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Carlos Guedes

Servidor do Incra e foi presidente do órgão de 2012 a 2015

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Política agrária e Incra: questão de (des)ordem ou de (des)igualdade?

A novidade do próximo período talvez esteja no desafio de compreender como a questão da propriedade da terra se relacionar mais intensamente com o capital financeiro, e de que forma essa conexão provoca mais concentração e riqueza para poucos

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Das repercussões sobre a nomeação do general João Carlos de Jesus Corrêa para a presidência do Incra acompanhei particularmente os elogios a respeito da decisão presidencial. Os argumentos enfatizam a "necessária colocação de ordem" na questão agrária e na gestão da autarquia. O motivo, dizem, se deve ao fato do Incra ter se tornado um órgão que, ao fim e ao cabo, se notabilizou por recepcionar demandas democráticas sobre a desconcentração da terra e reparações históricas como a regularização dos territórios quilombolas, previstas na Constituição Brasileira. Um problema na visão de alguns. Fala-se em "pente-fino" na autarquia e uso da autoridade militar para resolver os conflitos fundiários no Brasil.

Vale lembrar que os movimentos sociais rurais de luta pela terra (re)nascem exatamente durante a ditadura militar. Ou seja, não é novidade sentarem à mesa com militares sobre conflitos agrários e possíveis soluções. A novidade do próximo período talvez esteja no desafio de compreender como a questão da propriedade da terra se relacionar mais intensamente com o capital financeiro, e de que forma essa conexão provoca mais concentração e riqueza para poucos. Para o órgão fundiário, o desafio está em reconhecer a questão e enfrentá-la, ou assistir passivamente. Esse é um problema real que se acumula a outras medidas do atual governo, como o enxugamento fiscal da política agrícola, as perdas de mercados externos por postura ideológica, e retirada de mecanismos de proteção para produção interna. O MST é mesmo o problema? E as dívidas dos agricultores nos bancos, e a enxurrada de leite importado que liquidará a produção nacional?

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Por meio da Lei de Acesso à Informação é possível conhecer não apenas o que está acontecendo no rural brasileiro, mas também quem está se apropriando dos ganhos no campo. Dados do cadastro do Incra e da certificação de imóveis rurais sobrepostos ao Cadastro Ambiental Rural e dados do IBGE nos mostram a expansão das commodities agrícolas sempre demandando mais terras. Nessas mesmas regiões, entretanto, vivem comunidades que cultivam comida e praticam agricultura ou pecuária de economia familiar. A partir da retirada negociada ou de forma violenta das ocupações tradicionais, inicia-se um processo em que os ganhos produtivos se combinam com os ganhos especulativos; há um salto exponencial em lucratividade, etapas são abreviadas em função do baixo preço da terra com vegetação nativa a ser suprimida e mão-de-obra disponível e barata. O progresso técnico consolida o ciclo. O desmatamento aumenta o PIB. O território é transformado.

A partir do momento em que foi atingido o teto de ganhos nos territórios conquistados, novas áreas são necessárias. Em vez de recuperar terras degradadas em latifúndios, buscam Unidades de Conservação e Terras Indígenas, porque expandir sobre essas áreas é mais barato do que recuperar solos exauridos. O número de empresas donas de terras no Brasil cresce a cada ano, cada vez mais associadas a fundos de investimento internacionais. Tais empresas acessam os limitados recursos do crédito rural e novos mecanismos de financiamento porque oferecem menor "risco" aos bancos. E assim, o círculo vicioso da exclusão impede que pequenos e médios consigam competir. Está aberta a fábrica de sem-terra, pois não resta outra alternativa a não ser abandonar a atividade e vender o patrimônio, já que, fruto da especulação, a propriedade adquire um preço muito superior ao retorno que os cultivos alimentares conseguem obter. Quando interesses externos definem a continuidade ou não de famílias produtoras no Brasil, estamos falando, sim, de perda de soberania territorial e alimentar. Estamos falando de terras que param de produzir arroz e feijão para atender aos interesses de fora do país.

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Soberania continua sendo palavra de ordem nos concorrentes internacionais do Brasil no mundo do "agro". Aqui, sempre tivemos setores da sociedade atentos a esse tema, nos quais se incluíam os militares. É do período militar a criação da Lei 5.709/71, que trata da limitação da aquisição de terras por estrangeiros. Assim voltamos à questão de ordem para a nova gestão do Incra: ceder aos interesses internacionais a partir de seus prepostos fora e dentro do governo, ou impor limites à expansão especulativa a fim de não ampliar desigualdades no campo e, consequentemente, não aumentar o número de sem-terra para se preocupar.

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