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Ivo Pugnaloni

Engenheiro eletricista e de comunicações. Atuou no programa CLIC RURAL do governo do Paraná, financiado pelo Banco Mundial, trabalhando para rever padrões de projetos e reduzir custos das ligações para a população rural. É um dos coordenadores políticos do MDSN, Movimento em Defesa da Soberania Nacional.

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Por uma Conferência Nacional de Energia Renovável! A importância das hidrelétricas para o futuro da energia solar no Brasil

Lula no Oriente Médio terá outros resultados além dos 50 bilhões de reais em investimentos em energia renovável.

Hidrelétrica (Foto: Reuters/Ueslei Marcelino)

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Por que as hidrelétricas, que produzem energia da água que cai das pedras, como disse Guilherme Arantes na sua inesquecível “Planeta Água”, podem ajudar muito a energia solar e eólica a se tornarem muito mais viáveis, se se tornarem independentes da energia das termelétricas fósseis.  A necessidade de um debate popular sobre a energia renovável em uma Conferência Nacional.

Será que a visita do presidente Lula à Arabia Saudita abrirá a “caixa-preta” do fatídico “Programa Prioritário de Termoelétricas”, responsável pela Gênesis do Processo de Fossilização do antes limpo e renovável Setor Elétrico Brasileiro e pelo brutal aumento das tarifas, 174% acima da inflação medida  pelo IPCA?

Será que a sociedade tomará conhecimento de como Fernando Henrique Cardoso, atendendo ordens do FMI, proibiu as empresas estatais de fazer qualquer investimento em hidrelétricas, causando o apagão de 2001, que derrubou o PIB e iniciou a “Termificação” da nossa matriz energética?

Será que finalmente conheceremos que a verdadeira causa de termos hoje a segunda energia mais cara do mundo, foi o aumento em 400% da nossa capacidade instalada termoelétrica, mesmo tendo o nosso país 10% de todos os potenciais hidráulicos remanescentes do mundo?

Será que a entrada desses recursos, ao serem repartidos pelo BNDES, vai trazer a nu a campanha de “fake news” montada a partir do ano 2000 contra as hidrelétricas, que sustentaram 82% do consumo em setembro de 2023, permitindo-nos bater no peito e dizer que “o Brasil tem a matriz energética mais renovável do mundo?”

Ou será que continuaremos “cancelando” ou fingindo que foi exatamente a energia barata que permitiu a industrialização do Brasil no tempo do “milagre brasileiro”?

Será que esse “cancelamento” acontece porque elas foram implantadas por presidentes do século passado, “antigos e jurássicos” como Getúlio Vargas, Juscelino Kubistchek, João Goulart e Ernesto Geisel?

Faço essas perguntas ao leitor porque essa campanha sórdida e interesseira acusa “as hidrelétricas”, pessoas jurídicas, mas não as pessoas físicas nem os governos militares, de terem provocado o despejo covarde, ilegal e violento de 70 mil agricultores familiares e indígenas no Brasil para construir Itaipu. Uma perfeita “fake new”. O velho método de pegar um fato verdadeiro e propor uma conclusão completamente mentirosa e parcial.

No mundo todo, a literatura especializada considera a hidrelétrica como a forma mais limpa, renovável e barata de gerar energia elétrica de forma ininterrupta e estável durante 24 horas por dia. Além disso, em seus reservatórios elas podem armazenar, - para usar à noite, como se fosse uma verdadeira bateria natural-, aqueles quilowatts-hora gerados de dia pelas fontes solar e eólica. As quais de noite e de madrugada, não produzem nada ou quase nada de modo firme.

Elas não precisam das caríssimas e poluentes baterias fabricadas com minerais de alto custo. extraídos com fumacentos caminhões, escavadeiras e trens movidos a óleo diesel, fabricadas em com energia gerada pelo carvão. E mais ainda, ironia das ironias, querer carregar baterias de carros elétricos e limpos com energia gerada de fonte fóssil, fedorenta, poluente e cara!

