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Juca Simonard

Jornalista, tradutor e professor de francês. Trabalhou como redator e editor do Diário Causa Operária entre 2018 e 2019. Auxiliar na edição de revistas, panfletos e jornais impressos do PCO, e também do jornal A Luta Contra o Golpe (tabloide unificado dos comitês pela liberdade de Lula e pelo Fora Bolsonaro).

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Política 'apaga fogo' de Biden não resolve crise neoliberal nos EUA

A população continuará sem sistema de saúde pública, sem aumento do miserável salário mínimo ou outros benefícios que são reivindicados pelo povo e são a causa da gigantesca crise política norte-americana

Joe Biden (Foto: Brian Snyder / Reuters)
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por Juca Simonard

Parcela da esquerda, brasileira e norte-americana, tem elogiado o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, por uma política de suposta reversão do neoliberalismo no país. Alguns chegam mesmo a apresentar o senhor da guerra como “progressista” e “democrático”, “melhor que Donald Trump”. 

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A capitulação política da esquerda é tanta que os que elogiam Biden nem sequer criticam a retomada - com mais força do que Trump - da política de rapina do imperialismo norte-americano. Bastou assumir o poder que, fazendo jus ao apelido “senhor da guerra”, o presidente dos EUA bombardeou a Somália e a Síria, tentou provocar guerra por procuração contra a Rússia na Ucrânia, aumentou os ataques à China e assim por diante. Isso tudo em apenas 100 dias no governo.

Alguns alegam que, apesar da política externa ser ruim, a política econômica de Biden é boa. Isso, no entanto, não passa de ilusão típica de uma esquerda imatura que vive à reboque do imperialismo.

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Falência do neoliberalismo

É fato que a política neoliberal está em crise profunda, não só nos EUA, como em todo o resto do mundo. Os programas anunciados pelo presidente norte-americano, porém, não são uma reversão dessa política, mas apenas formas de apagar o incêndio causado por ela. Um recuo momentâneo em determinadas questões chaves, como o desemprego e a renda para o povo não passar fome.

Em grande medida, este recuo se dá contra a vontade da burguesia e é imposto pela situação econômica, social e política do país. Os Estados Unidos estão em chamas. 

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Crise econômica e social

Do ponto de vista econômico, os norte-americanos enfrentam uma importante retração do PIB, de 3,5% em 2020. O pior resultado desde 1946, ano seguinte à Segunda Guerra Mundial, que devastou a economia global. O Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br) teve queda de 1,59% em março deste ano. As ações nas Bolsas das empresas do país também recuam, enquanto a inflação está acima de 4%.

Isto é acompanhado por uma intensa crise social e política. Os pedidos de auxílio-desemprego no país somam mais de 470 mil. As grandes cidades industriais norte-americanas estão lotadas de moradores de rua. Filas enormes de pessoas em busca de alimentação e moradia viraram cenas comuns.

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Polarização política

Da mesma forma, a situação política não é boa. Em 2020, o centro político do imperialismo mundial foi agitado por manifestações radicalizadas da população negra contra o extermínio causado pela polícia. Houve enfrentamentos armados, incêndios a estabelecimentos policiais, saques, mostrando que a população não está disposta a aceitar a política repressiva do Estado.

Ademais, houve todo um movimento artificial do setor mais poderoso da burguesia norte-americana para derrotar Trump nas eleições e, assim, controlar o regime. Biden é resultado deste processo. Através da política do “menos pior”, de intensas campanhas custosas (tanto do ponto de vista institucional, quanto do ponto de vista comercial), dos grandes meios de comunicação e, principalmente, de uma profunda traição das direções de esquerda, Biden foi eleito. Um elemento tão impopular que muitas das pessoas que foram coagidas pela propaganda a votar nele já se arrependem.

