolerância às avaliações críticas, justamente porque atraem interesse público e assim deve-se permitir a participação da sociedade nestas questões. Consideramos esta decisão judicial como uma grave violação à liberdade de expressão, além de que o caso fere gravemente os direitos à livre manifestação e ao acesso à informação.

 Casos como este estabelecem um grave precedente pois podem dar origem a uma autocensura na comunidade jornalística, intimidando estes profissionais para não publicarem e denunciarem determinadas histórias por receio de futura perseguição, principalmente tendo em conta o valor alto e desproporcional cobrado à publicação e ao jornalista, após decisão judicial.

Mais inteligente que Rigotto e mais veraz que o ‘Clube Sem Opinião’, a CIDH reconheceu que o Estado brasileiro praticou cerceamento ao direito de defesa, no caso do JÁ, e pediu explicações à Procuradoria-Geral da União (PGU). 

Germano Rigotto tentou sempre se escafeder da reponsabilidade pelo processo contra o jornal, jogando esse lixo jurídico para debaixo das saias da sua veneranda genitora, dona Julieta. “Não tenho nada a ver com isso. É coisa da minha mãe”, esbravejava o filho em 2010, preocupado com sua vulnerável condição de candidato do MDB ao Senado.

A indigitada Julieta faleceu aos 89 anos, em 2016, quinze anos após a reportagem certeira do JÁ que feriu mortalmente a imagem pública de Rigotto na eleição de 2010, derrotado duplamente pelo PP (Ana Amélia Lemos) e pelo PT (Paulo Paim), amargando o voto de apenas 2,5 milhões de gaúchos num eleitorado de 8 milhões.  O inocente Germano, irmão de Lindomar e filho de dona Julieta, acabou inscrevendo para sempre seu honrado nome no relatório final da 66ª Assembleia Geral da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), realizada na cidade mexicana de Mérida em novembro de 2010 – um mês após sua retumbante derrota na campanha gaúcha pelo Senado. 

A censura eternizada na SIP – e o ‘clube’, calado

O capítulo sobre liberdade de imprensa no Brasil, com versões adicionais em inglês e espanhol, foi escrito pelo jornalista brasileiro Sidnei Basile, então vice-presidente institucional da Editora Abril e membro do Comitê de Liberdade de Expressão da SIP. Ali, Basile reservou três parágrafos, 15 linhas e 194 palavras para resumir o longo calvário de Elmar Bones e seu jornal. O nome Rigotto é citado quatro vezes no relatório final de 2010 da SIP. Dona Julieta, a suposta dona do processo, nem é mencionada. Germano Rigotto, o ex-governador “que não tem nada a ver com isso”, é citado com nome e sobrenome uma vez. Ele ganhou sua inscrição eterna nos anais da SIP, assim descrito no relatório final de Basile: “No Sul do Brasil, continua o calvário por que passa o jornal gaúcho JÁ e seu proprietário, o jornalista Elmar Bones, por conta de uma reportagem publicada há dez anos sob o título Caso Rigotto – um golpe de US$ 65 milhões e duas mortes não esclarecidas”. 

Ao morrer em março de 2011, aos 64 anos, vítima de um câncer fulminante, Sidnei Basile deixou a folha impecável de um dos mais respeitados profissionais da imprensa brasileira. Um ano antes, Basile fez uma pública declaração de fé: “Não é o Estado que fiscaliza a imprensa, é a imprensa que fiscaliza o Estado”. Uma nobre missão que o silente ‘Clube Sem Opinião’ não conseguiu processar em seu mergulho suicida nas águas turvas da subserviência bolsonarista. 

A saga de resistência de Elmar Bones e a crônica perseguição dos Rigotto ao JÁ foi contada em uma série de três longos artigos no Observatório da Imprensa, entre novembro de 2009 e setembro de 2010 – um conjunto de mais de 10 mil palavras, 61 mil caracteres, 18 páginas de relato circunstanciado sobre o caso, assinado pelo autor desse texto. Apesar da catadupa de informações, dados e evidências históricas, Júlio Ribeiro, o líder do ‘clube sem opinião’, teve a coragem de ensaiar um desmentido no Facebook: “Nunca houve reunião ou decisão do clube sobre os fatos relatados neste texto fantasioso, do qual estou tendo conhecimento agora!”. Fundador do grupo, que preside há 17 anos, ele prova apenas que é um dirigente relapso ou muito distraído. Assim, é sempre saudável refrescar a memória combalida do diligente jornalista...   

