Por que #Elenão?

"Bolsonaro e sua direita fascista, pseudomoralista são o chorume dos dejetos da discriminação social, do desprezo da miséria alheia e da recusa de empatia", afirma o jurista Eugênio Aragão; "Usam sentimento falso de brasilidade nacionalista para criar um estado de espírito de agnação entre idiotas autossuficientes e um sentimento coletivo de potência a desarmar os mecanismos de autocontrole e de autocontenção de instintos mais violentos", afirma; "Que nossa elitezinha hipócrita não caia na mesma esparrela. Está na hora da autocrítica e é melhor fazê-la antes que a tragédia nos engula a todos. Por isso, #Elenão"

Por que #Elenão?
Por que #Elenão? (Foto: Esq.: Fabio Pozzebom - ABR)


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Quando a Alemanha foi derrotada, em 1945, após uma guerra de extermínio bestial que deslanchou contra seus vizinhos, a maioria da população alemã pretendeu não ter nada a ver com isso. Envergonhada, escondeu-se no silêncio por mais de duas décadas. Precisou de os filhos dos partícipes darem o basta à hipocrisia e exigirem esclarecimento sobre o que ocorreu, para as instituições se depurarem do mofo do passado fascista e se renovarem democraticamente. Fazer a passagem da assunção da verdade e da promoção da autocrítica foi um pressuposto civilizatório para a Alemanha se restabelecer altiva e livre no seio das nações.

O Brasil não passou por uma guerra das proporções daquela que arrasou a Europa e cobrou seu tributo com a vida de dezenas de milhões de inocentes. Mas passa por um conflito secular não menos brutal, entre os que se autoproclamam donos do poder e os excluídos de todas conquistas econômicas e sociais resultantes de seu trabalho suado e não reconhecido. Também essa injustiça tem nos apresentado uma alta conta. Somos um país atrasado pela educação de baixíssima qualidade, pelo estado mórbido crônico de sua população sujeita a um sistema de saúde pública em frangalhos, pelo déficit habitacional que impõe substancial parte de brasileiras e brasileiros viverem em barracos sujos, sem saneamento e rodeados de violência criminosa.

O pior de tudo isso que ocorre no Brasil é a incapacidade de nossos autoproclamados donos do poder de exercer um mínimo de autocrítica. São autossuficientes, arrogantes e se creem generosos e bondosos. Veem como virtude o que não passa de obrigação. Restituir a liberdade aos escravos no século XIX, por exemplo: ainda que tenha o Brasil sido o último país do chamado mundo ocidental a abandonar tal vergonhosa prática, a elite brasileira acha que foi muito virtuosa na promulgação da lei áurea. Foi nada. Despejou milhões de afrodescendentes na mais profunda miséria e nunca cogitou de lhe pedir perdão pelos séculos de tratamento cruel e muito menos de indenizar sua diáspora forçada, seu trabalho e seu sofrimento. Até hoje, nossos habitantes da redoma escandinaviforme de bem-estar social olham para afrodescendentes com desdém, naturalizando, banalizando seu estado de despossuimento crônico. Alguns ainda abraçam cínicas explicações espíritas, a qualificarem o destino desgraçado desses pobres como resultado da evolução espiritual... e se acham ainda muito gente boa por isso.

Dá asco o descompromisso com a miséria alheia. Dá vergonha de ser brasileiro e ver uma senhora com sua filha clamando por ajuda na porta do supermercado, pedindo apenas um saco de feijão, e ser vista pela maioria dos transeuntes como estorvo, indiferentes com a injustiça estampada em sua frente. Temos um déficit enorme de empatia, o que chega a ser doentio, psicótico. E, quando damos alguma esmola, o fazemos no mais das vezes para cultivar virtudes inexistentes, para nos assegurarmos de nossa autoimagem de bonomia, proclamada narcisisticamente aos quatro ventos das redes sociais.

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Mas, índios são preguiçosos, quilombolas gordos e incapazes de procriar de tão indolentes, negros são violentos e abusados, homoafetivos são desnaturados e mulheres que lutam por seus direitos não passam de histéricas que não conhecem o seu lugar. – Esse é o senso comum, assumido por muitos e enrustido por outros, sobre o lugar do próximo em nossa sociedade. Somos uns trogloditas muito distantes do estágio civilizatório mínimo da contemporaneidade. O preconceito aqui viceja numa estupidez prepotente não encontrada alhures.

O ódio político disseminado contra a esquerda partidária, em especial contra o Partido dos Trabalhadores e suas lideranças, por intensa campanha de desacreditamento da solidariedade social, se espalhou nesse ambiente como uma epidemia. O alvo da ira ousara, quando no governo, colocar em cheque essa soberba autoimagem de brandura e magnanimidade de brasileiras e brasileiros afortunados. Tirou-os de seu delírio para obrigá-los a ver a realidade e a arregaçar as mangas para transformá-la ou ser expulsa de seu berço esplêndido. Treze anos de governo petista sacudiram os fundamentos dessa maya elitista.

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A resposta não tardou de vir na forma de militância política da bronca. Bolsonaro e sua direita fascista, pseudomoralista são o chorume dos dejetos da discriminação social, do desprezo da miséria alheia e da recusa de empatia. Usam sentimento falso de brasilidade nacionalista para criar um estado de espírito de agnação entre idiotas autossuficientes e um sentimento coletivo de potência a desarmar os mecanismos de autocontrole e de autocontenção de instintos mais violentos. Propagam fobias, ilusões e mentiras em redes sociais e pelo discurso da propaganda política. Vivem num mundo artificial de conspirações contra si, estimulando a paranoia coletiva. E tudo isso para deixar o Brasil podre do jeito que gostam.

