Pequim ergueu uma muralha contra o delírio digital
A China exige credenciais para influenciadores em temas sensíveis e obriga plataformas a verificar quem fala com milhões
Xi Jinping decidiu fazer o que muitos governos democráticos ainda hesitam em sequer debater: dizer que nem todo mundo está habilitado a ensinar tudo para todos. A nova regra chinesa determina que influenciadores que falem de saúde, finanças, direito ou educação apresentem diplomas, licenças ou certificações, e que as grandes plataformas verifiquem essas credenciais antes de liberar esse tipo de conteúdo.
A China tem hoje cerca de 1,12 bilhão de usuários de internet, segundo dados públicos baseados em levantamentos do CNNIC. Não é apenas um país conectado; é quase um continente digital. Quando alguém sem formação recomenda um medicamento “natural” para milhões, o risco deixa de ser individual e passa a ser estrutural.
Na saúde, as redes sociais tornaram-se terreno fértil para tratamentos “alternativos”, combinações caseiras, comprimidos de procedência duvidosa e suplementos vendidos como milagres. Órgãos de saúde em vários países alertam para o aumento da automedicação estimulada por vídeos de influenciadores sem formação.
Situação semelhante ocorre com dietas extremas, jejuns prolongados e rotinas de exercício sem acompanhamento técnico. Conselhos que, em mãos profissionais, exigiriam exames e conhecimento, chegam às pessoas como dicas rápidas. O resultado é uma sequência de prejuízos físicos e emocionais.
O cenário emocional é ainda mais sensível: milhares expõem angústias profundas nas redes enquanto perfis que se apresentam como “mentores”, “curadores” ou “especialistas” oferecem conselhos que ignoram qualquer base da psicologia ou psiquiatria. Em vez de apoio real, frases prontas; em vez de tratamento, atalhos perigosos.
No campo financeiro, o prejuízo já é mensurável. A Federal Trade Commission dos Estados Unidos registrou perdas significativas ligadas a golpes iniciados em redes sociais, especialmente fraudes de investimento e falsas oportunidades financeiras. A linha que separa influência de estelionato ficou estreita.
O Brasil acompanha a tendência global. Segundo estudo da Influency.me divulgado pela Meio & Mensagem, o país já soma cerca de dois milhões de influenciadores digitais. Outro levantamento aponta mais de 3,8 milhões de criadores e um mercado que movimenta bilhões por ano. Ao mesmo tempo, mais de 150 milhões de brasileiros usam redes sociais regularmente.
É nesse contexto que a iniciativa de Xi Jinping deixa de ser apenas uma decisão doméstica e passa a ser um alerta internacional. Não se trata de importar mecanismos políticos, mas de reconhecer que orientar milhões em temas que envolvem corpo, mente e dinheiro exige preparo real.
O Ocidente segue defendendo a liberdade de dizer qualquer coisa para qualquer audiência. A China, com todos os seus desafios, afirma que em determinadas áreas a falta de conhecimento não deve ocupar espaço de autoridade.
A pergunta que fica é: quantas tragédias ainda aceitaremos em nome do direito de ser mal orientado?
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

