Pato manco?!
Se essa gente não for contida, a truculência vai vicejar dentro da casa legislativa, para onde alguns vão armados
Vagaram na noite, aquartelados, tomaram as dependências do Congresso, onde alguém esqueceu a luz acesa às baratas. Se queriam a anistia, o ato performático criminoso comprova que não fazem jus a tal. Com esparadrapos na boca, fingiam-se calados, pois o adesivo podia ser retirado para lives, bolinhos, bebidas e até para cantar um pagode ali no carpete macio – onde tudo é amaciado para quem tem poder e influência, mas que não seja dessa vez.
Depois de trinta e seis horas, terminou a ocupação da mesa diretora. Era já a noite da quarta-feira. Ao subir os degraus, o presidente do Congresso quase levou uma rasteira do Zé Trovão, um homem corpulento e de chapéu branco, mal-encarado. Quando conseguiu chegar ao patamar da mesa, se espremia e se contorcia entre os amotinados. Se Motta nunca andou de ônibus coletivo, teve uma boa experiência. Quando chegou à sua mesa, um deputado ainda estava com a bunda em sua cadeira. Teve de ser reverente com o deputado Van Hattem, desentendido e renitente. Finalmente, sentou-se, mas o deputado Nikolas se prendeu atrás, no espaldar da poltrona. Aglomerados, ninguém dava espaço. Refém, Motta tentava pacificar a direita estúpida, mas lhe davam chacoalhões no assento giratório e ele, lívido, leve mas não leniente, olhava para trás mitigando o susto, intimidado. Nem conseguia respirar com tantos fungando no seu cangote. Um verdadeiro assédio ao poder da República. Haverá justas punições ou meros eufemismos corporativistas? Se não for tomada nenhuma providência punitiva, o “clima” congressual pode piorar.
O grupo do motim desferia palavras ofensivas contra os deputados antimotim. Os amotinados, em vez de votar a isenção do IR aos assalariados e pobres, querem anistiar o capitão milionário, preso na sua casa luxuosa em Brasília, em condomínio incomodado. Na verdade, a anistia não é para os invasores do 8 de janeiro de 2023 propriamente ditos, mas para esse tal capitão.
Dias atrás, haviam ensaiado um ato: barracas na Praça dos Três Poderes, com lives típicas e com o mesmo esparadrapo na boca. Ao que parece, o que se tenta é um novo golpe nos moldes do anterior. O pior é que não seria outro, mas sucessivos golpes desses engravatados, pois, sem regras, resta a força física e irascível entre eles mesmos. Se essa gente não for contida, a truculência vai vicejar dentro da casa legislativa, para onde alguns vão armados. Dão golpes por baixo, chegam a dar fecho em colegas, a chutar por trás, empurrar, cutucar, xingar nos corredores; insurgem-se contra a urbanidade, ameaçam. Há sessões nas quais a fala paralela e sinais indecorosos dão o tom para intimidar quem fala do alto da tribuna.
Se ficassem com os esparadrapos na boca, seria ótimo – ao menos não teríamos de ouvir tantas besteiras. Subvertem até a língua portuguesa e sua semântica. Distorcem, enrolam nesse pega-tonto.
Se não tomar nenhuma medida à altura desse atentado, chegam a alcunhar Motta de pato manco, como um mero apêndice de Arthur Lira e refém da direita.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