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Para impô-lo como nome do Partido Democrata, por meio da política antidemocrática dos superdelegados, foi feita uma intensa manobra para impedir que Bernie Sanders fosse o candidato. Por sua vez, Sanders declarou apoio a Biden e traiu todo o movimento de jovens e sindicalistas que o apoiavam como alternativa declarando.

São sintomas da crise do imperialismo norte-americano, que está tendo dificuldade em manter o controle político do regime, cada vez mais polarizado. Setores do Partido Democrata racharam para fundar um novo partido, enquanto a extrema-direita, apesar da derrota eleitoral, continua a crescer.

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Estes sintomas são a causa do recuo da política neoliberal. A situação impôs aos capitalistas, cujos mais poderosos apoiam Biden, um passo para trás na política de ataques aos direitos do povo, para apagar as chamas. Mas, diante disso, vale elogiar os programas de Biden? Uma análise detalhada destes mostra que não.

Programa de Biden para infraestrutura

Como forma de amenizar o impacto da crise econômica, Biden lançou o plano de infraestrutura como parte de seu programa para o desemprego. Afinal, o financiamento de obras é fundamental para ocupar mão de obra e aparece mesmo na política marxista, como o Programa de Transição de Leon Trótski.

O projeto do governo norte-americano prevê uma injeção de US$ 2,25 trilhões durante oito anos para pesquisas, reconstrução de pontes, rodovias, escolas, indústrias, entre outras coisas. O dinheiro será oriundo de uma política de maior taxação das grandes fortunas, que na realidade nem retorna às taxas anteriores aos imensos cortes de Trump, que havia reduzido a taxação.

O programa foi outro fator de crise política. A ala esquerda dos democratas criticou inicialmente o programa por não ser suficiente, enquanto parte dos republicanos alegou que era muito caro e criticaram o aumento dos impostos sobre os mais ricos.

Um dos pontos críticos da economia norte-americana é a profunda degradação da infraestrutura do país, conforme relatório de 2021 publicado pela American Society of Civil Engineers (ASCE), mostrando uma situação crítica em áreas como aviação, represas, rotas navegáveis, saneamento, estradas, escolas, trânsito, apenas para citar alguns exemplos.

Em seu podcast The Punch Out, o jornalista Eugene Puryear denunciou que o plano do governo federal norte-americano não é suficiente. “Quando se olha para o projeto, na verdade, ele não atende à escala das necessidades no que se refere à infraestrutura. Tudo é sobre quanto custa o plano em abstrato, não o que ele deveria ser realmente referente às necessidades”.

Relatório da ASCE defende que, para resolver os problemas de infraestrutura, seriam necessários US$ 2,5 trilhões injetados em 10 anos. À primeira vista, parece ser equivalente ao plano do governo, que poderia até ser considerado melhor. Mas, na realidade, o financiamento proposto pelo presidente dos EUA engloba muito mais áreas do que as mencionadas pela associação de engenheiros.

Assim, na maioria dos casos, os setores abordados pela ASCE ficam subfinanciados pelo programa de Biden. O governo propõe, por exemplo, US$ 111 bilhões de investimentos em sistema de água, enquanto a associação, US$ 434 bilhões; Biden quer colocar US$ 100 bilhões em escolas, contra US$ 380 bilhões propostos pelos engenheiros. Em relação às pontes, dentre as quais, segundo denúncias, várias podem desabar, a ASCE propõe um financiamento de US$ 125 bilhões. Já o governo quer dividir US$ 150 bilhões entre pontes e estradas. E assim segue.

Em 2019, essa política de descaso (que, como visto, não será resolvida pelo subfinanciamento de Biden) levou ao incêndio em um dos maiores patrimônios culturais da humanidade: a Catedral de Notre-Dame, em Paris. No Brasil, exemplos de desastres como estes não faltam - Museu Nacional, Centro de Treinamento do Flamengo, Ciclovia Tim Maia, etc.