Sem se comprometer diante da mais longa e infame ação da Justiça brasileira contra a liberdade de expressão, na década de 2010, o ‘Clube Sem Opinião’ da gauchada botou suas louvaminhas de fora na década de 2020 para cair alegremente no brete da intolerância onde pasta, bovino, a boiada capitaneada pelo chucro Jair Bolsonaro. Com o servilismo próprio de quem só procura bajular, à custa do próprio juízo, o ‘Clube Sem Opinião’ comprou sem discussão a versão cretina do capitão que trata a CPI da Covid como uma instância de senadores “idiotas, patifões e pilantras”. Como o valente clube de Porto Alegre, nem mesmo em nome da elegância, emitiu qualquer nota protestando contra o palavrório chulo do presidente, entende-se, pelo silêncio cúmplice, que esse é o pensamento estúpido compartilhado pelos nobres representantes do ‘Clube Sem Opinião’.  

Se fossem mais jornalistas e menos amancebados ao capitão de plantão no Planalto, os membros do clube de Porto Alegre deveriam lembrar que a CPI da Covid já prestou um grande serviço ao país: revelou aos brasileiros a rede de corrupção no Ministério da Saúde que mistura militares da ativa e da reserva com civis espertalhões e intermediários oportunistas de empresas-laranja e escritórios de fachada (de Brasília a Cingapura) tramando negociatas, artimanhas e maracutaias em tenebrosas transações, às custas dos cofres públicos, da saúde e da vida de brasileiros. O desfile de caras-de-pau e o repertório evidente de mentiras e versões desmentidas por documentos, e-mails e mensagens de WhatsApp mostram que a canalhice chegou ao coração do Governo Bolsonaro, que vendeu ao país (com sobrepreço) a miragem de que combateria a corrupção, e não se lambuzaria nela – como desmente e prova a CPI a cada novo e comprometedor depoimento. 

O capitão vomita palavrão – e o ‘clube engole 

O pétreo mutismo do ‘Clube Sem Opinião’ não se abala nem com o repertório sórdido que besunta a língua desse inacreditável governante brasileiro, com certeza o mais indecente e mais aporcalhado dos 38 ocupantes da cadeira presidencial em 132 anos de República – incluindo os cinco generais-presidentes da ditadura e os três patetas da Junta Militar de 1969, sempre louvados pelo capitão. O vocabulário escabroso de Bolsonaro emergiu, de repente, na reunião ministerial de abril de 2020. Ignorando que aquilo era uma reunião formal com ministros, não um furdunço fescenino numa cantina da caserna mais remota do interior, o capitão vomitou 34 palavrões em duas horas de reunião – um a cada 3,5 minutos. Entre eles, ‘bosta’ sete vezes, ‘’merda’ e ‘putaria’ em quatro frases e a preferida, ‘porra’, outras oito vezes.    

No cercadinho mental e dissoluto do Palácio da Alvorada, onde sua plateia amestrada vibra a cada insulto, Bolsonaro reclamou de uma ação da PF determinada pelo STF contra empresários e apoiadores do governo: “Acabou, porra! Me desculpem o desabafo. Acabou!”. Em janeiro passado, diante do espanto geral pelo gasto de R$ 15 milhões para a compra de leite condensado para os quarteis, Bolsonaro pinoteou: “Leite condensado? Vai pra puta que o pariu!... É pra enfiar no rabo de vocês da imprensa!...”. Em julho, indignado com os “picaretas” e “‘patifes” da CPI do Senado, disse que não iria responder ao questionamento escrito dos senadores: “Sabe qual a minha resposta, pessoal? Caguei!... Caguei pra a CPI. Não vou responder nada”.  

Apesar desse longo mergulho oral de Bolsonaro na escatologia, o asséptico ‘Clube Sem Opinião’ achou melhor não contestar, muito menos protestar contra a fétida verborragia do Capitão Cagão. Pelo silêncio, o clube de Porto Alegre consente e, pior, engole tudo aquilo. Diante da torrente diuturna de sandices e patifarias pronunciadas e estimuladas pelo Messias para seu rebanho sem máscara e sem imunidade, o silente clube adota a bovina posição de não emitir nenhuma opinião contrária ao que diz e pensa o Mito da extrema-direita brasileira.  

