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José Machado

Economista pela USP e pós-graduado pela Unicamp. Filiado ao PT, foi deputado estadual constituinte em 1986. Foi prefeito de Piracicaba e deputado federal

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Política de desenvolvimento econômico-social sustentável de longo prazo do Brasil: o projeto nacional

O Projeto de Desenvolvimento de Longo Prazo do Brasil, com certeza, será o maior legado do Presidente Lula ao nosso povo

Da esq. para a dir. no círculo: o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (Foto: ABR)
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O Brasil não pode continuar construindo seu destino a esmo, como nau sem rumo, em direção ao futuro incerto e indefinido, subordinadamente ao sabor das conjunturas e da alternância dos governos, tal como é hoje. Não temos um projeto de país definido e compreensível na consciência social e, portanto, não temos uma referência indicativa de um porto seguro para ancorar nossa aspiração coletiva. 

Essa é uma lacuna identificada por muitos atores, contudo, não se tem visto elaborações que a enfrentem, nem mesmo, ao que se sabe, no âmbito do atual governo. O presente texto pretende trazer uma modesta contribuição nesse sentido. 

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É fato que, em larga medida, esse estado de coisas se explica na atualidade pela incidência do neoliberalismo que se instalou no país a partir de meados da década de 1980, sob o patrocínio do capital financeiro. Nossas elites, que no passado se aliaram ao Estado para impulsionar o desenvolvimento do país, hoje estão submetidas subalternamente a essa lógica incidente, vocalizando o mantra do Estado Mínimo e atribuindo ao Deus-Mercado a responsabilidade pela condução dos destinos nacionais. Por outro lado, o campo democrático-popular, avesso ao neoliberalismo, tem ficado limitado por uma visão conjunturalista, abdicando de pensar o país no longo prazo.

Anteriormente à incidência neoliberal, o Brasil experimentou vários momentos de definição e implementação de um projeto nacional de desenvolvimento econômico-social, impulsionados pelos governos desenvolvimentistas de Vargas, JK e João Goulart. O Golpe de 1964, que instalou a Ditadura Militar no país, não interrompeu esse ciclo de desenvolvimento e, paradoxalmente, mesmo às custas da supressão da democracia e da implantação do terror de Estado, intentou subordiná-lo à égide do planejamento estatal de longo prazo, quem sabe na crença de que o regime se eternizaria.  

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Pode-se dizer que esse longo ciclo, crivado de crises políticas e inflexões ideológicas, sobretudo no tocante à democracia e aos direitos sociais básicos, representou a tentativa consciente de um projeto de desenvolvimento econômico-social de nosso país. Ainda que nos marcos do capitalismo tardio e ainda que tenha provocado enormes desigualdades sociais e regionais e devastação ambiental, ele tornou o Brasil um dos países economicamente mais dinâmicos e promissores no mundo. 

O contexto dos debates na Constituinte que elaborou a Carta Magna de 1988 não foi plenamente hegemonizado pelo advento do neoliberalismo que se insinuava, pois, finda a Ditadura Militar, vigorava no país o anseio generalizado por progresso, liberdades democráticas e avanços sociais. Assim, a centralidade do Estado na condução da economia, do progresso social e das políticas públicas em geral não foi desfigurada, ao contrário, foi fortalecida no texto da Carta. 

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Apesar das ambiguidades na sua elaboração e das desfigurações que foi objeto ao longo dos anos até o presente, fruto dos interesses contraditórios na sociedade impulsionados pelo neoliberalismo, a Carta Magna de 1988 segue sendo o cerne do desejo e da luta por um país melhor.

Os governos que se sucederam desde a aprovação da Carta até o presente, e já em meio à plenitude da hegemonia do capital financeiro e da ideologia neoliberal, que propugna pelo Estado Mínimo e a proeminência do Mercado na condução dos destinos do país, representaram visões diferentes sobre como conduzir os destinos dos brasileiros, ora aderindo ora rejeitando esse status quo. Collor e FHC aderiram ao ideário neoliberal e procuraram, em graus e tonalidades diferenciadas, promover reformas no sentido de enfraquecer o papel do Estado como condutor central do desenvolvimento do país.  Já Lula e Dilma, entre 2003 e 2016, mesmo sob as amarras de uma realidade institucional já bastante alterada na lógica do neoliberalismo, procuraram resgatar em alguma magnitude o papel do Estado e impulsionaram a retomada de um projeto nacional que alguns autores denominam de social desenvolvimentismo.

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Os governos Temer e Bolsonaro significaram a retomada do pensamento neoliberal como guia para a condução dos destinos do país, através de seguidas reformas que enfraqueceram a centralidade do Estado. A Emenda Constitucional do Teto de Gastos é emblemática nesse sentido.

