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Leopoldo Vieira

Jornalista profissional, pós-graduado em Administração Pública e Ciência Política. Trabalhou como analista sênior de política na Faria Lima (TradersClub) e nos ministérios do Planejamento, Secretaria de Governo e Relações Institucionais nos governos Dilma Rousseff e Lula

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Pacto Democrático: disputa entre PT e Centrão pode ser reaberta após início do cumprimento de pena por Bolsonaro e militares

Se o risco de outra deriva autoritária pode ter sido superado no curto e médio prazos, permanece sem desfecho o restante das previsões da Carta Magna

Jair Bolsonaro, em prisão domiciliar, em Brasília - 14/08/2025 (Foto: REUTERS/Adriano Machado)

O início do cumprimento de pena pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e por oficiais de alta patente das Forças Armadas representa uma derrota histórica, depois da própria redemocratização, das visões e herdeiros das forças “linha dura” que dirigiram a Ditadura Militar, abrindo caminho para que a disputa mal resolvida entre petismo e Centrão, na fundação da Nova República, volte à cena principal, agora em torno de uma atualização — ou superação — do Pacto Democrático de 1988.

Se o risco de outra deriva autoritária pode ter sido superado no curto e médio prazos, permanece sem desfecho o restante das previsões da Carta Magna, uma vez que o Centrão tem agido mais como mediador do capital do que como centro moderado.

Na época da Constituinte, o bloco foi incentivado por articulações empresariais e ruralistas, grupos em geral associados ao regime anterior, a limitar as propostas do campo político-social liderado por Lula. Nesse processo, o Centrão venceu os embates decisivos, mas o êxito parcial do PT moldou o viés de “Constituição Cidadã”, sobretudo pelos direitos sociais consagrados por meio do engajamento civil.

Mas, apesar da estabilidade monetária e dos avanços sociais alcançados na Nova República, um discurso antissistema direcionado pela direita ideológica contra o Poder Público e o establishment político estimulou nostalgias da Ditadura, muitas vezes em razão da disfuncionalidade que estudiosos apontam no modelo conhecido como “presidencialismo de coalizão”, cujo beneficiário sempre foi o bloco — na visão desses estudiosos.

Nos últimos dias, a relação entre Executivo e Legislativo entrou em uma nova rodada de conflito, coerente com períodos de maior e menor tensionamento que se tornaram o padrão — um sintoma de reabilitação institucional, com maior alinhamento ao ideário de separação e independência dos Poderes —, embora continue pendente uma repactuação das prerrogativas dos Poderes. Estas, por sua vez, foram desorganizadas, juntamente com alguns direitos sociais, entre 2015 e 2022, uma era marcada por forte protagonismo do Centrão. Agora, esses direitos estão na mira de um "acerto de contas fiscal" a partir de 2027, destacadamente em caso de vitória de um candidato do bloco.

Em paralelo, Lula fecha seu terceiro ano com balanços e perspectivas alinhados aos objetivos da República — como buscar a erradicação da pobreza, da marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais —, o que acena para uma disposição de aprofundá-los.

Essas contradições renovadas entre petismo e Centrão projetam que o Pacto Democrático está novamente sob estresse. Ou seja, os entendimentos nacionais sobre democracia, soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana e valores sociais estão se tornando cada vez mais líquidos.

Assim, ao pleitear um quarto mandato, Lula, que se apresenta como a única alternância de poder de fato na história do país, sinaliza que deseja concluir sua trajetória liderando um novo pacto entre os “andares” de cima e de baixo, ou a resistência do campo político-social que sempre o acompanhou, projetando um “pós-Lula” para muito além da escolha de um sucessor.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.