Um coro desafinado de cantores sertanejos – Sérgio Reis, Amado Batista, Zezé di Camargo, Netinho, Gusttavo Lima e as duplas Henrique e Juliano, João Neto e Frederico, Teodoro e Sampaio – entoa, sempre que pode, seu apoio incondicional ao capitão. Alguns vão além, como Sérgio Reis, que convocou o povo nas redes sociais a invadir o Senado para pressionar senadores no processo de impeachment contra ministros do STF e TSE: “Se em 30 dias não tirarem os caras nós vamos invadir, quebrar tudo e tirar os caras na marra. Pronto.” 

A valentia do decrépito “Menino da Porteira” acabou levando o troco: foi denunciado por incitar a violência, interrogado pela Polícia Federal como investigado e denunciado pelo MP. Acuado pela lei, recolheu-se a sua casa, deprimido, dizendo-se arrependido. O valente clube sem opinião, desta vez, não emitiu nenhuma nota – nem de protesto, nem de solidariedade.

Outro valentão, também sob o silêncio obsequioso do ‘clube sem opinião’, foi o ex-deputado Roberto Jefferson, presidente do dócil PTB, que adquiriu o estranho vício de circular pelas redes sociais fantasiado como moleque-propaganda de um ridículo arsenal de guerra, posando com pistola, revólver, fuzil automático e cara de mau. E toda aquela parafernália bélica só para sustentar as bobagens que proclama nas redes. Lá incitou a população a se armar, defendeu a volta do AI-5 para fechar o Congresso e chamou o ministro do STF Alexandre de Moraes de ‘cachorro’ e ‘Xandão do PCC”, entre outras amenidades. 

O avatar de jagunço foi denunciado pelo MP e acabou recolhido em prisão preventiva ao complexo penitenciário de Bangu, engrossando a população carcerária dali onde se amontoam 9 mil indivíduos. O ‘clube sem opinião’, como de hábito, não opinou sobre a presepada armífera do presidente do PTB. 

Os valentões armados ameaçam – e o ‘clube’, quieto

Pretenso defensor da liberdade de imprensa, no caso específico da CPI da Covid e seus ‘elementos antidemocráticos’, o baldio ‘clube sem opinião’ de Porto Alegre jamais teve a mesma intrepidez para repudiar – como ele diz da CPI – o que seria a “intimidação despudorada, inaceitável, recorrente” de Jair Bolsonaro e seus quatro filhos zero à esquerda contra a imprensa e seu direito de livre expressão. 

A hostil obsessão do capitão é uma conclusão matemática da ONG Repórteres da Fronteira (RSF), que apurou no final de julho um aumento de 74% nos seis primeiros meses de 2021 no número de ataques de Bolsonaro contra a mídia, em relação ao último semestre de 2020. Entre janeiro e junho desse ano, o capitão usou o seu avantajado coturno verbal para pisotear 87 vezes os órgãos de comunicação brasileiros – uma botinada a cada dois dias.  

Tal pai, tal filhos. 

O vereador carioca Carlos Bolsonaro, o 02 do clã, atacou a mídia 83 vezes, um incremento de 84% em relação ao semestre anterior. O deputado federal Eduardo Bolsonaro, o 03, manteve o ritmo de batida, com 85 pancadas – bem menos de que sua média anterior, que chegou a 145 agressões no semestre final de 2020. O senador Flávio Bolsonaro, o 01, o mais manso do trio, bateu apenas 38 vezes durante o semestre, média mensal de seis pancadas. Só o filho mais novo, Jair Renan, o 04, não bateu – ainda. 

Mas o quarteto, além do sobrenome, tem algo em comum: desde março passado, são alvos da polícia ou da justiça por variadas e criativas encrencas de um largo prontuário em processos distintos, que variam de tráfico de influência, lavagem de dinheiro, apropriação indébita, esquema de ‘rachadinha’, desvio de verbas públicas, peculato, organização criminosa, patrocínio de sites e incentivo a fake news na internet, manifestações antidemocráticas e ofensas a juízes e tribunais. 

