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Chris Hedges

Jornalista vencedor do Pulitzer Prize (maior prêmio do jornalismo nos EUA), foi correspondente estrangeiro do New York Times, trabalhou para o The Dallas Morning News, The Christian Science Monitor e NPR.

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Pare de se preocupar e ame a bomba

Quanto mais a guerra por procuração na Ucrânia durar, mais próximos estaremos de uma confrontação direta com a Rússia

Atirar Bombas - Bombs Away (Foto: Mr. Fish)
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Atirar Bombas - Bombs Away - by Mr. Fish 

Artigo de Chris Hedges, originalmente publicado no seu SubStack. Traduzido e adaptado por Rubens Turkienicz com exclusividade para o Brasil 247

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Eu cobri um número suficiente de guerras para saber que, uma vez que você abra a caixa de Pandora, os muitos males que saem para fora ficam muito além do controle de qualquer um. A guerra acelera o redemoinho da matança industrial. Quanto mais dura uma guerra, mais perto cada lado dela chega à auto-aniquilação. A não ser que ela seja interrompida, a guerra por procuração entre a Rússia e os EUA na Ucrânia praticamente garante a confrontação direta com a Rússia e, com isso, a possibilidade muito real de uma guerra nuclear.

Joe Biden – que nem sempre parece estar muito certo de onde ele está, ou do que ele deve dizer – está sendo sustentado no concurso de eu-sou-um-homem-maior-que-você com Vladimir Putin por um círculo de belicistas raivosos que orquestraram mais de 20 anos de fiascos militares. Eles estão salivando com a perspectiva de enfrentar a Rússia e, depois, se ainda houver alguma habitação no globo, a China. Encurralados na mentalidade polarizante da Guerra Fria – na qual qualquer esforço para de-escalar conflitos através da diplomacia é considerado como um apaziguamento, um momento pérfido – eles empurram presunçosamente a espécie humana cada vez mais perto da obliteração. Infelizmente, para nós, um destes verdadeiros crentes é o Secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken.

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“Putin está dizendo que ele não está blefando. Bem, ele não pode se dar ao luxo de blefar, e deve ficar claro que as pessoas que apoiam a Ucrânia e a União Europeia e os Estados Membros, e os EUA e a OTAN, tampouco estão blefando”, advertiu o chefe da política externa da União Europeia, Josep Borrell. “Qualquer ataque nuclear contra a Ucrânia criará uma resposta, não uma resposta nuclear, mas uma resposta tão poderosa do lado militar, que o exército russo será aniquilado”.Aniquilado. Estas pessoas são insanas?

Você sabe que estamos em apuros quando Donald Trump é a voz da razão.

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“Nós devemos exigir a imediata negociação de um fim pacífico para a guerra na Ucrânia, senão acabaremos na Terceira Guerra Mundial”, disse o ex-presidente. “E não restará coisa alguma do nosso planeta – tudo porque pessoas estúpidas não tinham noção alguma... Eles não entendem com o que estamos lidando, o poder nuclear”. 

Como correspondente estrangeiro, eu lidei com muitos destes ideólogos – David Petraeus, Elliot Abrams, Robert Kagan, Victoria Nuland – para o The New York Times. Uma vez que você vê os peitos deles cheios de medalhas, ou títulos extravagantes, você encontra homens e mulheres rasos, carreiristas covardes que servem obsequiosamente a indústria da guerra que garante as suas promoções, paga os orçamentos dos seus ‘think tanks’ e os banha com dinheiro como membros dos conselhos dos empreiteiros militares. Eles são os cafetões da guerra. Se você reportar sobre eles, como eu fiz, você não dormirá bem à noite. Eles são vaidosos o suficiente para explodir o mundo muito antes de estarmos extintos devido à crise climática – a qual eles também aceleraram obedientemente.

