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Washington Araújo

Mestre em Cinema, psicanalista, jornalista e conferencista, é autor de 19 livros publicados em diversos países. Professor de Comunicação, Sociologia, Geopolítica e Ética, tem mais de duas décadas de experiência na Secretaria-Geral da Mesa do Senado Federal. Especialista em IA, redes sociais e cultura global, atua na reflexão crítica sobre políticas públicas e direitos humanos. Produz o Podcast 1844 no Spotify e edita o site palavrafilmada.com.

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Por que perguntar incomoda tanto se é disso que vive o jornalismo?

Quando dinheiro aparece, celulares apreendidos somem e acareações desafiam a lógica jurídica, o problema já não é a pergunta — é o silêncio imposto

Por que perguntar incomoda tanto se é disso que vive o jornalismo? (Foto: Gerada por IA/DALL-E)

Alguns leitores, muitos alunos, me escreveram ao longo dos últimos meses com perguntas objetivas, diretas, que eu próprio não consegui responder ao longo de 2025. Não eram provocações nem exercícios retóricos, mas dúvidas legítimas diante de fatos públicos mal explicados, investigações interrompidas, decisões concentradas e silêncios oficiais persistentes. Reunir essas interrogações — incômodas, documentais, verificáveis — foi a forma encontrada para transformar perplexidade em método jornalístico. É desse acúmulo de perguntas sem resposta que nasce este artigo.

Qual foi, afinal, a resposta objetiva do deputado Sóstenes Cavalcante à descoberta de R$ 470 mil em dinheiro vivo, acondicionados dentro de um saco de lixo em seu apartamento? De quem era o dinheiro, por que estava ali e por que o caso não avançou para uma investigação patrimonial profunda? Houve quebra de sigilo bancário, fiscal e telefônico do parlamentar?

Por que assessores diretos desse deputado movimentaram milhões de reais em tão pouco tempo, apesar de salários absolutamente incompatíveis com esse volume? Esses fluxos foram comunicados ao Coaf? Houve relatórios de inteligência financeira ignorados? Serão laranjas ou apenas inocentes úteis?

O que continham os telefones celulares do deputado Rodrigo Bacellar, ex-presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro? As mensagens foram integralmente periciadas? Quem teve acesso ao conteúdo e por que o tema simplesmente desapareceu do debate público? O governador Cláudio Castro é citado? Em que contexto? O mesmo vale para o aparelho celular do ex-deputado TH Joias: o que foi encontrado ali, quem analisou os dados e quem decidiu que não havia mais nada a esclarecer?

Por que o ministro Dias Toffoli centralizou em si todas as decisões relacionadas às investigações do caso Master? Qual o fundamento jurídico preciso dessa concentração? E por qual razão promoveu uma acareação envolvendo investigados e um diretor do Banco Central? Existe precedente na jurisprudência brasileira para confrontar fiscalizados com fiscalizador? Não está existindo certo açodamento por parte do ministro?

Existe ou não existe o contrato de R$ 129 milhões, firmado por três anos, entre o Banco Master e o escritório da esposa do ministro Alexandre de Moraes? Onde estão os documentos, as notas fiscais, os serviços prestados e os pareceres de conformidade? Por que essa informação nunca foi apresentada de forma inequívoca à sociedade?

Quem tem medo do que o ex-banqueiro Daniel Vorcaro diria em eventual delação premiada? Quais nomes surgiriam, que relações seriam expostas e quais pactos ruiriam? Quais senadores atuaram formal ou informalmente para impedir ou retardar a liquidação do Banco Master? Houve lobby documentado, reuniões registradas ou pressões institucionais?

Por que denúncias graves contra ministros do Supremo circulam quase exclusivamente em off, sustentadas por fontes anônimas e sem prova material pública? Onde termina a proteção da fonte e começa a irresponsabilidade editorial? Há interesse político em manter ministros permanentemente sob suspeita, ainda que sem evidências conclusivas?

Quando o advogado-geral da União será efetivamente sabatinado pelo Senado? Existe possibilidade real de rejeição? Não se trata de um direito exclusivo do presidente da República essa indicação para o Supremo Tribunal Federal? Ao Senado cabe avaliar o notório saber, a vida profissional no ramo do direito, os títulos acadêmicos, ou será que cabe algo mais?

Por que a Receita Federal jamais realizou uma grande operação para mapear o fluxo financeiro das dez maiores igrejas evangélicas do país? Há veto político à fiscalização?

Quando a Polícia Federal divulgará um balanço completo de suas operações em 2025, incluindo sucessos, arquivamentos, erros e recuos? Quem fiscaliza quem fiscaliza?

Até quando o negacionismo climático e científico seguirá impune, mesmo após a pandemia? Quando as metas da COP30 começarão a sair do papel?

Quando o Itamaraty enfrentará de forma objetiva as denúncias de racismo estrutural em sua hierarquia? Será o corporativismo o maior obstáculo para o esclarecimento de denúncias sérias, robustas?

Por que municípios com menos de 30 mil habitantes, sem saneamento básico, saúde muito precária e escolas pouco estruturadas, continuam contratando shows sertanejos milionários por uma única noite? Quem autoriza esses contratos e de qual orçamento sai o dinheiro? Quem pode provocar a Polícia Federal a investigar esses contratos artísticos nos últimos 10 anos? São contrapartidas de emendas parlamentares desviadas?

Neymar será convocado para a próxima Copa do Mundo? Um histórico prolongado de lesões e de vida noturna deve ser ignorado em nome do marketing esportivo?

Quando começará a exploração de petróleo na Margem Equatorial do Brasil? Qual será o investimento inicial da Petrobras e quais garantias ambientais efetivas existem para evitar desastres irreversíveis?

Quando o Sistema Único de Segurança Pública deixará de ser promessa e será aprovado? Até quando disputas paroquianas impedirão um enfrentamento estruturado ao crime organizado?

Quem autorizou o uso de força policial dentro do plenário da Câmara dos Deputados e o corte simultâneo do sinal da TV Câmara? Houve sindicância? Haverá responsabilização?

Talvez a pergunta final seja a mais incômoda de todas: quem decidiu que certas perguntas não devem mais ser feitas — e com que autoridade?

Quando perguntar passa a exigir silêncio, o problema já não é o jornalismo. É a democracia.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.