Apenas a filha mais nova de Bolsonaro, Laura, de 10 anos, continua ilesa e distante de confusões.  

Somando as batidas do capitão e sua prole abrutalhada, a cambada dos Bolsonaro foi responsável por 331 ataques à imprensa no Brasil, um índice de agressividade 5,4% maior do que os insultos cometidos pela família no segundo semestre de 2020. Apesar da impenitente, quase diária artilharia verbal dos Bolsonaro, o sossegado ‘clube sem opinião’ do Sul não viu nenhum motivo para romper o seu benévolo mutismo e sair em defesa da imprensa e da injuriada liberdade de expressão – alvo de uma “intimidação despudorada, inaceitável, recorrente”, como diz o clube de jornalistas gaúchos em relação à CPI da Covid, se tivesse coragem e hombridade no trato rigoroso das patifarias cometidas pelo capitão e seus filhotes.   

O arsenal de botinadas da famiglia Bolsonaro na imprensa naquele semestre tem três alvos preferenciais, segundo o relatório da RSF: Grupo Globo (76 ataques), Grupo Folha (44) e Grupo Estadão (11), justamente os maiores, mais independentes e mais críticos sobre os feitos e malfeitos do capitão e sua tropa de celerados. Já a mídia submissa, aduladora e governista – o oposto de uma imprensa decente e séria –, Bolsonaro trata muito bem, protege e prestigia com entrevistas exclusivas, presença frequente e pronto atendimento. É o caso da Rede Record do bispo e aliado Edir Macedo, do SBT de Sílvio Santos (sogro de seu arrivista ministro das Comunicações) e do Grupo ‘Jovem Klan’ do saudoso âncora Augusto Nunes.  

O núcleo bolsonarista na mídia – e o ‘clube’ agasalha

No sul do país, os bolsonaristas mais ardorosos da mídia estão congregados justamente nesse bizarro ‘clube sem opinião’, que abraçam – sem vergonha, sem rebuço – a defesa do capitão e seus arroubos autoritários mais cretinos. Só no mês de julho passado, Bolsonaro deu sete declarações, uma a cada quatro dia, ameaçando as eleições de 2022, insistindo na chorumela do voto impresso, que ele fantasia (sem provar) como o único meio “auditável” de eleição, e ameaçando não deixar a cadeira do Planalto sem um pleito “limpo”. Uma das entrevistas de maior repercussão do capitão, nesse período, foi dada em 7 de julho ao programa Boa Tarde, Brasil¸ da rádio Guaíba, hoje sob o cajado do bispo Edir Macedo e o controle da Igreja Universal do Reino de Bolsonaro. 

Falando durante uma hora no programa que rasteja no Ibope do início da tarde com uma pífia audiência média de sete pontos, o presidente entoou – outra vez sem provas – sua cansativa falação anti-voto: “Eu não sou técnico em informática, mas pelo que ouvi, está comprovada a fraude em 2014. O Aécio foi eleito em 2014”. As bobagens que o capitão repete por ouvir dizer foram ouvidas, sem contestação, pelo apresentador do programa, Júlio Ribeiro, por acaso o presidente há 17 anos do mesmo e insosso ‘clube sem opinião’. Na rádio desde outubro de 2020, Ribeiro deveria ter adotado uma posição oposta, mais corajosa: ”Opinião, que é o grande diferencial hoje na comunicação, será uma marca da atração”, prometia o gerente-geral da Guaíba, Guilherme Baumhardt, semanas antes de Ribeiro assumir o programa e se jogar faceiro nas águas revoltas do bolsonarismo mais encapelado.  

Aos 58 anos, Ribeiro tem uma editora com duas revistas (Press e Advertising), um portal, cinco sites e nove blogs, o que não o exime de ter uma gelatinosa opinião sobre a obrigação do jornalista na checagem prévia de suas fontes: ”Sim, claro, mas nem sempre. Se a fonte é crível o suficiente, é tratar de tocar adiante“. Ribeiro é um dos jornalistas amestrados do bolsonarismo que acredita na farsa da ‘ditadura da toga’ e que classifica a prisão do borrascoso Roberto Jefferson, armado até os dentes e engatilhado até na língua, como um ‘arroubo autoritário’ do STF: “Nem Kafka sonharia com isso”, espanta-se ele, criticando a Suprema Corte, a vítima, sem criticar Jefferson, o agressor.

