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Denise Assis

Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar".

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População canaliza ódio à violência e o transforma em apoio a Claudio Castro

Entre o luto e a manipulação política, Denise Assis escreve sobre a operação que deixou 121 mortos no Rio e alerta para a instrumentalização da violência

Chacina no Rio de Janeiro - 29/10/2025 (Foto: Eusébio Gomes/TV Brasil)

Há dias não consigo escrever. Faltam palavras para preencher tantos acontecimentos.  Sobram emoções desencontradas e a tela em branco. Outro assunto? Quem se interessaria, se o foco está na pilha de 121 corpos estendidos no chão, encharcados de lama e lágrimas?

Jazem assim, a céu aberto, nas fotos da praça da Vila Cruzeiro, na manhã do dia 28 de outubro, quando por ordem do governador Claudio Castro (PL de Bolsonaro), 2.500 policiais entraram na comunidade, ainda no escuro, no Complexo do Alemão (ZN do Rio), para mais uma “operação de contenção” à violência e ao tráfico de drogas. Esse é o discurso. Sempre. 

O saldo? O retorno, no dia seguinte, à normalidade de homens armados de fuzis desfilando pelas vielas e becos. Famílias amedrontadas. 

 As imagens nas redes se sobrepõem. Sangue em todas elas. Até que o olhar escapa para uma cena cinzenta, onde uma carcaça de um carro carbonizado exibe os seguintes dizeres: “organize o seu ódio”. 

Não se conhecem os autores. Há quem diga que foram deixadas ali pelo Comando Vermelho. Sofisticadas demais. Logo a tristeza e a indignação que fermenta tudo isso ao mesmo tempo encontra rumo. Não necessariamente ódio, mas alguma coisa precisa se organizar internamente para fazer sentido e virar texto. 

De cara, uma informação salta aos olhos: “Após a megaoperação, a aprovação de Castro subiu de 43% para 53%. Em agosto, 41% desaprovavam seu governo. A pesquisa foi feita entre os dias 30 e 31 de outubro. (No auge da crise).

Na mesma Quaest, apurada no mesmo período, a pesquisa, encomendada pela Genial Investimentos, por meio de entrevistas domiciliares presenciais e divulgada neste domingo (2) mostra que 60% da população do Rio de Janeiro avalia negativamente a atuação do governo Lula (PT) na segurança pública. Ao todo, foram ouvidas 1,5 mil pessoas com 16 anos ou mais, residentes em diferentes regiões do estado. A margem de erro é de 3 pontos percentuais, com nível de confiança de 95%. 

O que se deduz é que os sentimentos que me levaram a uma “prisão de mente” – emoções fervendo no peito, sem, contudo, virarem palavras -, acometem essa população de maneira devastadora. Os moradores da cidade que levam as bordoadas do crime exigem alívio imediato, escapam desse turbilhão odiando e canalizando o seu ódio sob a forma de um resultado palpável: 121 corpos. A sensação é a de “vingança”. A sensação é a de “alívio”. Pronto, estão mortos. A vida pode seguir. Como crianças de frente para o cadáver da barata que, numa chinelada, a mãe matou, livrando-as do asco e do medo. Engano. 

A “reprovação” apressada ao presidente Lula, no estado, como se a distância do problema – vive em Brasília -, o afastasse da solução, é outra atitude fruto do medo paralisante. “Ele não vive o nosso cotidiano”, parecem dizer, e cegos a leituras muito além do que se passa nas fotos dantescas. Estão mortos e isso basta.

Porém, se parassem um minuto veriam que houve, sim, um apito de cachorro por parte de Flávio Bolsonaro, chamando as bombas de Trump para o Rio de Janeiro. 

Houve uma tentativa efetiva de mudar a pauta não só a do momento - quando foram apalermados pelos frutos colhidos por Lula durante a viagem à Malásia, após o encontro com o presidente americano, abrindo um canal de negociações -, mas também a de 2026.

Houve a intenção oportunista de pautar a violência como ponto único nas eleições presidenciais. Houve, na atitude dos governadores radicais de direita, a saber: Jorginho, de Santa Catarina; Romeu Zema, de Minas; Ibaneis Rocha e sua vice, Celina Leão, do DF; Ronaldo Caiado, de Goiás; Ratinho, do Paraná; e Tarcísio de Freitas, de São Paulo, a evidente manobra para reacender a brasa do radicalismo no país, ao baterem pé contra a PEC da Segurança.

Nessas horas, impossível não lembrar da atitude de Benito Mussolini, após perder fragorosamente sua primeira eleição para os socialistas, na Itália, em 1922. Ele procurou o então primeiro-ministro, Giovanni Giolitti, à frente dos partidos tradicionalistas, pois era um liberal, e propôs que os fascistas marchariam com ele nas próximas eleições, - tal como Zema, Caiado e os que acorreram ao Rio, em meio à tragédia, oferecendo apoio a Castro. Giolitti, porém, relutou, acusando os fascistas do que eles realmente eram: violentos. 

- Somos violentos sempre que necessários, reagiu Mussolini -, mas a nossa violência é cavalheiresca. Digo-lhe, porém, que se quer erradicar a violência, a melhor maneira é permitir que uma força como a nossa exerça a sua força nos ambientes institucionais.

É disso que se trata. Foi isso que os governadores fascistas vieram ao Rio, oferecer. A força da violência se imiscuindo nas instituições, para minar o poder central do executivo e dar ao país uma nova cara. A face do fascismo. Sem ilusões.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.