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Washington Araújo

Mestre em Cinema, psicanalista, jornalista e conferencista, é autor de 19 livros publicados em diversos países. Professor de Comunicação, Sociologia, Geopolítica e Ética, tem mais de duas décadas de experiência na Secretaria-Geral da Mesa do Senado Federal. Especialista em IA, redes sociais e cultura global, atua na reflexão crítica sobre políticas públicas e direitos humanos. Produz o Podcast 1844 no Spotify e edita o site palavrafilmada.com.

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População vem sendo educada sobre democracia, soberania e Estado de Direito

A trama golpista transforma crises em lições, popularizando conceitos jurídicos e fortalecendo a cidadania na defesa do Estado Democrático de Direito no Brasil

População vem sendo educada sobre democracia, soberania e Estado de Direito (Foto: Ricardo Stuckert)

A ação penal que investiga a tentativa de golpe de Estado no Brasil, deflagrada em 2022 e culminada em 8 de janeiro de 2023, transformou-se em uma aula de educação democrática da cidadania. Conceitos jurídicos e de ciência política, antes restritos a tribunais e academias, agora ecoam em conversas nas ruas, redes sociais e programas de TV.

A cobertura midiática da trama golpista tornou o cidadão comum um debatedor de temas como Estado Democrático de Direito, golpe de Estado versus sua tentativa, e institutos como prisão cautelar e anistia, fortalecendo a consciência sobre os pilares da democracia.

O Estado Democrático de Direito, alicerce da Constituição de 1988, é hoje entendido como o sistema que assegura liberdades individuais, separação dos poderes e eleições livres. Reportagens sobre a invasão dos Três Poderes, em 8 de janeiro de 2023, explicam como Judiciário, Legislativo e Executivo devem operar em harmonia. Nas redes, cidadãos discutem como os acampamentos bolsonaristas de novembro de 2022 violaram esse equilíbrio, aprendendo que a democracia exige instituições robustas.

A soberania de um Estado, país ou nação é a autoridade suprema para governar-se, decidir suas leis e exercer poder sem interferência externa, garantindo autonomia política, territorial e jurídica. Como ameaçada pela trama golpista, tem ecoado por todo o país, principalmente após o tarifaço de 50% sobre produtos brasileiros destinados aos Estados Unidos, em decisão de Donald Trump.

A distinção entre golpe de Estado (artigo 359-L do Código Penal) e tentativa de golpe (artigo 14, inciso II, do Código Penal) ganhou clareza. O golpe, que implica ruptura institucional consumada, como a tomada de poder, não ocorreu. Já a tentativa, punida com igual severidade, envolve atos preparatórios, como o plano de 24 de dezembro de 2022 para explodir um caminhão-tanque no Aeroporto JK. Formadores de opinião do mundo jurídico, como Augusto de Arruda Botelho, explicam que intenção e atos concretos, mesmo não consumados, configuram crime grave.

Prisão cautelar e prisão preventiva tornaram-se termos familiares. A prisão cautelar, usada para proteger a investigação, como a de George Washington Sousa em dezembro de 2022, é temporária e visa evitar interferência no processo. A prisão preventiva, aplicada a investigados do 8 de janeiro, é decretada quando há risco de fuga ou reiteração criminosa, como no caso de militares acusados, como o general Braga Netto.

A PGR justificou essas medidas para garantir a ordem pública, educando o público sobre seu caráter de excepcionalidade.

O instituto da anistia, debatido em propostas para os invasores do 8 de janeiro, também entrou no vocabulário popular. Anistia é o perdão legal de crimes, extinguindo punições.

No Brasil, a Lei de Anistia de 1979, durante a transição da ditadura militar (1964-1985), beneficiou opositores e agentes do regime, mas é criticada por não responsabilizar torturadores. Discussões atuais questionam se anistiar manifestantes desarmados minimiza a gravidade da trama golpista, ensinando que anistia exige equilíbrio entre reconciliação e justiça.