Outra estrela do clube é o blogueiro Políbio Braga, redondos 80 anos e, apesar da idade, a voz mais trovejante do bolsonarismo nas redes do Rio Grande. Seu blog de quase 20 anos tem 157 mil inscritos no YouTube e, segundo suas modestas palavras, “é a maior e mais importante publicação do gênero (independente) do Sul do Brasil”. Políbio diz que, no primeiro dia de setembro, o blog alcançou o recorde de 49,1 mil acessos. Na sua tática para sair da penumbra, o blogueiro mergulha fundo na agenda bolsonária imaginando ganhar holofotes e adesões na manada do capitão. 

Logo após o segundo turno de 2018, Políbio definiu assim a vitória bolsonária, no prefácio de um livro:

[A eleição de Bolsonaro é ] Um marco histórico que marca a derrota dos renegados sociais, tudo no âmbito de uma batalha dessa grande guerra contra a escumalha lulopetista e seus aliados marxistas e neomarxistas, sabendo sempre que eles jamais abandonarão suas consignas reducionistas, todas elas marcantes dos atrasos político, econômico e social...

Na sua santa cruzada nas redes sociais, o bilioso Políbio vocifera todo dia contra o ‘Eixo do Mal’, um caldeirão sulfuroso do bolsonarismo sulista onde ele junta “lulopetistas, comunistas e psólicos” que mexe e remexe com sua colher de hierofante.    

Na sua fala diária no YouTube, em junho passado, Políbio comprou de graça o peixe podre que Bolsonaro tenta vender no mercado político brasileiro, repetindo: “Sim, senhores: se não houver voto impresso, não terá eleição”, garantiu o blogueiro, com a impertinente impostura  e a empáfia marcial de um miliciano de republiqueta que se imagina mais forte e legítimo do que a Constituição. Políbio disse que o povo e os militares estão com o capitão contra o ‘Eixo do Mal’ e avisou, ameaçador, que o 7 de Setembro, terça-feira, seria ”o dia para cortar a cabeça da serpente”. 

Como se viu, o cérebro de minhoca de Bolsonaro aproveitou o feriado para prometer desobediência ao Supremo e para xingar ministros do STF em Brasília e São Paulo. Quinta feira, 48 horas depois, o capitão foi obrigado a uma humilhante nota de recuo, para não abrir a porteira do impeachment por crime de responsabilidade. O blogueiro valentão nada disse a respeito. Em meados de agosto, Políbio desdenhou no blog de uma frase de Lula no Recife – “Não permitirei que Bolsonaro passe a faixa presidencial para mim” –, esclarecendo: “Bolsonaro não corre esse tipo de risco. Lula não será candidato. Se for candidato e vencer, não assumirá. E, se assumir, será derrubado. Simples assim”. 

O trovão extremista das redes – e o ‘clube’ acolhe

O escrachado tom golpista de Políbio mostra que ele roubou a ideia e a índole maligna de um conspirador mais velho: o ex-governador da UDN Carlos Lacerda (1914-1977), líder civil do golpe de 1964 que acabou na ditadura sempre louvada pelo capitão e sempre exaltado por Políbio. 

Em 1950, quando Getúlio Vargas ensaiava seu retorno pelo voto à presidência que perdera com o golpe de 1945, o jornalista Lacerda escreveu: “O sr. Getúlio Vargas, senador, não deve ser candidato. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar”. 

O catarinense Políbio tem uma desconcertante identidade com o fluminense Lacerda e com outro ilustre colega de profissão, mais antigo: o italiano Benito Mussolini (1883-1945). 

Os três socialistas de origem tinham o jornalismo como profissão e fizeram a mesma abrupta migração ideológica, trocando o comunismo da juventude, anos depois, pela aberta e escancarada militância conservadora da direita, no limite do fascismo. Simples assim.

