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Roberto Amaral

Cientista político e ex-ministro da Ciência e Tecnologia entre 2003 e 2004

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Ou a esquerda retoma o projeto nacional de desenvolvimento, ou esperemos pelo pior

Perdida a revolução industrial, estamos hoje relativamente mais pobres, na iminência de perdermos a revolução tecnológica, a nova linha divisória entre sociedades desenvolvidas e países definitivamente subdesenvolvidos, entre países produtores de conhecimento – a matéria prima do desenvolvimento e do progresso – cloacas importadoras de conhecimento

(Foto: Foto: Pablo Nacer (Brasil 247))
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A grande mídia, embora agora assustada com as ameaças autoritárias do capitão que ajudou a alçar à presidência, permanece com todas as velas enfunadas distribuindo louvaminhas à pauta neoliberal que tudo oferece ao capital rentista, na mesma medida em que, planejadamente, conscientemente, engendra o empobrecimento do país e aumenta a miséria de milhões de brasileiros.

Os “consultores” e “especialistas” do grande capital nos dizem todo dia, nas folhas, nas telas e nas rádios, que “o governo está certo” e que a austeridade fiscal que condenou o Chile à explosão social é o bom caminho para nos levar ao paraíso. O irresponsável ministro da economia diz que “o país está reacelerando”.

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Vamos, porém,  aos fatos.

O PIB (dados do IBGE), “cresceu” 1% em 2019 em face de 2018 (o menor índice dos últimos três anos), mas  com viés de queda, pois foi de 0,5% o “avanço” da economia no quarto trimestre do ano passado. Mais do que pífio, trata-se de crescimento nenhum, se levarmos em conta que o crescimento populacional também se deu à taxa de 1% a.a. [IBGE] Quando precisamos nos desenvolver o mais celeremente possível, ao cabo de “mais uma década perdida”,  andamos para trás. Mesmo setores do dito “mercado” que nos governa já admitem, para 2020, um crescimento em torno de 1,8%  (a previsão da OCDE é 1,7%), também com viés de baixa, de baixa certa, se considerarmos o quadro internacional e nele com destaque a desaceleracão  chinesa, que entre nós já se manifesta com a queda no fornecimento de insumos que alimentam a já anêmica indústria nacional, e à qual se deve somar uma grande redução nas importações  de commodities, de que depende nossa balança comercial, primarizada, e assim retornando aos anos 30 do século passado.

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Para crescer pelo menos 3% ao ano (entre 1946-1957 crescemos a 6,33% a.a.; entre 1958-1978 crescemos 7,3% a.a.), o investimento deveria ser de 22%, mas, em 2019 – o primeiro ano da saga Jair-Guedes-Maia –, foi de apenas 14,4%, e deve ser ainda menor em 2020, pois, no quarto trimestre caiu de 3,9% para 2,2%, o que sugere, também, a tendência de queda, inevitável como produto de uma política de redução de gastos.

Esses são os números  oferecidos pelo “ajuste fiscal”, biombo ideológico  mediante o qual a elite rentista procura esconder a captura do Estado pelo capital financeiro. Proprietário dos meios de produção de bens materiais e simbólicos, portanto também proprietário dos meios de comunicação em seu largo espectro, o grande capital estabelece a ditadura ideológica que exerce sobre a população como um todo, vendendo como públicos e nacionais os interesses privados, mais especificamente os interesses da banca estéril, que controla a economia. Mantra da grande imprensa, panaceia para nossos problemas passados, presentes e futuros, insiste-se no receituário monetarista rejeitado pelos EUA e pela UE após a crise de 2008. A política de austeridade fiscal, além de  errada, em qualquer parte do mundo, é simplesmente criminosa em país como o Brasil, vivendo um longo ciclo de depressão-estagnação, às voltas com uma desigualdade social obscena.

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A chamada crise fiscal que domina o pensamento econômico oficial (quando sabemos que a disfunção real é estrutural) não é de despesa, mas de receita. Não saberão disto os economistas oficiais? Mas diante dela os Chicago boys, ao invés de promoverem a demanda agregada, persistem nos cortes de investimentos, a começar pelos gastos governamentais, com suas consequências óbvias e sentidas  pelo povo: retração da produção e da renda (o endividamento familiar bate recordes entre nós), alimentando o desemprego que humilha o trabalhador, reduz a arrecadação de impostos (portanto, também a receita) e, por fim, fechando o círculo vicioso, aumenta o desequilíbrio fiscal que tanto assusta a elite endinheirada, temente do calote da dívida pública de que se beneficia como credora.

