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Rogério Maestri

Engenheiro e professor na UFRGS

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Por que o desconforto com um ministro evangélico num país em que a religião sempre foi heterodoxa?

"O desconforto de ter um ministro do supremo terrivelmente evangélico não é causado pela religião do ministro"

(Foto: REUTERS/Adriano Machado)
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Há um grande cinismo no discurso da intelectualidade brasileira sobre a importância dos evangélicos na política, pois num país que nunca foi laico um outro tipo de religiosidade se impõe perante a quinhentos anos de história de um Estado que sempre foi dominado por uma igreja de aspecto mais elegante e menos “vulgar”. 

O desconforto de ter um ministro do supremo terrivelmente evangélico não é causado pela religião do ministro, pois na realidade ninguém sabe no fim qual é a verdadeira religião de qualquer pessoa no Brasil, ninguém até hoje conseguiu uma fórmula de descobrir o que as pessoas realmente acreditam em termos de religião. Os valerosos inquisidores da Santa Sé, demoravam anos na ausência de símbolos religiosos aparentes para descobrir, se um novo cristão era cristão ou se continuava a seguir a religião de Moisés, eram anos de pacienciosas torturas, interrogatórios e outros meios. A igreja tinha alguns manuais que procuravam dar luz aos inquisidores, mas eram parciais e muitas vezes eram questionados por outros escritores de manuais. Em resumo, durante séculos as igrejas sempre tiveram dificuldades de saber a verdadeira religiosidade de qualquer pessoa. 

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Até a chegada da família Real ao Brasil, na teoria só podiam existir templos religiosos da igreja católica, os africanos, tanto os de religiões animistas como os muçulmanos praticavam de forma discreta e/ou dissimulada parcialmente, através do sincretismo religioso e outros ardis, escondiam e preservavam parcialmente suas religiões. Essa dissimulação deu resultados principalmente entre os negros livres e escravos, pois sendo a religião católica altamente hierarquizada e a cúpula religiosa que em tese teriam uma melhor formação religiosa, passavam ao longe desses grupos sociais. Os chamados padres seculares, que tinham maior contato com a base tinham uma formação religiosa limitada os bispos que ordenavam os padres seculares, a partir de provas baseadas principalmente no Catecismo de Montpellier e no Manual de Teologia de Lion eram mais ou menos indulgentes conforme a necessidade de padres nas dioceses. O mais interessante que esses dois livros eram obras baseadas no Jansenismo, que já havia sido declarado herético em 1653. Conforme podemos ver a formação principalmente dos padres seculares era extremamente frágil, e dessa forma práticas nada convencionais, por ignorância ou acomodamento as práticas dos “nada fiéis” eram toleradas. 

Até 1808 a única religião aceita e considerada religião oficial era o catolicismo romano, mas como a frota que acompanhava a família real tinha navios ingleses ao se abrir os portos as “nações amigas” (Inglaterra) também foi permitido a implantação dos primeiros templos protestantes (anglicanos), ou seja, a igreja católica através de sua influência fazia a sua própria perseguição das outras religiões. 

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Com o advento da república, o Estado tornou-se laico, mas sempre com tendência de escutar somente a hierarquia católica que por sua vez era totalmente reacionária e vinculada ao poder oligárquico brasileiro. Vejo alguns católicos enxere-se de orgulho pela curta influência da Teologia da Libertação e esquecerem, por exemplo, que o assassinato do arcebispo dom Óscar Romero contou com a cumplicidade velada do próprio Vaticano e do Papa João Paulo II (quem quiser mais informações leia em “Por que o Vaticano chegou a ver dom Romero como um -perigo-” o artigo que pode ser lido em http://www.ihu.unisinos.br/188-noticias/noticias-2018/583719-por-que-o-vaticano-chegou-a-ver-dom-romero-como-um-perigo).  

Os admiradores da Teologia da Libertação esquecem que nos dois milênios de história da Igreja Católica, exceto na época das comunidades primitivas cristãs a opção em 99% do tempo a opção da alta hierarquia foi a Opção pelos Ricos, somente em pequenas janelas de tempo a Igreja voltou-se para os pobres, no momento, em que quase num surto psicótico, leram e acreditaram nas palavras do Novo Testamento. 