O filho e sobrinho de militantes do Partido Comunista Brasileiro ganhou o batismo de seus mentores ideológicos: Carlos (como Marx) Frederico (como Engels) Werneck de Lacerda foi, quando jovem, ativista de esquerda no curso de Direito, no Rio. Aos 20 anos, foi designado para ler o manifesto de lançamento da Aliança Nacional Libertadora, entidade ligada ao PCB. Quando fracassou a Intentona Comunista de 1935, precisou se esconder em uma chácara para não ser preso. Rompeu com a esquerda em 1939, com uma alegação utilitária e nada filosófica: “O comunismo levaria a uma ditadura, pior do que as outras, porque muito mais organizada e, portanto, muito mais difícil de derrubar”. 

Lacerda tornou-se, então, o crítico impiedoso de quem era mais fácil derrubar – Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros e João Goulart –, convertendo-se no principal porta-voz da direita brasileira e dos movimentos conservadores. Pivô e incitador do golpe militar de 1964, Lacerda só depois entendeu que era muito mais difícil derrubar os generais da ditadura que ajudou a implantar. Menos tolerantes do que seus antecessores civis, os militares cassaram os direitos políticos de Lacerda e o prenderam, abortando sua carreira política e fulminando suas ambições presidenciais.  

    Já Benito Mussolini, filho de um ferreiro socialista que idolatrava nacionalistas como Garibaldi e anarquistas como Bakunin, filiou-se com 17 anos ao partido Socialista. Na Suíça, onde morou, foi correspondente do jornal italiano Vanguarda Socialista. De volta à Itália, criticou a ‘guerra imperialista’ de seu país contra a Líbia, e ficou cinco meses na prisão por defender o ‘internacionalismo proletário’. Em 1912, expulsou do partido dois socialistas revisionistas que apoiaram a guerra. Ganhou um elogio público, no jornal russo Pravda¸ de um ativista em ascensão chamado Vladimir Lênin. Ao assumir a editoria do diário do partido, Avanti!, multiplicou por cinco a circulação de 20 mil exemplares do jornal socialista. Ao romper a I Guerra Mundial, em 1914, Mussolini, que inicialmente apoiava a neutralidade, evoluiu para a defesa da participação italiana no conflito. 

A divergência com os socialistas levou Mussolini a se demitir do jornal socialista, no final de 1914. Saiu de lá e fundou o seu próprio diário, Il Popolo d'Italia, um veículo militarista e nacionalista que defendia a entrada da Itália na guerra. Convocado como recruta, foi para o front como soldado raso e voltou para casa meses depois no posto de cabo, após a explosão acidental de um morteiro que lhe cravou 40 pedaços de metal no corpo. Do envolvimento físico ele evoluiu para a postura ideológica pró-guerra, definida num manifesto que Mussolini transformou, em 1915, no movimento Fascio d'azione rivoluzionaria, a origem partidária do fascismo.  Cada vez mais envolvido na radicalização política de rua contra os socialistas, Mussolini formou em 1919 uma milícia paramilitar de squadristi (os 'camisas-negras') em Milão, a Fasci Italiani di Combattimento, que cresceu e ganhou maior coerência política ao se transformar, em 1921, no Partido Fascista Nacional. Na sua volta triunfal à militância fascista, aos 39 anos organizou, em 1922, a marcha de sua milícia dos ‘camisas-negras’ sobre Roma. O sucesso da manifestação de cunho golpista levou o acuado rei Vítor Emanuel III a nomeá-lo primeiro-ministro. Em 1935, treze anos depois, o Duce fascista da Itália firmou com o Führer da Alemanha nazista a aliança militar que levaria Mussolini e Hitler, quatro anos depois, à eclosão da II Guerra Mundial. Quando o conflito começou, em 1939, 6 milhões dos quase 40 milhões de italianos eram filiados ao Partido Fascista.  

