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Joaquim de Carvalho

Colunista do 247, foi subeditor de Veja e repórter do Jornal Nacional, entre outros veículos. Ganhou os prêmios Esso (equipe, 1992), Vladimir Herzog e Jornalismo Social (revista Imprensa). E-mail: joaquim@brasil247.com.br

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Por que Flávio Dino endossou inquérito torto que deu a Moro a faca e o queijo

Ministro da Justiça tem sob sua autoridade uma corporação contaminada pela corrupção e abuso, que precisa ser combatida

Flávio Dino e Lula (Foto: RICARDO STUCKERT)
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Chamou a atenção que, um dia depois de Flávio Dino ter endossado a ação sobre o suposto plano do PCC de atacar o ex-juiz Sergio Moro, Lula tenha sido direto na sua interpretação, oposta à do ministro da Justiça. "Foi armação do Moro", disse o presidente.

O que se pode afirmar no momento, sem risco de erro, é que o inquérito seguiu caminhos tortuosos para chegar às mãos de um delegado da Polícia Federal da confiança dos bolsonaristas e de uma juíza aliada de Moro.

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Uma ação que não segue o curso natural é suspeita por princípio. O jurista Afrânio Silva Jardim, uma referências acadêmicas na área de processo penal brasileiro, explicou por que, em entrevista ao Conjur.

Segundo ele, Moro ser senador ou ter sido ministro da Justiça — cargo no qual tomou medidas que desagradaram ao PCC, segundo a juíza Gabriela Hardt — não atrai a competência da Justiça Federal. 

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O caso deveria estar sob a autoridade da justiça estadual de São Paulo, onde está sediado o PCC e onde teria tido início o plano de sequestro e homicídio de Moro.


Afrânio Silva Jardim fala com a autoridade de quem, em 2017, pediu à editora que retirasse o artigo de Moro que o homenageia –Tributo a Afrânio Silva Jardim –, por considerar que o então juiz violava o processo penal com a Lava Jato, sobretudo em relação a Lula.

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Flávio Dino, ex-juiz federal, certamente sabe da incompetência do Paraná para o caso, mas nada disse na entrevista em que elogiou a Polícia Federal por ter protegido (segundo suas palavras) a vida de Moro, um adversário. Dino também é político e, nessa condição, gestor, e é isso que pesou nas suas declarações.

Dino não analisou a investigação como jurista, mas como titular da pasta que tem em seu guarda-chuva a Polícia Federal. Não entrou nas minúcias do inquérito. Se tivesse entrado, desconfiaria da movimentação que levou a investigação para as mãos do delegado Martin Bottaro Purper, o mesmo do caso Adélio, policial da confiança do bolsonarismo.

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Também desconfiaria da movimentação que levou o caso para a juíza Gabriela Hardt, notória aliada de Moro. Ela só entrou na história porque, estranhamente, a juíza natural do feito entrou de férias um dia antes da data em que decidiria sobre buscas e prisões solicitadas por Bottaro Purper.

Diante da dúvida, procurei policiais federais que ostentam na sua biografia a coragem de terem enfrentado a Lava Jato quando até veículos da imprensa progressista elogiavam a operação. Ou pelo menos não a denunciavam com a ênfase necessária. O que está por trás da investigação Moro/PCC?

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"Tem que fazer um pente fino na investigação toda", disse Dalmey Werlang, o agente da PF que, a pedido de dois delegados, instalou a escuta na cela de Alberto Youssef, em 2014, com a certeza de que, sendo ordem de dois delegados, havia mandado judicial para tanto.

Mas não havia. E sua denúncia só não produziu a punição dos policiais porque procuradores e Moro se uniram para desacreditar a denúncia, quando ela veio à tona. Por esse fato, Werlang acabou respondendo a processo administrativo disciplinar, e os autores do pedido foram poupados.

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Pouco depois, o delegado Mário Renato Fanton foi designado para investigar colegas que estariam colaborando com alvos da Lava Jato. Alguns meses depois, ele descobriu que não havia colaboradores com alvos da Lava Jato, mas havia indícios de crime, sim.

E os indícios apontavam para os policiais aliados de Moro na Superintendência do Paraná, que haviam instalado até escutas clandestinas para monitorar conversas de delegados e agentes. Fanton foi alvo de vários processos administrativos, e foi inocentado de todos.

A perseguição a ele foi reconhecida pela Justiça, e a União, em razão disso, condenada a indenizá-lo. O cerco a Fanton foi tão grande que ele acabou adoecendo e internado em estado grave, como relata uma reportagem que fiz para a TV 247. Veja o vídeo ao final deste texto.

Esse modus operandi de sufocar policiais que não seguem a cartilha da truculência – com aparência de legalidade – ainda existe na PF, mesmo sob o governo Lula, e talvez isso explique a ligeireza com que Dino endossou a investigação sobre o PCC e Moro. 

Não que Dino tenha sido intimidado, mas ele externou a posição a partir do relato que recebeu dos policiais que dirigem a Polícia Federal. E estes teriam sido intimidados? Talvez sim, mas não se pode afirmar com certeza. O certo é que deram curso ao movimento estranho, mas que tinha a aparência de legalidade. 

Afinal, a PF investigou o caso a partir de um relato do Ministério Público de São Paulo e, depois, cumpriram mandado judicial. Na Lava Jato, o método era esse. As formalidades eram sempre seguidas. O que está vindo à tona agora é que, como disse o jurista Lenio Streck ao 247, a investigação PCC/Moro tem mais furo que queijo suíço.

O policial que defende o pente-fino na investigação do delegado Bottaro Purper destaca a dificuldade para levar adiante uma ação desse tipo. 

"Sabe o que complica? É que os bolsonaristas/lavajatistas da PF estão emparedando o DG (diretor-geral) para pegar leve, além de ter aliados dentro do Ministério da Justiça (Inteligência) e na ABIN. A queda de braço tem que sair do gabinete da presidência ou Ministério da Justiça. Todo o segundo escalão tem medo de mexer com os delegados e métodos lavajatistas", comenta Dalmey.

Os abusos, que agora são conhecidos pelo nome de lavajatismo, já ocorriam antes da Polícia Federal. Em 2006, um delegado vazou para quatro jornalistas foto com dinheiro apreendido com os chamados "aloprados do PT". Era uma iniciativa destinada apenas a produzir efeito político, já que era véspera da eleição, e a foto foi exibida pelo Jornal Nacional.

Candidato à reeleição na época, Lula sentiria na pele dez anos depois a escalada dos abusos, quando foi alvo de condução coercitiva, e até sua família e advogados foram monitorados, inclusive ilegalmente. Como ele viu, os abusos se amplificam quando essas ações são respaldadas por juízes aliados da PF. Daí Lula não ter hesitado nesse caso Moro/PCC quando detectou o cheiro da manipulação ilegal.

A Polícia Federal foi estruturada nos moldes atuais durante a ditadura pós-64, e talvez conserve alguns vícios da época do arbítrio. Seja como for, a Lava Jato mostrou que a corporação está contaminada pelo abuso e pela corrupção - no sentido de violação do devido processo legal. É preciso combatê-la, e esta talvez seja uma das missões mais difíceis da gestão de Flávio Dino, um político que já deu demonstração de habilidade e coragem.

  

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