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Ricardo Nêggo Tom

Cantor, compositor, produtor e apresentador do programa Um Tom de resistência na TV 247

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Por que não protestar contra o racismo dentro de Igrejas que não permitiam a entrada de negros em seus cultos?

A Igreja deveria, não por imposição, mas de forma espontânea abrir as suas portas para o debate racial e para o combate ao racismo de maneira mais contundente

Protesto aos arredores de uma igreja em Curitiba (PR) (Foto: Reprodução/Instagram)
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A partir do século XVI, a participação da Igreja Católica no processo de escravização dos africanos no Brasil foi determinante. Tanto para implantação, quanto para a manutenção do regime escravocrata. Graças ao chamado “padroado real”, uma união entre o Estado português e a Igreja ficava determinado que a Santa Sé se subordinaria ao Estado português, em troca da exclusividade da ação evangelizadora nas terras “descobertas” por Portugal, com o objetivo de aumentar os eu número de fiéis seguidores. Em contrapartida, a Igreja e a religiosidade católica foram utilizadas para justificar o sistema colonial imposto, legitimando o mercantilismo da escravização africana para a geração de riquezas para os portugueses.

Apesar de a escravização africana ter se tornado um dos pilares na estruturação da sociedade (racismo estrutural) e da economia colonial, uma questão não caía bem nessa história. Como uma instituição criada para promover a fraternidade, a justiça e a paz entre homens em nome de Deus poderia estar associada a um sistema hediondo e cruel de exploração humana? A solução encontrada para justificar tal ligação foi mais hedionda do que a própria política de escravização adotada. Assim, surge a ideia do negro desumano, animalizado e que poderia ser escravizado por que não possuía alma como os brancos. Algo que o Deus que a Igreja Católica apresentava como salvação não poderia estar de acordo. A não ser que estivéssemos falando do deus do inferno. O diabo.

Se analisarmos os posicionamentos da Igreja Católica no Brasil a respeito de sua participação no processo escravagista e na sua omissão diante da negação da humanidade dos africanos, vamos perceber que a mão que ergue a hóstia consagrada como o corpo de Cristo, está suja de sangue. Do sangue do próprio Cristo que a Igreja oferece a seus fiéis na eucaristia. Isto porque Jesus Cristo tinha sangue africano correndo em suas veias. Ou alguém ainda acredita que ele era branco, loiro, de olhos azuis e cabelos jogados ao vento, como costuma ser retratado pelo catolicismo? E quem vos escreve é alguém de formação católica. Mas vamos ao fato que motivou esse texto. A suposta invasão a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos de São Benedito, por parte do vereador Renato Ferreira (PT) e do Coletivo Núcleo Periférico de Curitiba.

A extrema direita está tentando criminalizar uma manifestação pacífica, que fazia parte dos protestos que vinham sendo realizados em várias partes do país, por ocasião dos assassinatos de Moïse Kabagambe e Durval Teófilo Filho. Dois homens pretos mortos pelo racismo estrutural brasileiro, que mata 23 negros por dia no país. Bolsonaristas e direitistas radicais estão pedindo a cassação de Renato Ferreira, sob a acusação de quebra de decoro. Até Sérgio Moro, aquele juiz ladrão, classificou a manifestação como “absurda e revoltante”, num delírio hipócrita de quem costuma condenar as pessoas sem provas e baseado em suas convicções pessoais. Outros apelaram para a violação de um espaço sagrado e para o desrespeito à fé cristã. Argumentos que não se sustentam, quando são apresentados por defensores de Jair Bolsonaro, mas que se justificam com base no racismo estrutural da nossa sociedade.

Mesmo sendo a casa de Deus, ou seja, de todos os seres humanos que foram criados por ele, não era permitido aos negros compartilhar o mesmo espaço religioso com os brancos. Talvez pelo fato de que eles não eram humanos, como a Igreja e os colonizadores europeus assim julgaram. Contrariando os exemplos de Jesus Cristo – o inspirador da Igreja – que pregava a igualdade, a justiça e a paz; a Igreja se colocava ao lado da desigualdade, da injustiça e da violência, ajudando a promover o terror sobre pessoas indefesas que eram caçadas e aprisionadas como animais e traficadas para o outro lado do oceano, para serem submetidas ao trabalho escravo, ao cativeiro, a castigos cruéis e desumanos e para a morte. É também criação da Igreja, através do Padre Jesuíta Antônio Vieira, a ideia de que a escravidão para os africanos lhes servia como expiação dos pecados, pois os açoites e as dores impostos sobre eles, imitavam o sofrimento de Jesus Cristo para salvar a humanidade, o que, segundo o Padre, lhes garantiriam a salvação eterna e um lugar no paraíso.

Não houve invasão à Igreja em Curitiba, porque a mesma se encontrava aberta ao público. Ainda que houvesse sido invadida, levando-se em consideração o motivo dos protestos, o ato deveria ser perdoado como uma forma de reparação histórica, por todos os danos que a Igreja permitiu ou ajudou a provocar na vida dos negros e negras que foram trazidos para esse país. E não seria crime protestar contra o racismo, dentro de uma instituição religiosa que não permitia a entrada de negros em seus templos. Outra coisa que precisa ficar clara, é o fato de que a Igreja não é Deus, e, como podemos ao longo da história, nem sempre o representou de fato. Ou Deus teria inspirado a queima de corpos vivos na fogueira da santa inquisição? Portanto, é precis o entender a crítica que aqui se faz, e deixar de agir com a infantilidade de um religioso fundamentalista, que associa Deus aos erros de instituições e de homens que se dizem ungidos por ele.

O Deus criador está e sempre esteve em outro patamar. Bem distante de religiosos escravocratas e sanguinários que construíram riquezas sob a exploração humana e bebendo o sangue de homens e mulheres por ele também criados. A Igreja deveria, não por imposição, mas de forma espontânea abrir as suas portas para o debate racial e para o combate ao racismo de maneira mais contundente. Quantos padres e pastores se manifestaram sobre as mortes de Moïse e Durval? Silenciam hoje, como silenciaram durante a escravização africana. Continuam surdos para as reivindicações dos pretos vítimas do racismo que ela ajudou a implementar como estrutura social, como estiveram surdos aos gritos de dor dos negros açoitados durante a escravidão. Segue, através do silênci o, da omissão e da timidez nos posicionamentos, relativizando a dor de um povo que, durante muito tempo, ela sequer considerava parte da humanidade.

O inferno deve mesmo estar cheio.

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