O jornalista Políbio Braga, como Lacerda e Mussolini, tem também o passado de um buliçoso militante da esquerda. Aos 21 anos, no trepidante ano de 1962, foi eleito presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas. Aos 22, emocionou-se com a multidão na praça lotada de Havana, punhos erguidos, cantando a Internacional Comunista diante de Fidel Castro no aniversário da revolução cubana. Aqui, com o golpe de1964, passou os dois primeiros anos da ditadura na condição de perseguido político, vagando escondido entre Santa Catarina e Rio Grande do Sul, mudando de casa, de nome, de penteado, de óculos e até de amigos. Foi preso em Porto Alegre em 1966 pelo DOPS. Dali, passou pelo quartel da Polícia do Exército e foi levado num jipe para Curitiba, para seu primeiro endereço fixo em muito tempo: a cela 102 da Primeira Galeria do Presídio do Ahú, a penitenciária pioneira do Paraná, onde cumpriu pena de três meses de prisão. Libertado sem explicação, Políbio foi preso de novo, três anos depois, condenado pela Justiça Militar pelo mesmo processo: padeceu mais seis meses na cadeia, de novo no Ahú. 

O ex-comunista defende a tortura – e o ‘clube’, nem aí

Do nome do lugar Políbio tirou o título do livro de memórias onde descreve essa dura convivência com a ditadura. Ahú: diário de uma prisão política é um relato seco, cortante, substantivo de um preso político de esquerda que conta só o necessário para dizer tudo, num exemplar de enxutas 260 páginas, surpreendentemente bem escrito, que destoa cruelmente do estilo atual do verboso, adjetivo e ensandecido militante da direita mais raivosa, agora dependurado nas insígnias mais cretinas do bolsonarismo. O Políbio dos anos 1960 certamente ficaria consternado com o que pensa, escreve e fala o Políbio de 2021. 

Na página 43 de suas memórias, o preso político se dizia aliado do presidente João Goulart, mas discordava dele por não acelerar seu programa de reformas. Uma das alegações para o golpe, as ‘reformas de base’ – segundo Políbio – “não propunham nem ditadura e sequer socialismo, mas a reinstalação do Estado democrático de direito e o capitalismo reformado e civilizado”.  Em 1963, um ano antes do golpe, no papel de dirigente estudantil, o impaciente Políbio cobrou cara a cara mais pressa numa audiência no Palácio do Planalto com o então presidente. Condescendente, em tom profético, Jango explicou ao impulsivo e jovem Políbio a razão para não apressar o passo das reformas: “Se me apertarem demais, virá uma ditadura militar...”   

   Hoje, revirado pelo avesso, Políbio parece estar fazendo exatamente o oposto, apertando ainda mais o capitão-presidente na direção de uma nova ditadura militar. Nas paredes frias do Ahú, quando preso, Políbio sentiu o bafo da tortura, ao dividir a cela com Ayres, um ex-guerrilheiro do grupo do coronel Jefferson Cardim de Alencar Osório, líder da primeira e fracassada tentativa de rebelião armada contra a ditadura, em 1965. Ouviu dele que foi selvagemente torturado ao ser preso, como conta na página 48: 

A polícia e os soldados bateram-lhe na cabeça. Ele dificilmente leria qualquer laudo sobre os Raios-X feitos de sua cabeça e de seu cérebro. Os exames até foram feitos, onze meses depois dos espancamentos, mas apenas para garantir que Ayres não morreria ali mesmo. 

Na sua segunda temporada no Ahú, no final de setembro de 1969, uma quarta-feira, Políbio viu chegar mais gente: uma frágil prisioneira política. Descreveu a moça – “Muito pequena, cabelos pretos e longos, rosto de belos traços e queixo sugestivamente retangular” – e a ouviu dizer seu nome, Jeanéte. Em outubro, outra quarta-feira, lá pelas 10h da noite, a jovem foi retirada da cela e levada por agentes do DOPS. Políbio conta na, página 226, o que ela viveu na tortura: 

Fiquei nua, de pés descalços, sobre duas pequenas latas sem tampa. Ainda tentei cobrir os seios com as mãos, mas os policiais berravam nos meus ouvidos, batiam com o cassetete na minha barriga e mandavam erguer as mãos para o alto. Posso ouvir os berros e o som dos cassetetes até agora”. Sem conseguir ficar na posição, tirava os pés da lata, mas apanhava até voltar à posição. Quando não resistiu mais, caiu sobre o cimento, levou um jato de água fria na cara e desmaiou. Quando acordou, estava pendurada nua no pau-de-arara, os pulsos e as canelas cobertos com panos molhados sobre cordas para não deixar marcas. Ela só se lembra quando acordou de novo. Já era madrugada. O delegado do DOPS, chamado Osias, chutou-a nos rins, no peito, na cabeça... 

