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Dom Orvandil

Bispo Primaz da Igreja Católica Anglicana, Editor e apresentador do Site e do Canal Cartas Proféticas

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Por que tantas brigas, desavenças e desunião? Quais as soluções?

Vivemos uma sociedade de tiranos que se tiranizam uns aos outros. De modo que esse ímpeto ditatorial suplanta igrejas, escolas, famílias e valores culturais tradicionais para comandar palavras e atitudes ofensivas, que podem derivar facilmente para crimes contra a vida

Prezado amigo Alexandre Pinheiro, Porto Alegre, RS

Certamente o amigo e irmão gaúcho sofre no rosto e nas emoções as agruras dos xingamentos, dos bate bocas irracionais, das rupturas de amizades por pouca coisa, dos comentários violentos e desqualificadores na internet.

Escrevi ontem aqui sobre as agressões sofridas pela travesti Viviany em São Paulo. Aparentemente causa estranheza o fato de os agressores a atacarem recitando versículos da Bíblia e em nome da pureza dos costumes.

Uma amiga minha, doutora e professora de uma universidade federal, pessoa meiga e doce, foi atacada por um rapaz que lhe jogou no rosto uma lata de cerveja, ferindo-a com muito sangramento, mas, principalmente, magoando uma mulher, mãe e grande educadora.

Sou atacado de modo violento em forma de comentários aqui e nas redes sociais. As coisas que me dizem são impressionantes pelo desnível vazio de respeito. Uns me chamam de velho que já deveria ter morrido, outros me confundem com terroristas a serem eliminados e outros chegaram a afirmar que sou homossexual pervertido por causa do título maldosamente lido de uma postagem escrita por mim. Um ex-aluno, que processo nesse momento, sem nenhuma razoabilidade, com um nível de agressão sem argumento nem diálogo compreensivo, ainda mais numa atitude provinda de um evangélico, me acusou de vagabundo pelo Facebook, ferindo minha honra em rede mundial.

Nas ruas se vê policiais agredindo negros somente pelo fato de serem negros, batendo e prendendo lideranças dos movimentos sociais que lutam pelos direitos humanos, inclusive pelos deles, que são trabalhadores.

Sem falar em atitudes infinitamente mais graves, que destroem a sociedade e o País, como denuncio farta e seguidamente neste blog.

A pergunta que não se cala é: por que tudo isso?

No livro Por Uma Outra Globalização Por Uma Outra Globalização: Do Pensamento Único à Consciência Universal (Grupo Editorial Record) o grande e inesquecível geógrafo Milton Santos dá algumas pistas importantes para entendermos porque as pessoas parecem se soltar umas das outras para se sentirem ilhadas e de suas ilhas organizarem artilharias de ataques às outras, igualmente isoladas em si mesmas.

Pessoalmente não creio em maldade absoluta em evangélicos para tentarem matar um travesti, só não o fazendo porque duas pessoas apareceram e se puseram a gritar, assustando-os, que correram se afastando do flagrante.

De onde vem tanto veneno que fere relações e deforma as pessoas?

Milton Santos diz que a globalização é uma fábula perversa, que semeou carências artificiais nas pessoas possuidoras e carências reais nas despossuídas e nas chamadas classes média.

As possuidoras acumulam riquezas cada vez mais e mesmo assim querem mais. As despossuídas se sentem vazias por se compararem competitivamente com as primeiras, revoltando-se sem compreender que há uma lógica profundamente diabólica, que lhes rouba direitos básicos.

A tirania do dinheiro dá-se na estrondosa competição entre as empresas, que não visam servir o ser humano e a sociedade, mas os lucros.

Para os trabalhadores e os pobres restam desemprego, falta de habitação, de transporte coletivo de qualidade, de segurança com o Estado responsável pela paz nas ruas e nas cidades, a fome de pão e de cultura aumenta em proporções gigantescas, de modo que as pessoas se desprotegem espiritualmente ao ponto de se sentirem descontroladas e bestializadas, sem condições de articulação e de negociações de interesses comuns da maioria. Não sabem nem por onde começar a construção de saídas numa sociedade substituída pelo poderio das empresas e do Estado fraco na realização do pacto social, que incentive as pessoas a se socializar.

Portanto, os chutes – esse comportamento parece ser simbólico, superando cavalos e animais de porte, que jamais matam seus semelhantes a ponta pés – e os comentários desqualificados e irados nem sempre nascem em corações maus, mas são esborrifados do íntimo de almas abandonadas socialmente, movidas por carências humanas profundas.

Os fanáticos fundamentalistas, na verdade, pelo menos muitos deles, não falam e não dão chutes porque aprenderam em suas igrejas, mas porque o epicentro de suas atitudes gira a partir dessa globalização perversa e desumana, como pensa Milton Santos. Inconscientemente as pessoas são tiranizadas pelo capitalismo falido, que privilegia poucos, que se sentem desejos de tirar ainda mais de quem pouco possui e dos que nada possuem.

Vivemos uma sociedade de tiranos que se tiranizam uns aos outros. De modo que esse ímpeto ditatorial suplanta igrejas, escolas, famílias e valores culturais tradicionais para comandar palavras e atitudes ofensivas, que podem derivar facilmente para crimes contra a vida. Ninguém se controla!

Qual são as soluções?

A primeira é tomarmos consciência desse problema. Estudarmos sobre ele. Milton Santos deixou-nos bons estudos para aprendermos.

Segundo, Santos também nos dá pistas. Uma é a de aproveitarmos a rede mundial de internet, coisa nova na humanidade, para estudar e para dialogar generosamente com as pessoas, de modo honesto e humilde, buscando pavimentar o caminho que supere as tiranias e o sequestro de nossas consciências, que sofremos por parte das grande empresas, inclusive de comunicações.

Terceiro, aprendermos coletivamente a organizar uma nova e humanizada globalização. A primeira, a da fábula perversa porque mentirosa e corrosiva às relações de paz, é centralizada no dinheiro, esse tirano que aflige a todos, os possuidores e os despossuídos. Há que construirmos uma globalização que quebre aquele paradigma do mal e crie outro centrado no ser humano, nas pessoas e suas múltiplas experiências culturais.

A crise, este espaço angustiante de quem sai da primeira e infernal experiência tirana, vivendo um processo de viagem para a civilização da solidariedade e da paz, é a maior oportunidade que devemos aproveitar para fazermos o congraçamento entre as diferenças entre todos e as diferenças em todos.

É hora de conversarmos muito, de debatermos sem agressões e com respeito, mesmo que aqui e acolá nos desiludamos conosco mesmos.

O processo é de aprendizado, de educação coletiva e de partilha dos vários e ricos saberes culturais já gestados em todos nós.

É certo que tapinhas nas costas, elogios fáceis ainda não são soluções determinantes nem explosões momentâneas devem significar rupturas definitivas. O processo é de aprendizado e crescimento, entre levantarmos e cairmos para nos erguermos novamente.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.