Lula volta ao poder em 2023, num patamar de possibilidades de confrontação com o capital financeiro e a ideologia neoliberal muito menor do que nos seus governos anteriores, pois a polarização ideológica no país e a correlação de forças no Congresso Nacional é muitíssimo pior hoje, o que o obrigou, por exemplo, a negociar um arcabouço fiscal que amarra sobremaneira a capacidade governamental de incrementar o investimento público. Consequentemente, a retomada de um projeto desenvolvimentista é, no mínimo, problemática, senão improvável, para muitos, na atual quadra.

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Torna-se imperioso enfrentar essa amarra deflagrando um debate nacional sobre a importância e a necessidade de colocar o projeto de desenvolvimento do país como uma ambição consciente e perene da sociedade brasileira. E, como corolário, torna-se imperioso que esse debate culmine com a institucionalização de tal projeto, mediante sua inserção no aparato legal do Estado, obrigando os governantes a tê-lo como obrigatoriamente vinculante em cada ciclo governamental, seja qual for a orientação ideológica do governo de plantão. O que exigirá mudanças profundas do sistema de planejamento, tornando-o estratégico, e de prestação de contas à sociedade, tornando-a capaz de oferecer a métrica necessária e compreensível do projeto de longo prazo em curso.

O arcabouço institucional para esse desiderato já está sabiamente inscrito na Carta Magna. Seu artigo 21, inciso IX, reza que “compete à União elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenamento do território e de desenvolvimento econômico e social”. E também no parágrafo 1º do artigo 174 está definido que o Estado, mediante lei, “estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento”. Ocorre que esses dispositivos constitucionais, decorridos 36 anos desde a promulgação da Carta Magna, jamais foram regulamentados, permanecendo uma lacuna inadmissível. 

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Insere-se no que aqui trazemos o oportuno e instigante artigo do Professor Fernando Abrúcio (“Brasil precisa atualizar seu projeto nacional”, Valor, 5/04/2024), que propugna pela construção de uma governança federativa com amplitude, pactuação e efetividade, envolvendo os três entes da federação, como condição para o impulsionamento de um projeto nacional. Significa, no seu entender:

- que um modelo centralizador e hierárquico tem poucas chances de ter apoio e ser implementado homogeneamente em todo o território nacional, ao passo que a fragmentação das ações, com cada um correndo para o seu lado ou procurando vetar os demais, evitará que o país construa um projeto para o século XXI. Daí que é necessário privilegiar a construção de arenas de debate e decisão que lidem com a diversidade de posições e definam os caminhos mais consensuais possíveis, estimulando a cooperação dos atores por meio de incentivos e projeção de ganhos aos participantes. 

- o segredo desse modelo governativo é encontrar uma lista de assuntos e formas de processamento que se transformem numa alavanca poderosa de transformações.

- os principais atores formuladores e implementadores de políticas públicas são os três entes federativos. O Congresso Nacional e o STF são muito importantes no sistema político brasileiro, mas suas ideias só vão adiante se a União, os estados e os municípios, sozinhos ou em parceria, conseguirem transformar a decisão legal em ação governamental efetiva. Em outras palavras, as decisões de juízes e parlamentares são essenciais na democracia brasileira, mas lhes faltam os braços e pernas que garantem a efetividade do Estado brasileiro. Daí que articular os centros decisórios principais com a governança federativa é fundamental para produzir um projeto nacional atualizado.

- a coordenação entre a União e os governos estaduais terá de ser muito forte e institucionalizada. Não bastam ações pontuais. É preciso uma agenda de engrenagem intergovernamental de longo prazo.

Não é exagero afirmar que, na ausência de uma política nacional de desenvolvimento econômico-social sustentável de longo prazo, institucionalizada e com caráter vinculante, a alternância de governos quase sempre tem significado descontinuidades quando não retrocessos e prejuízos incalculáveis na construção do futuro do país. Os governos Temer e Bolsonaro, por exemplo, praticamente inverteram o rumo dado pelos governos anteriores de Lula e Dilma, promovendo retrocessos concernentes à centralidade do Estado e exigindo um esforço hercúleo para buscar a retomada da senda perdida. Essa malaise está presente no conjunto da federação, onde os três níveis de governo não se alinham sistemática e duradouramente, configurando um quadro confuso e até mesmo anárquico sobre os destinos da nação, conforme adverte o Professor Fernando Abrúcio no citado artigo. 

Na atual quadra da história brasileira estamos diante de desafios formidáveis. Somos a décima economia do mundo quando se mede pelo tamanho do PIB, mas ainda amargamos a vanguarda no que toca às desigualdades sociais e à violência urbana, que tem ceifado a vida de mulheres e jovens, sobretudo negros. Há mudanças demográficas significativas em curso, com queda dos índices de natalidade, projetando um país com número elevado de pessoas idosas nas próximas décadas, muitas delas sem terem conseguido se aposentar e vivendo na precariedade. As mudanças climáticas já transtornam o país, com os extremos de calor, com as estiagens prolongadas e mais frequentes e as inundações cada vez mais catastróficas, quadro esse que vai se agravar à medida em que fracassam os acordos internacionais para o atingimento de metas de emissões de gases de efeito estufa até 2050.  A condição de país emergente se afigura ilusória se abdicarmos de sonhar e de erigir um projeto coletivo que nos coesione. 

