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José Carlos Moreira da Silva Filho

Professor na Escola de Direito da PUCRS e Sócio Fundador da Associação Brasileira de Juízes pela Democracia - ABJD

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Parcela do Judiciário brasileiro insiste em fazer apologia da ditadura em pleno Século XXI

A 6ª Turma do TRF3 decidiu por unanimidade criminalizar em plena democracia a oposição política à ditadura militar

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O Poder Judiciário Brasileiro, por meio de parte dos seus representantes, continua a insistir na defesa da visão autoritária e no bloqueio à necessária justiça de transição no país. Em acórdão que data de 05 de março do presente, a 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em uma Apelação Cível, decidiu por unanimidade criminalizar em plena democracia a oposição política à ditadura militar. A Apelação foi interposta por familiares de Antonio Torini, ex-empregado da Volkswagen do Brasil, empresa que no final de 2020 assinou um Termo de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público Federal, oriundo de um inquérito civil que investigava sua responsabilidade por graves violações de direitos humanos durante a ditadura militar, implicando em valores a serem direcionados às famílias dos ex-empregados da empresa perseguidos e a projetos de desenvolvimento da justiça de transição no país.

Antonio Torini foi preso em 1972 nas dependências da fábrica onde trabalhava e esteve por 49 dias preso e incomunicável nos porões do DOPS, onde sofreu sevícias e diversas violências, tendo entrado em listas sujas da época que o impediram de trabalhar e sustentar a sua família. Foi condenado pela justiça militar. São centenas de casos já devidamente demonstrados por órgãos como a Comissão de Anistia e a Comissão Nacional da Verdade nos quais fica nítido o procedimento padrão de prisões executadas pelo DOPS paulista durante a ditadura, com agressões, violência e tortura, fora os relatos presentes no caso concreto. O voto do Desembargador Johonsom Di Salvo, contudo, exige provas cabais da tortura sofrida em uma época em que a tortura era negada e que era praticamente impossível se obter qualquer prova de caráter oficial. Para além das suficientes comprovações do caso concreto, com diversos relatos e comprovação da prisão por atividade subversiva, o relator e seus colegas que o seguiram desconsideraram as especialíssimas circunstâncias do período, e o fato de que centenas de relatos e documentos históricos já autorizam considerar como certas as violências praticadas pelas polícias políticas que atuavam no parque industrial brasileiro, para reprimir os trabalhadores, em conluio com o departamento de segurança de muitas empresas, como a Volkswagen, por exemplo. Torini foi anistiado pela Comissão de Anistia e sua família obteve na justiça federal de Santo André o deferimento de indenização extrapatrimonial, não coberta pela reparação concedida pela Comissão de Anistia.   

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O voto do Desembargador Johonsom Di Salvo, acompanhado pelo resto da turma, bem demonstra a indigência democrática na qual se encontra parcela do judiciário brasileiro, visto que considera justificada a criminalização de um opositor da ditadura sem questionar a legalidade da ordem ditatorial vigente e da legislação de exceção da época, como os Atos Institucionais e a Lei de Segurança Nacional. Ignora também que a Constituição de 1988, na qual se fundamenta a lei federal de anistia (Lei Nº 10.559/2002) estabelece o instituto da anistia (Art.8º do ADCT) para reparar os perseguidos políticos e não para considerá-los criminosos. Há aqui uma clara confusão entre a anistia penal e a anistia como reparação, assim chamada em homenagem aos movimentos emancipatórios que lutaram pela anistia no Brasil como forma de recuperar a democracia e fazer cessar a vil e injusta punição sofrida pelas pessoas e grupos que ousaram se insurgir contra um regime autoritário e brutal. Quem enfrenta uma ditadura excludente, que viola o Estado de Direito e impõe o cerceamento das liberdades e o medo como regra institucional, não é criminoso, mas sim alguém que exerce o legítimo direito de resistência à tirania. 

O voto referido ignora os princípios da justiça de transição presentes no direito internacional e na Constituição brasileira e, em sua fundamentação, incorre igualmente na criminalização dos movimentos de reivindicação por melhores condições de trabalho, na histórica luta dos trabalhadores e trabalhadoras do Brasil. É uma decisão que merece ser lamentada e em futuro próximo reformada, para o bem da democracia e da própria imagem do Poder Judiciário, como mais um exemplo de decisão antidemocrática e ilegal, pois superpõe à interpretação democrática da lei, uma outra que busca fazer apologia de uma época de pleno cerceamento das liberdades e da prática pelo Estado da violação direta e massiva de direitos humanos. A decisão que, sem nenhum pudor estabelece uma reformatio in pejus na Apelação Cível feita pela família de Torini (interposta para majorar o quantum indenizatório e não para anulá-lo) incide em uma revitimização desta família, significa uma continuidade da perseguição política, uma segunda tortura, e cabe a todos os cidadãos e cidadãs comprometidos com a busca de uma sociedade livre, justa e solidária, denunciá-la e repudiá-la.

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