Reservatórios de água doce, uma vez construídos com projetos adequados - , considerando os direitos dos ribeirinhos e indígenas, servindo ao uso múltiplo dos recursos hídricos, podem ter efeito milagroso nas regiões mais secas do Brasil, como provado por estudos acadêmicos sobre a rápida evolução do IDH nas regiões de Furnas e Paulo Afonso.

Se forem bem projetados e construídos, os lagos viabilizam atividades produtivas gerando novos empregos, receita e tributos com piscicultura, fruticultura, turismo e o comercio. Eles garantem o abastecimento de cidades como Salvador, mitigando os efeitos das enchentes e das secas. E melhoram a umidade do ar, como o Lago do Paranoá, em Brasília, que alimenta a hidrelétrica de que fornece energia para a capital federal.

Falando agora de projeções para o futuro, há algo bem preocupante. As 221 usinas hidrelétricas de grande porte que estão em operação, somadas às 1225 pequenas hidrelétricas, contribuem com 103,2GW para o nosso sistema. Isso é 56,78% da nossa capacidade instalada total que é de 196,9 GW. Mas como elas geram dia e noite, em setembro de 2023, elas chegaram a gerar 62% da energia consumida. As centrais eólicas têm 55,5 GW de capacidade, ou 14%. Já as geradoras solares têm 10,9 GW de unidades geradoras centralizadas ou 5,53% do total. Até aí tudo normal. 

Acontece que em mais 20.000 telhados já foram instalados outros 134 GW de placas solares de consumidores individuais, que saem do sistema por volta das 17 horas! São números que estão assustando os especialistas quando pensam em “quem” está gerando de noite e de madrugada, quando esses 144 GW solares simplesmente deixam de existir? São térmicas fósseis ou são as hidroelétricas. E no futuro, se continuarmos a não investir em novas hidrelétricas? Quem vai ter que gerar serão as térmicas fósseis? Isso seria transição energética justa ou exatamente o contrário, se a energia das térmicas custa oito a dez vezes mais cara e elas são 50 vezes mais poluentes do que as hidrelétricas? E para construir novas hidrelétricas, quanto potencial dispomos?

Segundo a ELETROBRÁS, até 2019 tínhamos 135 GW de potenciais hidrelétricos espalhados em todo o Brasil, para construir. Excluídos os potenciais abaixo de 5 MW que não foram considerados e existem em pelo menos 10% das propriedades rurais do interior.

Tomara que o BNDES, na hora de distribuir os recursos entre os milhares de projetos existentes não esqueça de tratar de forma isonômica, inteligente e harmônica às hidrelétricas, exatamente da mesma forma como trata a solar e eólica. Um banco de desenvolvimento não pode ser acusado de privilegiar ninguém. Muito menos privilegiar fontes renováveis intermitentes, que além de serem fabricadas fora do Brasil, exijam térmicas fósseis para completar o que deixam de gerar à noite e de madrugada. E isso em detrimento de outra fonte, permanente, fabricada por empresas e empregados brasileiros com inúmeras externalidades favoráveis ao armazenar água doce. Ainda mais se, ao privilegiar estas fontes intermitentes, o banco de desenvolvimento estiver criando mercado para venda à noite, de energia cara, importada e poluidora.

Tudo isso deve ser discutido por toda a sociedade, que tem sido vítima de uma campanha de desinformação, que não leva ninguém a pensar, apenas a acatar pseudojornalistas e cenas novelas que mistificam o debate. Esse precisa ser um debate sem preconceito, em uma Conferência Nacional de Energia Renovável, de caráter popular como as conferências nacionais de saúde, de educação, etc. Realizada a nível municipal, estadual, depois federal.

 O povo brasileiro não pode continuar a ignorar as riquezas criadas pelos reservatórios para o combate às enchentes e secas, para a proteção dos rios contra a poluição e ocupação irregular das margens, vivendo na “realidade paralela” criada pelos lobbies.