Diplomação e posse dos eleitos, alvos da conspiração, são agora melhor compreendidos. A diplomação, realizada pelo TSE em dezembro de 2022 para Lula e Alckmin, oficializa o resultado eleitoral, conferindo legitimidade jurídica. A posse, em 1º de janeiro de 2023, marca o início do mandato. A conspiração buscava impedir ambos, destacando sua importância para a continuidade democrática.

Imunidade parlamentar versus impunidade também é debatida. A imunidade protege deputados e senadores por opiniões e votos, mas não por crimes comuns, como os de parlamentares investigados no STF por apoio ao golpe. O foro privilegiado no STF, que julga políticos, como os 38 acusados, incluindo figuras do governo anterior, esclarece que autoridades não estão acima da lei.

O funcionamento do STF e suas duas turmas – cada uma com cinco ministros, exceto o presidente – é outro tema popularizado. As turmas julgam casos como os da trama golpista, enquanto o plenário decide questões constitucionais. A relatoria de Alexandre de Moraes, alvo do plano de assassinato, reforça o papel do STF na defesa da democracia.

Outros conceitos transbordam para o cotidiano. O TSE, antes apenas “contador de votos”, é reconhecido por validar eleições e combater desinformação, como as fraudes alegadas em 2022.

A ABIN, acusada de operar uma estrutura paralela no governo Bolsonaro, é tema de programas que detalham seus desvios. A PRF, por bloquear estradas em novembro de 2022, ilustra abusos de autoridade.

O Direito Militar esclarece como oficiais, como os generais Augusto Heleno e Walter Braga Netto e o tenente-coronel Mauro Cid, dentre outros tantos, são julgados por quebra de hierarquia.

A delação premiada, como a de Mauro Cid, que revelou detalhes da trama, é debatida em rodas de conversa. O público entende que acordos trocam informações por redução de pena, mas exigem consistência, como nas contradições de Cid.

Prazos processuais e o papel da PGR, sob Paulo Gonet, e da AGU, sob Jorge Messias, que reteve passaportes de investigados, mostram o equilíbrio entre acusação e defesa.

Essa educação democrática da cidadania, amplificada por jornalistas como Leonardo Attuch e Renato Rovai e juristas como Pedro Serrano e Marco Aurélio de Carvalho, é um efeito colateral positivo. Termos como “subversão do Direito Eleitoral” deixaram de ser jargões.

Hoje, cidadãos discutem como a desinformação ameaça a democracia, fortalecendo a vigilância pública. Dedicarei algumas palavras para expor cronologicamente os eventos principais que suscitaram a democratização midiática do "juridiquês" atrelado à trama golpista:

  • 30 de outubro de 2022: Lula é eleito presidente. Alegações infundadas de fraude, incentivadas por Bolsonaro, desencadeiam protestos.
  • Novembro de 2022: Acampamentos bolsonaristas em quartéis pedem intervenção militar, sinalizando escalada golpista.
  • 12 de dezembro de 2022: Manifestantes tentam invadir a Polícia Federal em Brasília após prisão de um indígena por incitação à violência.
  • 24 de dezembro de 2022: George Washington Sousa é preso por planejar explodir um caminhão-tanque no Aeroporto JK; Investigações revelam um plano para assassinar Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes, com participação de militares.
  • 8 de janeiro de 2023: Milhares invadem o Congresso, Planalto e STF, depredando símbolos da democracia; O STF instaura processos contra 38 pessoas, incluindo os generais Heleno e Braga Netto, acusados de integrar núcleos golpistas; No Congresso, PECs reformam o artigo 142 para evitar interpretações golpistas. Propostas de anistia aos invasores geram debates sobre impunidade.
  • Julho de 2025: A PGR pede até 43 anos de prisão para Bolsonaro. A AGU, com medidas como retenção de passaportes, protege a investigação.

A trama golpista forja a sociedade numa bigorna de tensões, moldando-a para decifrar os alicerces da democracia. Um sociólogo observou: processos midiáticos são lâminas que dissecam o autoritarismo, convertendo turbulências em clareza perene. Concordo inteiramente.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.