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Se, como diz Joe Biden, Putin “não está fazendo piadas” sobre o uso de armas nucleares e nós corremos o risco de um "Armagedom" nuclear, por que Biden não está ao telefone com Putin? Por que ele não segue o exemplo de John F. Kennedy – que se comunicou repetidamente com Nikita Khrushchev para negociar um fim para a crise dos mísseis cubanos? Diferentemente de Biden, Kennedy serviu nas forças militares e conheceu a obtusidade dos generais. Ele teve o bom senso de ignorar Curtis LeMay, o chefe do estado-maior da Força Aérea dos EUA e chefe do Comando Aéreo Estratégico dos EUA, bem como o modelo para o personagem do General Jack D. Ripper no filme “Dr. Strangelove” – que incitou Kennedy a bombardear as bases cubanas de mísseis, um ato que provavelmente teria iniciado uma guerra nuclear. Biden não é feito do mesmo material.

Por que Washington está enviando US$ 50 bilhões em armamentos e assistência para sustentar o conflito na Ucrânia e está prometendo muitos bilhões a mais “pelo tempo que for preciso”? Por que Washington e Whitehall (em Londres) dissuadiram Vladimir Zelensky, um ex-comediante de shows de “stand-up” que foi transformado magicamente por estes amantes da guerra no novo Winston Churchill, de engajar-se em negociações com Moscou, que foram arranjadas pela Turquia? Por que eles acreditam que a humilhação militar de Putin – a quem eles também estão determinados a remover do poder – não o conduzirá ao impensável num ato final de desespero?

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Moscou implicou fortemente que usaria armas nucleares em resposta a uma “ameaça” à sua “integridade territorial”, e os cafetões da guerra silenciaram qualquer um que expressasse uma preocupação de que todos nós possamos ser evaporados em nuvens de cogumelo, rotulando de traidores aqueles que enfraquecem a determinação ucraniana e ocidental. Tontos com as baixas sofridas pela Rússia no campo de batalha, eles cutucam o urso russo com uma ferocidade cada vez maior. O Pentágono ajudou a planejar a mais recente contraofensiva da Ucrânia e a CIA fornece inteligência no campo de batalha. Nós estamos escorregando em direção ao combate, como fizemos no Vietnã – de aconselhar, a armar, financiar e apoiar.

Nada disso é ajudado pela sugestão de Zelensky que, para deter o uso de armas nucleares pela Rússia, a OTAN deveria lançar “ataques preventivos”.

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“Esperar primeiro pelos ataques nucleares e depois dizer ‘o que vai acontecer a eles’? Não! Há uma necessidade de revisar a maneira pela qual a pressão está sendo feita. Então, há uma necessidade de revisar este procedimento”, disse ele.

O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse que as declarações – que Zelensky tentou reverter – foram “nada mais que um chamamento para começar uma guerra mundial”.

O Ocidente tem provocado Moscou por décadas. Eu fiz reportagens na Europa Oriental no final da Guerra Fria. Eu observei quando estes militaristas se organizaram para construir aquilo que eles chamaram de um mundo unipolar – um mundo no qual apenas eles mandavam. Primeiro, eles descumpriram as promessas de não expandir a OTAN para além das fronteiras da Alemanha unificada. Depois, eles descumpriram as promessas de “não permitir a alocação permanente de forças de combate substanciais” nos novos países-membros da OTAN na Europa do Leste e na Europa Central. Depois, eles descumpriram as promessas de não posicionar sistemas de mísseis ao longo da fronteira da Rússia. Depois, eles descumpriram as promessas de não interferir nos assuntos internos dos estados fronteiriços, como a Ucrânia, orquestrando o golpe de 2014 que derrubou o governo eleito de Viktor Yanukovich, substituindo-o por um governo anti-russo – alinhado com o fascismo, o qual, por sua vez, levou a uma guerra civil de 8 anos, à medida que as regiões de populações russas no leste buscavam a independência de Kiev. Eles armaram a Ucrânia com armamentos da OTAN e treinaram 100 mil soldados ucranianos após o golpe. Depois disso, eles recrutaram a Finlândia e a Suécia, que eram neutras, para entrarem na OTAN. Agora os EUA estão sendo solicitados a mandar sistemas avançados de mísseis de longo alcance para a Ucrânia – o que a Rússia diz que faria dos EUA “uma parte direta do conflito”. Porém, cegados pela arrogância e carecendo de qualquer compreensão sobre geopolítica, eles nos empurram, como os desgraçados generais no império Austro-Húngaro, na direção da catástrofe.