Sem dúvidas, este programa do governo vai amenizar a situação caótica dos EUA, mas de forma alguma vai ser suficiente para resolver a massa de desempregados do país e o estado falimentar da infraestrutura.

Política contra o desemprego

Como parte do seu projeto econômico, Biden defendeu o Plano de Resgate Americano, de US$ 1,9 trilhão, cuja a maior parte do dinheiro vai para ajudar pequenas empresas e auxiliar as famílias mais pobres com auxílio emergencial, extensão do seguro-desemprego e subsídio integral até setembro dos planos de saúde empresarial dos trabalhadores demitidos antes de março de 2021.

Mas o projeto social de Biden, no geral, já começa a mostrar sua ineficiência e até suas mazelas. O presidente norte-americano já se declarou abertamente contra o aumento do salário mínimo, que está estagnado desde 2009 em US$ 7,25 / hora. Enquanto isso, entre janeiro e outubro de 2020, os 10% mais ricos aumentaram seu patrimônio em US$ 14 trilhões e, na última década, o 1% mais rico teve acréscimo superior a US$ 20 trilhões.

Em outras palavras, o governo vai continuar favorecendo o enriquecimento dos monopólios, enquanto mantém o salário do trabalhador paralisado num valor que já era baixo nos padrões de 2009, sem a atual inflação preço dos produtos.

Ainda mais, em coletiva de imprensa, Biden deixou bem claro que os trabalhadores precisam aceitar o salário de miséria ou perder seu seguro-desemprego. Ele destacou que qualquer pessoa que não aceitar um emprego perderá o auxílio. Isso apenas vai servir para coagir as pessoas desesperadas a aceitarem qualquer ocupação, mesmo que seja nas piores condições possíveis, favorecendo o rebaixamento do salário médio de determinada categoria.

Digamos, por exemplo, que o salário médio de uma categoria seja US$ 10 / hora. A coação de Biden fará com que os novos empregados desta mesma categoria, geralmente desorganizada sindicalmente, sejam pagos US$ 7,25 / hora - quase 30% a menos do que os outros.

As condições estão tão ruins que determinadas pessoas preferem o seguro-desemprego a determinadas funções, pois se é para ter péssimas condições de sobrevivência, em determinados casos, melhor que seja recebendo menos, mas não tendo de trabalhar. Em outras palavras, o governo está forçando parcela da população a voltar a trabalhar por menos de um salário vital.

Não há condições desta política melhorar substancialmente as condições de vida dos trabalhadores norte-americanos. E, como foi argumentado inicialmente, este não é o plano, pois, desde a campanha eleitoral, Biden se mostrou um ferrenho crítico de políticas sociais. 

Uma das principais exigências da população norte-americana é a construção de um sistema público de saúde nos EUA, uma vez que todo o sistema é privatizado no país. Biden, no entanto, não incluiu esta política no seu plano e, na realidade, já demonstrou ser totalmente contra. Da mesma forma, o democrata se opôs a resolver o problema das dívidas universitárias decorrentes de um sistema de ensino superior totalmente privado.

Política de voo de baixo alcance da esquerda

O Plano Biden só agrada os setores mais atrasados da esquerda, em sua política de voo de baixo alcance e não resolve, em sua essência, a crise social norte-americana. O plano de infraestrutura vai permitir empregar mão de obra num nível inferior ao necessário, mas em contrapartida vai permitir que as grandes empresas norte-americanas ampliem sua renda a partir da renovação da infraestrutura interna.

A população continuará sem sistema de saúde pública, sem aumento do miserável salário mínimo ou outros benefícios que são reivindicados pelo povo e são a causa da gigantesca crise política norte-americana. 

O cenário futuro prevê, então, a continuidade da falência do regime norte-americano e, com a capitulação das direções de esquerda ao governo e a ausência de um setor consciente forte para denunciar Biden, a tendência é que a crise política seja novamente capitalizada pela extrema-direita, como vem ocorrendo nos últimos anos.

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