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Ferréz escritor

Autor de Capão Pecado, Manual prático do ódio, entre outros

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Políticas nas favelas. Existe?

Todo o preconceito que os brasileiros têm é somente uma fração. Isso acaba sendo mais forte na periferia, pois na periferia é onde deságua tudo. Mais preconceito, machismo, onde o bicho pega mesmo, onde tem todos os exageros possíveis, onde chega menos de tudo

(Foto: Agência Brasil/Tomaz Silva)
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A pergunta que mais ouço é: por que as pessoas da periferia estão votando em políticos como Bolsonaro? E mais: que defendem os pontos de vista da extrema direita, como machismo e questões de gênero, de uma forma preconceituosa?

A resposta nunca é curta, pois é muito difícil de encontrá-la. Afinal, a periferia não é um pensamento único.

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A periferia não é um bloco, a periferia é um conglomerado de vários estados e várias pessoas que chegam de diversos lugares, que tinham outras culturas, comércios e vidas em outras regiões.

Por tudo isso, muitos acreditam que a periferia é um pensamento único, o que é um erro. Na maioria das vezes, essas pessoas são induzidas pelas mídias.  Conseguimos ver pessoas que assistem às mesmas novelas e aos mesmos jornais e acabam tendo um ponto de vista meio incomum com aquela formação em massa que fica não-crítica. Essas pessoas são críticas, mas de outra forma, sempre colocando a culpa no bandido e nos jovens. Então ocorre que muita gente da quebrada acaba criticando os moleques novos, os moleques inconsequentes e os que ficam causando na comunidade de toda forma.

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Cada comunidade é um pequeno país, e os problemas desses pequenos espaços/países são bem peculiares. 

Isto torna mais fácil colocar a culpa em quem pisa no seu pé do que colocar a culpa em quem está roubando milhões e você não está vendo, então torna-se muito mais fácil culpar a atendente do posto, que não está te atendendo direito ou falando que não tem uma gaze, um Merthiolate para passar no seu machucado ou algum material para costurar ou engessar o pé quebrado do que um medicamento que não tem porque foi roubado por um político. Então você vai ter ódio automático da mulher que é igual a você, pois ela precisava ter essas coisas para te atender. Até ela te explicar que não é um problema dela, você já a tratou mal e já virou aquele ódio recíproco.

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Outra coisa me que perguntam muito: “Por que muita gente ouve funk na periferia”?     

Porque ninguém deu música clássica na periferia.

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Outra pergunta foi: “Por que votaram no Bolsonaro?”

Porque não chegou um modelo de candidatura que as pessoas podem, sim, acreditar. Me mostre um diretório político na favela? Então ficou a candidatura mais fácil, e mais ligada ao povo, que é o discurso de ódio que acaba sendo mais fácil das pessoas aceitarem. Isto mostra que é mais fácil odiar e por a culpa nesta pessoa do que amar uma pessoa e trazer soluções. Este discurso foi crescendo. Toda mídia, grande e a mais acessível às pessoas, como whatsapp, foi jogando a culpa no Partido dos Trabalhadores o tempo todo, então o PT acabou se criando um grande “vilão”. Aí entra a questão se é ou não é, e temos várias questões e não sou eu que vou abordar este assunto, pois não dá tempo.

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Todas as culpas do mundo caíram sobre o PT e se são verdades ou se as culpas do mundo caíram sobre o Lula e nós sabemos que tem muito boicote, que tem muita alteração de processo. Sabemos que também tem as pendências deles de serem omissos, de deixarem o negócio chegar onde chegou. Essa culpa de não fortalecer a própria mídia, de ter passado pelo governo e não ter feito essa construção. 

A população ser acusada o tempo todo por escândalos criados e escândalos reais, por destruições de mandatos e coisas populares como dólar na cueca, isso são coisas populares mesmo. Pra ficar na cabeça do povo, odiar o apartamento, o sítio, mais fácil que odiar o cara comprar uma ilha (como o Sarney). No final, o discurso venceu, vindo de uma pessoa tosca, despreparada. Aí o que acontece? Todo mundo comprou esta narrativa e isto chegou às periferias e às pessoas menos informadas e até hoje está por aí, rondando e fazendo o serviço de desinformar.

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Acabei de chegar de Corumbá-MT e de Santos, litoral de SP. Temos que tomar muito cuidado com o que falamos. Sempre que eu saio do palco as pessoas falam “Poxa Ferréz não faz isso, gostamos muito de você e você falou no nosso presidente desse jeito”. Conseguimos ver que são pessoas boas do povo, que estão lutando e trabalhando duro também. Nessas caminhadas encontrei  garis, dona de casa, uma senhor que serve café. O fato é que eles  compraram esta bandeira também, e aí você soma à mulher que não quer ser roubada no ponto de ônibus e que acredita que o Bolsonaro vai pegar aquele menino de 15 anos que roubou o celular dela no ponto de ônibus. 

