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Tiago Basílio Donoso

Mestre em Teoria Literária pela Unicamp e autor do livro no prelo “Terras Nacionais e Terras Estrangeiras”, pela editora Kotter

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Por que a guerra híbrida funciona?

(Foto: Reuters)
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Um dia chegaríamos a esse ponto. Era previsível e houve quem nos alertasse. O fato é que a propaganda se tornou a própria vida, adquiriu status de hipnose.

Assisti a um vídeo sobre o k-pop nortecoreano. A estética é amadora, tem algo de trenzinho do interior misturado a telecurso segundo grau. Tentam ensinar os alunos à dedicação escolar e as roupas, a dança, a música estão ali obviamente como pretexto.

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Alguém poderia criticar os nortecoreanos por fazer propaganda tão explícita. Não vejo por esse lado. Creio que sua propaganda é assim óbvia por não precisar ser mais refinada. Sua ingenuidade é, na verdade, comovente. E creio que se assistissem aos filmes da Marvel também eles diriam o mesmo sobre nós.

Mas se insiste em dizer que os tais estados totalitários seriam máquinas de propaganda e que as pessoas comuns ali seriam incapazes de pensar. Pois que quem diz isso veja com seus próprios olhos qual é a propaganda desses países. É, para dizer o mínimo, rudimentar. O privilégio de uma verdadeira máquina de propaganda não é dos estados fechados, com controle absoluto da mídia - é o nosso.

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Basta andar na rua, esperar um ônibus, entrar em um estabelecimento comercial. Nós estamos hipnotizados. Falamos de guerra híbrida - mas, como ela é sequer capaz de funcionar? A propaganda, de guerra ou comercial, funciona porque estamos em perpétuo estado de hipnose.

Olhe alguém mexendo no celular. Veja as expressões faciais, os sorrisos que quase se formam e cessam, mas ficam ainda marcados no rosto como se alguém imaterial, um Michelângelo binário, estivesse esculpindo nossas expressões - Pietá com um iphone.

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Alguém hipnotizado é alguém suscetível a obedecer comandos. Quem dera estivéssemos na Coreia - o privilégio do mundo livre é a propaganda absoluta, é a troca do sol por um logo. O whatsappdeixa nos corpos um rastro de riso e aceleração; sem que ninguém mande, ordene ou torne compulsório, o senhor de idade com um canal no youtube começa seu vídeo com um slogan: “Só pega peixe quem pesca!”

Autocontrole. Acreditávamos no autocontrole para frear e modelar paixões, pulsões, desejos que não poderiam vir à luz sem que a convivência em sociedade estivesse em risco. Pois chegamos ao absurdo de precisar, hoje, de autocontrole para frear paixões exógenas. Que ameaçam não só a sociedade, mas a existência da vida. Não são mais os desejos, as paixões e os instintos aquilo que deve estar sub judice - precisamos de autocontrole para barrar dentro de nós a máquina, a técnica, a paixão em sua forma mecânica.

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Nosso superego não deve mais se dirigir a barrar instintos, mas sim o centro de poder. Nosso aparato psíquico (e por que utilizar tal termo, senão porque estamos rendidos?) não foi feito para barrar essa imensa força técnica, externa, que se camufla como um bicho e entra em nós como se fosse nossos próprios desejos. Nosso autocontrole não se dirige mais dizendo não a um desejo primitivo, mas ao facebook.

Dizemos que há um problema com a superexposição da intimidade na internet. O fato é outro: perdemos o controle do íntimo - em outras palavras, o íntimo não é mais nosso.

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Acreditávamos em um Deus no topo do monte - das Oliveiras, do Olimpo. Ou em uma incoercível força biológica agindo no centro da carne, um estranho hálito de aminoácidos. Terminamos por ceder nossa paixão a um homem em um buraco, a alguém de terno e tênis no sagrado Vale do Silício.

É preciso muito cuidado e será preciso muita luta para se recuperar a vida. O que temos hoje é que andamos a esmo, hipnotizados, no rosto a estampa de um sorriso besta, como se olhássemos com ternura para um parasita.

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