Qual o quadro desanimador que  resulta dessa política? Contração do produto real, retração da indústria, aumento geral da capacidade ociosa da economia, escalada do desemprego e da informalidade, expansão de precárias ocupações por conta própria, a “uberização” da vida laboral.

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Além de escassa, formando exércitos de reserva, aviltando salários e condições de trabalho, mesmo a ocupação formal  é insegura e de baixa qualidade. No trimestre encerrado em dezembro de 2019 nada menos que 40,7% dos trabalhadores ocupados, ou seja, 38 milhões de brasileiros, estavam em “situação de informalidade”, eufemismo para o desemprego disfarçado. O precariado (desocupados, subocupados e desalentados), em que o capitalismo financeiro monopolista está transformando o proletariado, soma 23,2 milhões de brasileiros sem esperança. O significado desse crime fica mais claro se pensarmos que a cada um desses candidatos à miséria corresponde uma família.

As previsões para 2020, a partir de números oficiais, estimam em 23 milhões o número de desempregados formais (aqueles que segundo as estatísticas do IBGE desistiram de procurar emprego), aos quais devemos  somar os 40 milhões de subutilizados, 20% da força de trabalho nacional.

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O Brasil já é campeão de desemprego entre as dez maiores economias do mundo. Nosso percentual é mais que o dobro da média dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento (OCDE).

E o trêfego ministro da Economia nos diz que as empregadas domésticas estão viajando muito à Disney!

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Qual seria a alternativa ao neoliberalismo jacobino?

Promover o aumento dos investimentos em formação bruta de capital fixo: obras e mais obras de infraestrutura e saneamento, estradas, portos e geração de energia, recuperação da indústria como um todo, ampliação e modernização das plantas e modernização do parque industrial instalado mediante investimentos em tecnologia e inovação, aumentando ao mesmo tempo a produtividade e as condições de competitividade no mercado internacional – aumentando, enfim,  a participação da indústria na formação do PIB.

Que faz o governo?

Ao invés de promover estímulos à demanda agregada, insiste nos cortes dos investimentos, a começar pelos gastos governamentais,  reduz o papel das agências estatais de fomento e desenvolvimento e, irresponsavelmente,  corta os investimentos em educação, ciência, tecnologia e inovação.

O papel do Estado no desenvolvimento de países com as nossas características tem sido tema recorrente neste espaço. A ele voltamos pois é de serra acima [?], senão criminosa, a insistência do governo, com a inefável colaboração de Rodrigo Maia, na desestruturação do Estado desenvolvimentista brasileiro. Repito: não há em toda a história do capitalismo um só exemplo de país com as nossas características que se tenha desenvolvido sem a participação ativa do Estado. É o caso clássico dos EUA, é o caso dos Tigres Asiáticos e é a insofismável lição da China contemporânea.

De igual modo não registra a História um só exemplo de desenvolvimento sem a criação de um portentoso mercado interno consumidor, e de novo são exemplos conspícuos os EUA e a China, caminho que a Índia percorre. E é pela via da construção de um grande mercado que a Europa tenta sobreviver.

Nenhum desenvolvimento econômico e social se fez, até aqui, sem investimentos públicos maciços em infraestrutura e logística, como, de igual modo, não se conhece uma só grande potência econômica que não seja, antes, uma potência industrial. E não há a mais tênue possibilidade de desenvolvimento industrial  sem investimentos, maciços e sistemáticos, em educação pública, em ensino e pesquisa, em tecnologia e inovação.

Que faz o governo?

Ao desenvolvimento opõe o austericídio. À ciência e ao conhecimento opõe o obscurantismo. Desdenha a escola púbica e maltrata a universidade, sede de produção de ciência, tecnologia e inovação, sem o que não há progresso de qualquer natureza.

As consequências não se fizeram esperar, anunciando expectativas ainda piores para os anos vindouros.

Perdida a revolução industrial, estamos hoje relativamente mais pobres, na iminência de perdermos a revolução tecnológica, a nova linha divisória entre sociedades desenvolvidas e países definitivamente subdesenvolvidos, entre países produtores de conhecimento – a matéria prima do desenvolvimento e do progresso – cloacas importadoras de conhecimento. É o cenário com o qual  nos acena o bolsonarismo. Resistir, avançar, mudar é mais do que uma opção política, pois se constitui em  necessidade de sobrevivência de um povo, de uma nação, de um país, de uma opção de vida digna.

É necessário retomar o projeto nacional de desenvolvimento, e esta deve ser  a tarefa prioritária da esquerda brasileira de hoje.  

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