Como eles venderam esta narrativa eu não sei, mas é a mesma narrativa de uma senhora de 60 anos que acredita que o neto não vai mais ter contato com a mamadeira de piroca no pré escolar. Então também provaram pra ela que o Bolsonaro vai defendê-la disso. A mesma mulher com 25 anos, com a filha dela na escola tentando se assumir lésbica, pois o Bolsonaro vai defender a filha dela para não ter questões de gênero na escola.

Confuso né? Imagina o whatsapp do grupo de família dessas pessoas. 

Na verdade todo o preconceito que os brasileiros têm é somente uma fração. Isso acaba sendo mais forte na periferia, pois na periferia é onde deságua tudo. Mais preconceito, machismo, onde o bicho pega mesmo, onde tem todos os exageros possíveis, pois é onde tem menos informação, menos cultura também (pelo menos cultura oficial), onde chega menos de tudo. 

Com tudo isso não dá para exigir que as pessoas votem melhor e saibam - de toda forma - escolher. 

Como entrar com conversas como 'tem uma linha de pensamento que eu concordo', 'aquele partido é mais democrático' ou 'aquele é mais liberal'. Em sua maioria não tem isso. Como você não ser contra a política, ser contra todos os políticos, como trabalhar o discurso da esquerda? 

Mano isso não chega à população, e não está acontecendo um debate nas raízes da população, por isso há mais pessoas com pensamentos mais à direita e que nem sabem que são de fato de direita, porque na maioria das vezes só querem a sua segurança e chegar em casa de noite e poder comer direito. Elas querem a mesmas coisas em todo os governos, tanto no PT, PMDB, PSDB. Ou qualquer sigla que resolva imediatamente seus problemas, grandes problemas. 

Essas pessoas continuam querendo as mesmas coisas, só que agora elas estão mais radicais. Assim como tudo acelerou, elas querem agora. Elas se cansaram, estão mais duras, mais exaustas, foram traídas muitas das vezes, não acreditam mais em contos de fadas e nem nas polícias. Elas sabem que tem facções criminosas controlando muitas coisas. Sabem que tem muita corrupção, elas ficaram por muito tempo acreditando que a maioria dos políticos roubam.

Então para convencer amigos meus que eles têm que estudar política, acreditar mais no próximo e lutar por igualdade está cada vez mais difícil. Uma frase que uso muito de um amigo meu, o Criolo: “As pessoas não são más, elas só estão perdidas”. E os caras falam: “não, as pessoas são más, Ferréz, as pessoas matam, estupram, você que está moscando”. E eu falo que as condições que elas vivem é que fazem tudo isso com elas, e os caras falam: “Não. Você que é ingênuo”. Talvez seja.

Está cada vez pior a gente debater em prol do outro. Eu costumo falar que eu não estou defendendo partido, que meu partido é o outro, só estou defendendo a vivência do outro, querendo de certa forma que o outro seja feliz também, que ele tenha o que comer, que tenha igualdade.

Os caras regados a memes e fake newes falam que não deve ter mamata pra ninguém, não, e esses mesmos caras que falam que não tem que ter mamata pra ninguém é um cara pobre, que está desempregado e desesperançado. 

É muito foda quando você vê o cara lutando contra ele mesmo falando que ele não precisa ter 13° salário, mas não se coloca como povo. Inclusive é o nosso grande problema. Nós moramos na favela e falamos mal da favela, falamos mal da COHAB, como se nós não pertencêssemos àquele lugar.

Somos todos de fora. Muitos, como meu pai, vêm da Bahia e minha mãe vem de Minas. Eu não me acho naquele lugar, eu não me sinto naquele lugar, sempre vou mudar, pois o cara tem 60 anos na periferia do Capão e ainda fala que vai mudar, e que vai para um sítio e que não vai morrer aqui. Então ele não acaba reformando a casa, não acreditando no bairro e não acaba fazendo alguma coisa de construção. Assim também ele não constrói a cidade, não melhora a população, não ajuda a votar em alguém melhor, ele não tem senso de pertencimento, porque o colocaram em uma COHAB e não perguntaram onde ele queria estar.

Imagina você ser retirado dos seus vizinhos de 20 anos? Não perguntaram para onde ele queria ir. Fizeram um sorteio, não perguntaram o tamanho da casa que ele queria, não perguntaram que vizinho ele está disposto a ter, se ele queria uma árvore na frente da casa dele, se ele queria saneamento básico. Nunca perguntaram nada para ele, sempre jogaram ele de uma favela pra outra, sabe? Não sabe? Que sorte a sua.

Sempre empurraram um candidato na favela dele, os líderes escolheram, talvez melhorar o campo, as camisetas de time ganhadas, uma força para asfaltar a rua, e pronto. Bora votar.

O líder no final da votação vai ganhar um apartamento, vai sair da favela, vai usufruir. O povo? Daqui a 4 anos nos vemos de novo. Como vampiros saindo do castelo para chupar sangue.

Tem que mudar, tem que ter solução, e está no trabalho de se apaixonar, e passar essa paixão para todos, contaminar a todos com a forma de amor mais funcional que existe. Cuidar do outro.  Esse é o verdadeiro princípio da política? Deveria ser. 

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