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Gabriel Humberto Palafox

Professor titular da Universidade Federal de Uberlândia. Especialista em Políticas e Gestão da Educação e Educação Popular

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Populismo negro ou étnico-racial: instrumentalização política e desafios para a luta antirracista

É possível falar de 'populismo negro ou étnico-racial'? Quais são suas principais características?

Populismo negro ou étnico-racial: instrumentalização política e desafios para a luta antirracista (Foto: Reprodução/Freepik )

Pergunta: É possível falar de 'populismo negro ou étnico-racial'? Quais são suas principais características?

Analise da pergunta:

A pergunta sobre a possibilidade de se falar em 'populismo negro ou étnico-racial' abre espaço para uma reflexão crítica sobre as práticas sociopolíticas contemporâneas que envolvem identidades racializadas. 

Nesse sentido, Sim, é possível abordar esse conceito, ainda que seja um tema delicado de analisar, considerando os contextos histórico, político e ético em que este tipo de prática política pode se manifestar, tanto à direita quanto à esquerda dos espectros políticos vigentes na sociedade.

O termo populismo, em sentido amplo, refere-se ao uso de discursos de defesa de grupos oprimidos para construção de base política e simbólica, sem que isso necessariamente se traduza em mudanças estruturais (MOUFFE, 2005). 

Tomando como base o conceito acima citado, o “populismo negro” pode ser caracterizado como uma prática social destinada a  instrumentalizar pautas étnico/raciais por agentes políticos, institucionais ou lideranças que utilizam o discurso de protagonismo negro como ferramenta de visibilidade, poder ou ganho pessoal, sem  entretanto, promover transformações estruturais (HALL, 1997; FANON, 1961; GONZALEZ, 1988).

O 'populismo negro' se manifesta quando discursos de valorização das pessoas e comunidades negras são utilizados de forma estratégica e performática, sem redistribuição de poder, políticas públicas efetivas ou recursos reais para essas populações.

Práticas Características do Populismo Étnico-Racial

Entre as práticas típicas de populismo étnico-racial podemos encontrar eventos festivos,  programas políticos, e até campanhas que usam pautas negras como marketing. Atividades que exaltam a cultura afro-brasileira apenas em datas simbólicas, ou por meio da exposição  de lideranças que centralizam a visibilidade em si mesmas, sem criar na prática, estruturas coletivas que assegurem o protagonismo efetivo das pessoas negras nas lutas e transformações desejadas. 

Nesses casos, o problema central, é que a pauta racial é esvaziada de seu conteúdo político transformador e convertida em capital simbólico para projetos personalistas ou eleitorais (HALL, 1997) que independem da cor da pele das pessoas.

Riscos Políticos e Ideológicos

Os riscos políticos das práticas populistas étnico/raciais — que podem assumir contornos ideológicos — incluem a despolitização das pautas raciais, a cooptação de lideranças e movimentos, a manutenção de estruturas de poder racial e a desmobilização da base social. 

Nesse sentido, é fundamental distinguir entre uma política étnico-racial transformadora — baseada em controle social, redistribuição de poder e fortalecimento comunitário — e um populismo negro instrumental, que se limita a ações simbólicas e centralizadas (FANON, 1961; GONZALEZ, 1988).

Contribuições Teóricas para compreensão do significado e sentido do populismo étnico/racial

Stuart Hall destacou a possibilidade de as identidades negras serem apropriadas e esvaziadas de sentido político em contextos hegemônicos (HALL, 1997). 

Frantz Fanon alertou para os riscos da instrumentalização de pautas de libertação em campanhas direcionadas para benefícios particulares (FANON, 1961). 

Lélia Gonzalez e Abdias do Nascimento ressaltaram a importância de garantir a autonomia e o protagonismo efetivo dos movimentos negros, enfatizando os riscos de cooptação política e mercadológica (GONZALEZ, 1988; NASCIMENTO, 1982).

Considerações gerais

Falar de 'populismo negro' ou 'populismo étnico-racial' é reconhecer a existência de um fenômeno político-ideológico em que lutas étnico-raciais são usadas de forma estratégica e instrumental, sem efetivar um compromisso real com transformações superadoras do racismo estrutural.

Identificar essas práticas, avaliar o seu contexto e denunciar suas reais intenções, é parte fundamental das lutas do movimento negro por justiça racial, superação do racismo,  democracia, e conquista de igualdade de oportunidades econômicas, culturais, politicas e sociais.

Referências

FANON, Frantz. Os condenados da Terra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1961.GONZALEZ, Lélia. Por um feminismo afro-latino-americano. Cadernos de Debate, São Paulo, n. 6, 1988.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 1997

.MOUFFE, Chantal. On the Political. London: Routledge, 2005.NASCIMENTO, Abdias do. O genocídio do negro brasileiro. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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