Nós clamamos pela vitória total. A Rússia anexa quatro províncias ucranianas. Nós ajudamos a Ucrânia a bombardear a Ponte Kerch [entre a Rússia e a Crimeia]. A Rússia faz chuvas de mísseis sobre cidades ucranianas. Nós damos à Ucrânia sistemas sofisticados de defesa aérea. Nós nos regozijamos com as perdas russas. A Rússia introduz a conscrição. Agora a Rússia executa ataques de drones e mísseis balísticos sobre instalações de energia elétrica, esgotos e tratamento de água. Onde termina isso?

Um editorial do The New York Times pergunta: “Será que os EUA, por exemplo, está tentando ajudar a terminar este conflito através de um acordo que permitiria uma Ucrânia soberana e algum tipo de relacionamento entre os EUA e a Rússia? Ou será que agora os EUA estão tentando enfraquecer a Rússia permanentemente? Será que a meta do governo [dos EUA] mudou para desestabilizar Putin, ou removê-lo [do poder]? Será que os EUA têm a intenção de responsabilizar Putin como um criminoso de guerra? Ou será que a meta é de tentar evitar uma guerra mais ampla – e, sendo assim, como se conseguiria isto cantando sobre prover inteligência estadunidense para matar russos e afundar os seus navios?”

Ninguém tem resposta alguma.

O editorial do Times ridiculariza a loucura de tentar recapturar todo o território da Ucrânia, especialmente aqueles territórios habitados por russos étnicos.

“Uma vitória militar decisiva para a Ucrânia sobre a Rússia, na qual a Ucrânia retome todo o território que a Rússia tomou desde 2014, não é uma meta realista”, diz o Times. “Apesar do planejamento e do combate da Rússia terem sido surpreendentemente desleixados, a Rússia continua sendo forte demais e o Sr. Putin investiu demais o seu prestígio pessoal na invasão para recuar”. 

Porém, o senso comum – juntamente com objetivos militares realistas e uma paz equitativa – é sobrepujado pela intoxicação da guerra.

Em 17 de outubro, os países da OTAN começaram um exercício [militar] de duas semanas na Europa – chamado de Steadfast Noon [Meio-dia Inabalável] – no qual 60 aeronaves, incluindo caças a jato e bombardeiros de longo curso da base aérea Minot da Dakota do Norte [nos EUA] estão simulando o despejo de bombas termonucleares sobre alvos europeus. Este exercício ocorre anualmente. Mas, no entanto, o ‘timing’ é sinistro. Os EUA têm cerca de 150 ogivas nucleares “táticas” estacionadas na Bélgica, na Alemanha, na Itália, na Holanda e na Turquia.

A Ucrânia será uma longa e custosa guerra de atrito, uma guerra que deixará muito da Ucrânia em ruínas e centenas de milhares de famílias convulsionadas por tristezas para toda uma vida. Se a OTAN prevalecer e Putin sentir que o seu domínio do poder está em perigo, o que o impedirá de atacar em desespero? A Rússia tem o maior arsenal de armas nucleares táticas do mundo, armas que podem matar dezenas de milhares de pessoas se forem usadas numa cidade. Ela também possui cerca de 6.000 ogivas nucleares. Putin não quer acabar – como os seus aliados sérvios Slobodan Milosevic e Ratko Mladic – sendo condenado como criminoso de guerra em Haia. Ele tampouco quer seguir o caminho de Saddam Hussein e Muammar Gaddafi. O que o impedirá de aumentar a aposta se ele se sentir encurralado?

