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Urariano Mota

Autor de “Soledad no Recife”, recriação dos últimos dias de Soledad Barrett, mulher do Cabo Anselmo, entregue pelo traidor à ditadura. Escreveu ainda “O filho renegado de Deus”, Prêmio Guavira de Literatura 2014, e “A mais longa duração da juventude”, romance da geração rebelde do Brasil

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Pixinguinha, anjo bom

115 anos de Pixinguinha (Foto: DIVULGAÇÃO)
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O leitor não estranhe o título, que mais parece uma redundância. O anjo lá em cima, voando sobre nós, tem um sentido de religião da infância, quando aprendíamos que existiam o anjo bom e o anjo mau, que vinha a ser o diabo. Então continuo, ou tento continuar. 

No fascículo da Nova história da Música Popular Brasileira” dedicado a Pixinguinha, na apresentação há um texto belo, precioso, do maestro Julio Medaglia. Dele, por força do pouco tempo nestas horas tensas do Brasil, copio apenas um curto trecho: 

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“Poucos, na história da música popular do Brasil, souberam, com tanta inteligência e sensibilidade, tirar proveito de uma situação histórica chave e transformá-la criativamente numa nova realidade artística, como o fez o gênio de Alfredo (Pixinguinha) Vianna”. 

O fascículo pertence à coleção de música popular daquela  Abril Cultural dos bons tempos de qualidade e resistência à ditadura. O quanto os esperávamos, todos os meses! A coleção foi, é indispensável ao conhecimento da melhor música brasileira. O ideal seria reproduzir e comentar as informações da edição dedicadoaa Pixinguinha. Mas esta maldita hora não nos deixa muitas opções. Estamos todos envolvidos no combate às forças do mal, do belzebu, digo,  bolsonaro. Que mente agora na televisão, com o seu rosário de vitima para esconder a maldade e perseguição ao que é vivo na cultura e justiça do Brasil. O fascistão nos dispersa e nos rouba as melhores forças.   

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Então, tento atender ao editor de cultura André Cintra, que nos pediu algumas linhas sobre Pixinguinha. Aqui vão, à minha maneira. 

Quando olho a imagem desse gigante da música popular, quando vejo a sua  cara feia, a sua cara bondosa, sinto um paradoxo de sentimento, como num sonho em que uma pessoa se apresenta aos olhos mas é outra. Pixinguinha, sendo homem, é como se fosse uma vizinha da minha mãe. E por quê? Imagino que vem dele um abrigo de coisas mais íntimas, de feijão com arroz e carne picadinha, que a senhora negra me dava quando perdi minha mãe, na primeira infância. Havia naquela senhora um chamamento à raiz da planta que teimava em florescer na terra, apesar da morte recente. Da sua pessoa vinha um carinho sobrevivente.  

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O que não é tão paradoxal assim. Pixinguinha (e que nome mais próprio!), sendo um feiticeiro no saxofone, na flauta que um dia tocou como ninguém, realiza mais uma das suas: ser um homem imenso e ao mesmo tempo nos levar à infância como se fosse a nossa mãe negra. Mas, à luz da razão, compreendemos que o feitiço primeiro e maior vem antes da sua música. Tão mestre, tão maestro, ele não faz da maestria uma diferença nobre, alta, inacessível aos mortais do Brasil. Não. A sua música, a sua excelência, a sua arte é comunista. É de todos, para todos e por todos. Quem viu uma multidão inteira cantar Carinhoso, como se a cantasse pela primeira vez, sabe o quanto a sua música é um dom coletivo.  Apareça uma pessoa que não goste de Pixinguinha!,  gritaria Ascenso Ferreira. 

O segundo fenômeno, que remete à música da infância, é que Pixinguinha vem do tempo daquela vida primeira, “vida com uma porção de coisas que eu não entendia bem”, de músicos dos quais a gente nem sabia o nome. Sabia o som e a alegria que dava no Recife, quando o apresentador Aldemar Paiva anunciava no rádio o programa “Pernambuco, você é meu”. E tocava 1 x 0,  aquele choro alegre, de festa no peito, que anunciava um dia cheio de promessas, que nem sempre se cumpriam, é verdade, mas bem estavam prometidas e presentes no saxofone do anjo bom  e na flauta de Bendito Lacerda.   

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Pixinguinha bom, Pixinguinha brasileiro como o Recife da nossa infância. Tudo nele é mais que terno, porque virou ternura eterna. Creio que poderia ser feita uma oração desse anjo negro somente com os nomes das suas músicas: 

Ave Rosa, As proezas de Solon, Buquê de flores, Céu do Brasil, Chorei, Cochichando, Fraternidade, Encantadora, Mundo melhor, Naquele tempo, Página de dor, Recordando, Sofres porque queres, Ingênuo, Lamento, Uma festa de Nanã, Vou vivendo, Carinhoso.   

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E no final da oração, em lugar do “Amém”, viria a palavra mais pixinguinha de nossa música, que desde Carinhoso ele prega e desperta no coração da gente: Amem. Assim o anjo bom nos enfeitiça há muito: amem. O mais é luxo, fantasia de passarela que vem e passa.

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