É nesse momento que se encontra o Brasil, numa encruzilhada entre a retomada do caminho da autocrítica e da superação histórica e a rota da estagnação viciada na sociedade escravocrata que ainda não deixamos de ser. De um lado, Lula, o preso, refém do deterioração institucional, do golpe raivoso contra o progresso social; de outro, Bolsonaro e seu exército de zumbis desmiolados a serviço do atraso, crias involuntárias, filhos ilegítimos desse golpismo de nossa elite, que não respeita voto e nem soberania popular.

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A deterioração institucional que mantém Lula encarcerado corresponde à profunda contaminação de carreiras de estado pelo corporativismo e o sequestro da soberania popular pela burocracia sem voto. “Yes, we can” parece ser o grito de guerra de agentes de estado mobilizados pela mídia oligopolizada e tomados por um populismo fascista. Expressão disso é a ousadia indiferente de juízes, membros do ministério público e funcionários da polícia no seu confronto com a lei. Em nome de um tal “combate à corrupção”, que há muito já se converteu num combate à política, tudo é permitido, até desacatar ordens de instâncias superiores que, na avaliação pessoal desse ou daquele agente, não se acha conforme com os fins do combate. O episódio que levou ao arranca-rabo entre o Sérgio Moro de sempre e o desembargador Favreto oferece um bom exemplo disso.

Depois que destituíram a presidenta da república eleita através de um procedimento parlamentar fraudulento de impedimento não há mais limites para a ousadia. O judiciário em peso aderiu à iniciativa, não só cruzando o braço na tarefa de garantir os estado democrático de direito, mas ativamente admoestando o grupo político em torno da destituída, mormente o PT, para que, com reputação abalada, nunca mais tivesse uma chance de governar. A prisão de Lula foi a cerejinha desse bolo golpista. E tudo que permitisse Lula reaparecer tem sido furiosamente bloqueado, a começar por sua candidatura. Dane-se a legislação eleitoral, danem-se os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil na defesa dos direitos humanos e particularmente do devido processo legal. A palavra de moderação dos órgãos de monitoramento de tratados de direitos humanos não valem nada.

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Na outra ponta, os golpistas, dentro e fora do judiciário, assustam-se e fazem carinha de nojo para o bolsonarismo. Criaram-no ao tentarem destruir a imagem do governo democrático inclusivo liderado pelo PT. Estimularam o ódio e o desrespeito ao resultado de eleições. E agora veem o incêndio que provocaram atingir os telhados de suas casas de conforto e abundância. Burgueses e seus asseclas na burocracia não gostam de se identificar com esses brucutus que expressam sem pejo seus preconceitos misóginos, homofóbicos e racistas. Não que eles não sejam tudo isso, mas o estilo da Casa Grande é mais hipócrita. É assim que sobreviveu por mais de quinhentos anos neste Brasil atrasado. Adoram se exibir de um lado liberal nos costumes, pelo glamour desse falso liberalismo que não adentra a essência de uma sociedade dividida entre os que tudo têm e os que nada merecem. A aparência de liberal, gentil e tolerante é seu principal ardil para enganar trouxas explorados que se orgulham desse país “cristão e livre, graças a Deus”.

Mas os trouxas resolveram exagerar na dose e achar que cultivar abertamente o preconceito faz parte da gramática do Brasil cristão e livre. Que negros, feministas, homoafetivos, índios e esquerdistas vão para o inferno! A liberdade, para esses imbecis, é poder ser politicamente incorreto e rir de quem se choca com sua incorreção. A cretinice solta nas redes sociais parece confirmar as suposições desses beócios. Sentem-se livres para se comportarem feito nazistas.

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Parte da elite teme que sua cara de bom-moço sofra trincas irreparáveis com a ação do exército desses fascistas idiotas. Afinal, sua aceitação nos salões financeiros internacionais sempre foi suportada por um certo flair de gente boa que brasileiros disseminaram mundo afora. Mas é tarde. Nem Henrique Meirelles e nem Geraldo Alckmin, os representantes dessa elite, conseguem alçar voos mais altos nesta eleição. Cederam seu lugar para a cria de seu ódio de classe.

O cenário é muito parecido com o da Alemanha de Weimar no início da década de trinta. A burguesia não gostava dos nazistas baixo-nível em torno de Adolf Hitler e sua SA barulhenta, mas não tinha mais gás para enfrentar a massa de descontentes com sua política de negação de direitos e de socialização da miséria: ou era Hitler, ou era a esquerda política. E, por mais nojo que tinha dos nazistas, acabou embarcando na aventura de lhes entregar o governo, achando que os colocaria nos trilhos da institucionalidade, por bem ou por mal. Ledo engano. Os nazistas os atropelaram e levaram a Alemanha e o mundo para a maior tragédia da modernidade com sua doutrina de ódio e de intolerância.

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A encruzilhada está aí. Ainda é tempo para pensar. Que nossa elitezinha hipócrita não caia na mesma esparrela. Está na hora da autocrítica e é melhor fazê-la antes que a tragédia nos engula a todos. Por isso, #Elenão.

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