Há algo sombriamente improvisado sobre como os chefes políticos, militares e de inteligência – incluindo o diretor da CIA William Burns, um ex-embaixador dos EUA em Moscou – concordam sobre o perigo de humilhar e derrotar Putin, e sobre o espectro da guerra nuclear.

“Dado o potencial de desespero do Presidente Putin e da liderança russa, dado os retrocessos que eles enfrentaram até agora, do ponto de vista militar, nenhum de nós pode considerar levianamente a ameaça colocada por um potencial recurso às armas táticas nucleares, ou armas nucleares de baixo rendimento”, disse Burns e observações feitas no Georgia Tech em Atlanta.

O ex-diretor da CIA Leon Panetta, que também serviu como secretário da defesa dos EUA no governo de Barack Obama, escreveu neste mês que as agências de inteligência dos EUA acreditam que as probabilidades da guerra na Ucrânia ser escalada a uma guerra nuclear são tão altas quanto uma em quatro (25%).

O diretor de Inteligência Nacional dos EUA (NSA), Avril Haines, ecoou esta advertência, declarando em maio ao Comitê dos Serviços Armados do Senado dos EUA que, se Putin acreditasse que existe uma ameaça existencial à Rússia, ele poderia recorrer às armas nucleares.

“Nós pensamos que a percepção de Putin sobre uma ameaça existencial poderia ser o caso no evento que ele perceba que está perdendo a guerra na Ucrânia e que, na verdade, a OTAN está intervindo, ou prestes a intervir naquele contexto – o que, obviamente, contribuiria para a percepção de que está prestes a perder a guerra na Ucrânia”, disse Haines.

“À medida que esta guerra e as suas consequências enfraqueçam lentamente a força [militar] convencional russa ... é provável que a Rússia se apoiará cada vez mais na sua dissuasão nuclear para sinalizar ao Ocidente e projetar força para as suas audiências internas e externas”, escreveu o tenente-general Scott Berrier na avaliação da Agência de Inteligência de Defesa dos EUA sobre a ameaça, apresentada ao mesmo Comitê dos Serviços Armados do Senado dos EUA.

Dadas estas avaliações, por que Burns, Panetta, Haines e Berrier não defendem urgentemente a diplomacia com a Rússia para de-escalar a ameaça nuclear?

Esta guerra jamais deveria ter ocorrido. Os EUA estavam bem conscientes que estavam provocando a Rússia. Porém, eles estavam bêbados com o seu próprio poder, especialmente à medida que eles emergiram como a única superpotência mundial ao final da Guerra Fria e, além disso, havia bilhões em lucros para serem ganhos com as vendas de armas para os novos membros da OTAN.

Em 2008, quando Burns estava servindo como embaixador dos EUA em Moscou, ele escreveu o seguinte à secretária de Estado dos EUA, Condoleezza Rice: “A entrada da Ucrânia na OTAN é a linha vermelha mais brilhante para a elite russa (não só para Putin). Em mais de dois anos e meio de conversações com atores-chave russos, desde os puxa-sacos nos sombrios recessos do Kremlin até os mais agudos críticos liberais de Putin, eu ainda não encontrei alguém que considere a entrada da Ucrânia na OTAN como qualquer coisa que não um desafio direto aos interesses russos”.

Sessenta e seis membros da ONU, a maioria do sul global, pleitearam pelo uso da diplomacia para terminar a guerra na Ucrânia, como o requerido pela Carta da ONU. Porém, poucos dos atores das grandes potências estão escutando.

Se você pensa que uma guerra nuclear não pode ocorrer, visite Hiroshima e Nagasaki. Estas cidades japonesas não tinham qualquer valor militar. Elas foram destruídas porque a maior parte do resto dos centros urbanos do Japão já haviam sido destruídas por campanhas de bombardeios de saturação dirigidas por LeMay. Os EUA sabiam que o Japão estava aleijado e pronto para se render, mas eles queriam mandar uma mensagem à União Soviética de que, com as suas novas armas atômicas, os EUA iriam dominar o mundo.

Nós vimos no que isso acabou dando.

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