Indispensável participação das comunidades indígenas naõ apenas das prejudicadas mas também das beneficiadas pelas hidrelétricas como a PCH Sacre II, como os Haleti-Paresis em Mato Grosso, que foram recompensados com mais de 150 mil reais mensais, aplicados na alimentação das crianças das escolas e formação universitária de mais de dezenas de médicos, dentistas, agrônomos da comunidade. Uma realidade no excelente documentário “DOC HALETI PARESÍ ORIGEM, HISTÓRIA E ASCENÇÃO" disponível no Youtube.

A EPE, Empresa de Pesquisa Energética e o MME por seu lado, não podem fingir que não existem as externalidades na formação do valor agregado de cada fonte, pois isso é anticientífico. E mais ainda, atentatório à soberania nacional e portanto, inconstitucional, além de contrário a sua função de “realizar pesquisa no terreno energético” e “zelar para o aproveitamento ótimo do potencial hidrelétrico da União”. Acima de tudo, seria contrariar a lei 10.847/2004 que criou a Empresa de Pesquisa Energética, dando a ela a responsabilidade de estabelecer os preços-teto dos leilões de energia que a ANEEL promovia até 2021 para novas hidrelétricas. Mas que agora deixou de fazer apenas porque as distribuidoras alegam “não precisarem de energia hidrelétrica”. 

Talvez porque tenham comprado energia de usinas termoelétricas, por até R$ 2.700,00/MWh, ao invés de comprar de hidrelétricas de pequeno porte por R$ 270,00/kWh. Pois afinal como não são as distribuidoras que pagam a energia que compram de quem quiserem, mas os consumidores,

Uma possibilidade que precisaria ser investigada pois pode perfeitamente ocorrer por falta de transparência e pela falha na legislação que não exige que a compra seja feita pelo menor preço, nem pelo menor grau de poluição da energia adquirida, nem das maiores vantagens ao ambiente. 

Uma prática que agora, de 2021 para cá dispensou a necessidade de contratação de energia hidrelétrica, além da imposição de verdadeiros desincentivos tributários, não isonômicos e não transparentes em sua motivação, tudo isso forçando a “termificação” da nossa matriz de energia.

Como indícios da possível existência desfavorecimento das hidrelétricas e de favorecimento às termelétricas, basta consultar os acórdãos 2.164/08 ; 1.196/10 e 1.171/14 do TCU, Tribunal de Contas da União, pois está tudo lá. E também no site do Instituto Ilumina de Estudos Estratégicos do Setor Elétrico e de várias organizações da sociedade civil, que provam como foram solertes as manobras que elevaram em quatro vezes, ou mais de 400%, a participação da energia termelétrica fóssil, cara, poluente e totalmente importada na matriz energética brasileira entre 1995 e 2022.  Contrariando tudo o que prometemos à comunidade internacional quanto a redução de emissões no setor elétrico. E submetendo nossa indústria ao gigantesco aumento de 174% acima do IPCA que explica em grande parte a desindustrialização de nossa economia que virou exportadora de “commodities”. Essa manobra com a energia precisa ser interrompida pois está contribuindo para destruir a competitividade da indústria nacional, que é obrigada a pagar hoje a segunda tarifa mais cara do mundo, perdendo só para a Alemanha. Uma manobra movida aliás, por países que ao mesmo tempo são nossos concorrentes na indústria enquanto exportam termoelétricas e combustíveis fósseis aproveitando a falta de conhecimento e a ausência de debate sério sobre energias renováveis no Brasil.

*Ivo Pugnaloni é engenheiro eletricista e de telecomunicações. Foi presidente da COPEL DISTRIBUIÇÃO, diretor de planejamento da COPEL SA, diretor do Instituto Ilumina para a região sul, fundador da ABRAPCH, associação brasileira de pequenas hidrelétricas. Foi professor do Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná e membro do Conselho Estadual de Ciência e Tecnologia do mesmo estado. Hoje é presidente da ENERCONS Consultoria em Energia e do MDSN, Movimento em Defesa da Soberania Nacional e coordenador da Frente Democrática e Popular em Defesa da COPEL PÚBLICA. Autor do trabalho “Uma Itaipu de Energia Cara, Importada e Poluente” escrito em 2008.

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