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Lembro que o divórcio foi introduzido no Brasil, porque um general da ditadura pertencia a pertencia à Igreja Evangélica Luterana do Brasil, antes disso a Igreja Católica impedia que o congresso votasse o divórcio. Esse é um exemplo claro que o tradicionalismo de costumes imputado a todos os evangélicos no Brasil, não é uma prerrogativa de nenhuma religião, mas sim daquela que está mais próxima do poder na época. 

A partir de tudo o que foi escrito vem a questão básica proposta no título do texto: 

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- Por que o desconforto de se ter um ministro do supremo evangélico? 

A imensa maioria dos leitores mais à esquerda dirão que esse ministro por ser evangélico será contra as pautas progressistas que uma grande parte desses tomam como base, necessária e suficiente, para o progresso social do brasileiro. 

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Porém por trás desse discurso há bem mais do que isso. Ninguém liga que os membros da Renovação Carismática Católica (RCC) aceitem nos seus ritos surtos de Glossolalia Religiosa dos seus fiéis, pois a própria Igreja Católica Apostólica Romana o aceita como um dom divino. 

Logo, o que abala uma parte significativa da pequena burguesia intelectualizada, não é só com a eleição de um ministro evangélico, inculto tanto como outros que estão no Supremo? 

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Por incrível que possa parecer o maior estranhamento é com uma outra estética considerada mais vulgar por parte dos evangélicos. Esse estranhamento, em contraposição entre a religiosidade de Lula e até do “Opus Dei” Alckmin, começa a irritar aqueles que procuram se diferenciar da indevida Glossolalia Religiosa da “primeira-dama” manifestada no júbilo a aceitação do juiz “terrivelmente evangélico”. 

O comportamento religioso demonstrado pela “primeira-dama”, ao meu juízo, é produto uma nova quarta onda de neopentecostais que direi misturado com ritos africano, é um produto do nosso tradicional sincretismo religioso, com a visão religiosa pentecostal norte-americana de terceira onda e com uma estética das religiões afro-brasileiras. Considero esse amálgama de religiões um produto da Créoliation” definida e teorizada pelo escritor e filósofo martiniquês Édouard Glissant. 

O filósofo das Antilhas define criolização como: “a mestiçagem que produz o imprevisível, não somente a mestiçagem, que é uma etapa necessariamente decisiva, mas que não determinante, porque é possível conceber uma mestiçagem mecânica que produz resultados previsíveis, a criolização de culturas no mundo hoje dentro de suas particularidades, diversidades e diferenças, que se colocam em contato que produzem o imprevisível”. 

Aproveitando parcialmente a definição estática e mais pré-definida do sociólogo Robin Cohen, porém numa visão mais dinâmica e contínua do processo, se pode dizer que a crioulização ocorre quando elementos específicos das culturas recebidas ou herdadas pelos diversos elementos de diversas regiões e povos são ressignificadas das culturas originais, se mesclando e criando formas que as substituem. 

Como Édouard Glissant afirma corretamente, a cultura brasileira assim como a cultura caribenha já ocorreu um primeiro e grande processo de criolização e no nosso problema em questão, a religiosidade neopentecostal norte-americana de terceira onda ao entrar em contato com a nossa religiosidade, já sincretizada no passado do catolicismo com as religiões afro, passam por mais uma etapa de criolização, criando ritos que incorporam os já existentes. 

Esse processo de criolização das três vertentes, o católico, o neopentecostal e das religiões de vertente afro, cria uma estética nova de culto que não é a mesma das religiões evangélicas de protestantismo histórico, que se assemelham em parte do catolicismo e por isso não causam tanto estranhamento. Como parte dessa religiosidade tem uma aparência que nos lembra dos estigmatizados ritos afros, já criolizados pelas classes sociais mais desfavorecidas, portanto, dentro da ótica pequeno burguesa são mais primitivos e de gosto duvidoso. Confirma-se, assim, a hipótese que a reação aos “terrivelmente evangélicos” suas posturas são estigmatizadas, mais pela estética do que outra coisa, pois a religiosidade no Brasil sempre foi sincrética e heterodoxa, nunca dogmática. 

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