A cogitação explícita por um projeto nacional de desenvolvimento esteve presente nos dois primeiros mandatos do Presidente Lula. Três iniciativas comprovam isso. 

A primeira, sob a responsabilidade do Núcleo de Assuntos Estratégicos - NAE, dirigido pelo saudoso Luiz Gushiken, elaborou e publicou em 2004um documento intitulado “Projeto Brasil em 3 Tempos”, com horizonte de médio prazo (2007, 2015 e 2022) cuja finalidade foi “definir objetivos estratégicos nacionais de longo prazo que possam levar à construção de um pacto entre a sociedade e o Estado brasileiros acerca de valores, caminhos e soluções para a conquista desses objetivos estratégicos; e criar condições para a institucionalização da gestão estratégica dos objetivos nacionais de longo prazo”.

A segunda, nesse mesmo diapasão, foi  a elaboração no âmbito do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o Conselhão, coordenado pela Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República, dos “Enunciados Estratégicos para o Desenvolvimento”, cuja publicação, assinada pelo Ministro Tarso Genro, data de 2006. Foram propostos 24 enunciados, sob a consigna “O Desenvolvimento é necessariamente um processo de concertação nacional”. Um dos enunciados mais emblemáticos, o de “Promover a redução das desigualdades na sociedade brasileira”, estabeleceu a meta de garantir que o Coeficiente de Gini (que mede as desigualdades) fosse reduzida de 0,569, medida no ano de 2004, para 0,400, em 2022, aproximando o Brasil da mediana dos países classificados pelo PNUD. 

A terceira iniciativa coroou o amadurecimento das anteriores, pois, mediante a lei 11754/2008, no segundo mandato do Presidente Lula, foi criada a Secretaria de Assuntos Estratégicos - SAE, com status de Ministério. Sob o comando do saudoso Ministro Samuel Pinheiro, a SAE elaborou e publicou algo semelhante a um projeto nacional, denominado Brasil 2022, com vistas a marcar os 200 Anos da Independência. 

Verifica-se então que houve uma sensível preocupação nos governos anteriores do Presidente Lula não apenas de pensar o país no longo prazo, mas também iniciar um processo de institucionalização que permitisse que essa preocupação se tornasse perene e fecunda. 

No Governo Dilma, essa preocupação não teve o sequenciamento necessário, perdendo força. Nos governos Temer e Bolsonaro nem pensar. 

Surpreendente e lamentavelmente, na retomada da senda progressista, com o terceiro mandato do Presidente Lula, foi revogada a lei 11754/2008, extinguindo-se a SAE, sem uma contrapartida que permitisse restaurar a reflexão estratégica na perspectiva do desenvolvimento de longo prazo. 

É fato que vige uma Subsecretaria de Planejamento de Longo Prazo no organograma do Ministério do Planejamento, contudo, ao que se sabe, totalmente desprestigiada e de desempenho desconhecido. E, convenhamos, Subsecretaria?!

O atual Governo do Presidente Lula, em que pesem as dificuldades que enfrenta, e até mesmo por conta delas, está desafiado a propor ao povo brasileiro a construção coletiva e a institucionalização, por meio da regulamentação do citado parágrafo primeiro do artigo 174 da Constituição, desse projeto de desenvolvimento de longo prazo, o qual será a referência obrigatória e vinculante para as ações dos governos que se sucederem doravante e indutor do pacto nacional, mitigando as descontinuidades e a anarquia em vigor.

A regulamentação de tal dispositivo constitucional implica dar conteúdo e clareza ao projeto nacional, definindo estrategicamente sua visão, seus objetivos, fundamentos e valores, as diretrizes, as metas de ação com a indicação dos seus respectivos prazos e a definição das métricas para prestação de contas à sociedade. Implica obviamente incorporar o conjunto das políticas públicas que já foram instituídas por lei e que possuem indicação de longo prazo. Dentre as diretrizes estratégicas, uma delas se refere à imperiosidade de se definir e implementar a reestruturação do sistema de planejamento governamental estratégico, hoje fragmentado, fragilizado e calcado na visão de curto prazo. Sem essa reestruturação, não se sustenta um projeto nacional.

Todo esse processo de redesenhamento de um projeto nacional e respectivo arcabouço institucional, caso venha a ocorrer, e é imperioso e urgente que ocorra, deve ter caráter amplamente participativo, requerendo sua inserção nos moldes das conferências nacionais, a partir dos municípios, estados e regiões e culminando na esfera nacional. 

O Projeto de Desenvolvimento de Longo Prazo do Brasil, com certeza, será o maior legado do Presidente Lula ao nosso povo.

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