As torturas praticadas contra Jeanéte, embora isso não fosse surpreendente, revoltaram os 750 presos do Ahú, inclusive Políbio. No jantar, ninguém tocou no prato de comida. No dia seguinte, iniciaram uma greve de fome e redigiram um manifesto pedindo que Jeanéte tivesse o direito de ser amparada pela Lei de Proteção aos Animais. Esse era o clima que Políbio viveu na prisão da ditadura e essa era a tortura que ele viu para descrever no seu livro de memórias. 

Apesar disso, em setembro de 2010, Políbio confessou “ter o rabo preso” com seu amigo Germano Rigotto na cretina ação judicial contra o jornal JÁ e seu editor Elmar Bones. E emendou dizendo que era também contra a revisão da anistia que a ditadura se autoconcedeu. Supondo, erradamente, que ele havia sido torturado na cadeia, lembrei sua condição de ex-preso político submetido a sevícias. Sua resposta, além de surpreendente, dá a medida de seu caráter: “Mas, os militares estavam certos. Eu sou a favor da tortura!...”

Esse é o Políbio Braga, o ex-esquerdista e preso político que defende a tortura e que, na democracia de Jair Bolsonaro – o extremista que exalta a ditadura e louva torturadores como o coronel Brilhante Ustra –, apoia as ameaças autoritárias e golpistas que tentam devolver o Brasil ao mundo de trevas que o capitão defende e que o blogueiro um dia repudiou. Esse é o Políbio Braga, estrela do bizarro ‘clube sem opinião’, que resume na sua desatinada figura de radical de direita no YouTube o dilema moral de uma indecorosa confraria de jornalistas que se cala e se omite, a não ser nos momentos de servilismo explícito às patifarias do poder.

Um bom exemplo do desconcerto que preside o raciocínio de alguns membros menos dotados do clube gaúcho é o comentário lateral de Marco Poli, um dos 19 bravos militantes da liga não opinativa, que ficou irritado com os fatos narrados sobre o cúmplice silêncio de seus agregados no assédio judicial de Germano Rigotto ao jornal JÁ. Jornalista e consultor de mídias sociais, Marco Poli entrou no Facebook para esbravejar: “Quer pautar o Clube? Tenta o ingresso e, se for aceito, sugere a pauta por dentro”. 

Na exótica formulação mental de Poli, seria necessário primeiro preencher um formulário, assinar a inscrição e daí ingressar na Geheime Staatspolizei, o nome oficial da polícia secreta do III Reich, popularmente conhecida como Gestapo, ganhando a honra de ser um liderado do chefe supremo da organização, Heinrich Himmler. Só então, na delirante conclusão de Poli, apenas um membro efetivo da Gestapo poderia se atrever a criticar a Gestapo de Himmler e os métodos sanguinários do nazismo. 

Num exemplo mais recente e notório da lógica maluca de Poli, um crítico do DOI-CODI deveria antes bater na porta da unidade militar da rua Tutoia, em São Paulo, e passar pelos necessários filtros ideológicos de barbárie para ganhar a chance de trabalhar ao lado do ícone de Bolsonaro, o então major Carlos Alberto Brilhante Ustra, comandante do principal centro de suplícios da ditadura militar. Segundo o relatório nunca contestado da Comissão Nacional da Verdade, de 2014, no DOI-CODI da Tutoia transitaram sob torturas 2.541 presos políticos (um deles, a guerrilheira Dilma Rousseff) e 51 não sobreviveram aos maus tratos (um deles, o jornalista Vladimir Herzog).    

Marco Poli e sua lógica: para criticar a Gestapo de Himmler e o DOI-CODI de Ustra, tem que ingressar... 

Sendo assim, no raciocínio tortuoso do consultor Marco Poli, é preciso participar da tortura para só então criticar a tortura! Sempre na linha reducionista de sua mente restrita: “Quer pautar o clube? Tenta o ingresso!”. 

O nível de indigência mental a que chegou o Brasil nos tempos cavalares desse galopante Jair Bolsonaro é a única explicação para esse estranho fenômeno do sulista ‘Clube Sem Opinião’ e seus bolsonaristas amestrados. 

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