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Gustavo Conde

Gustavo Conde é linguista.

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Povo nas ruas é melhor que 'frente ampla'

"Por que esses partidos e grupos finalmente foram às ruas? Exatamente porque não se formou uma frente ampla. Se tivesse se formado uma frente ampla, eles não estariam nas ruas, estariam escrevendo artigos de ode fajuta à democracia para intensificar suas marcas juntos aos seguidores de redes sociais", afirma o jornalista Gustavo Conde sobre a inflexão social em curso no país

Protestos em Brasília (Foto: Reprodução)
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O conceito de 'frente ampla' envelheceu antes de nascer.

Quando quem defende o sentido de uma expressão é gente ligada ao poder burocrático, institucionalizado, aos vícios da facilitação e à covardia explícita da omissão diante de golpes de estado, peço, humildemente, um favor: desconfiem.

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Enuncie 'frente ampla' a um trabalhador e ele lhe dirá: "o quê?".

Conceitos pequeno-burgueses, gestados no laboratório tecnocrata dos arrependidos são difíceis de engolir.

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A grita demagógica pelas infiltrações em movimentos antifascistas é da mesma família de simulacros: a "infiltração" é condição sine qua non para quaisquer atividades no mundo simbólico.

O sintagma 'frente ampla' é uma infiltração.

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Primeiro, porque omite ideologias. a palavra 'ampla' é miseravelmente neutra. Pode funcionar no Uruguai, pode até funcionar em contextos históricos específicos (menos complexos do que este), mas sua estrutura semântica é uma empulhação, um engodo.

É um conceito que surpreendentemente extrai sua matriz discursiva no clichê 'unidos venceremos'.

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'Frente ampla' é uma repaginada vagabunda no conceito popular 'unidos venceremos'. É uma maneira de 'sofisticar' a expressão e o sentido.

E por que eu implico tanto com esse desrespeito à inteligência alheia chamado 'frente ampla'? Porque a heterogeneidade é mais forte que a homogeneidade.

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O projeto classista de frente ampla é formulado de cima para baixo, mas, pior do que isso, ele 'homogeniza'.

Quer enfiar no mesmo saco todos os setores da sociedade brasileira "em nome de um bem comum" (risos).

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Banqueiros, publishers, editores, empresários, políticos, intelectuais, artistas, influencers, "trabalhadores", "todos juntos em uníssono pela democracia".

É muita cara de pau. É o "Imagine" de John Lennon que eles tanto ridicularizaram.

Negros, mulheres, comunidades LGBT, indígenas, desempregados, subempregados nem são convidados para assinar nada. De que valem as assinaturas deles, não é mesmo?

Nessa toada, vai a reboque todo o oportunismo marqueteiro de "movimentos pela democracia", "Estamos Juntos", "Somos 70%", "Pacto pela Democracia"... Chega a embrulhar o estômago.

O mais engraçado - para não dizer cômico - é que há competição entre eles:

"- Você está no 'Estamos Juntos'?
- Não, estou no 'Somos 70%'."

O Brasil é realmente uma potência humorística.

Hoje, li na Folha de S. Paulo, uma pequena chamada que ilustra o que a história vai nos impondo à revelia de todas as lideranças autoproclamadas progressistas. O título da matéria é uma aula:

"Com cisões, grupos e partidos anti-Bolsonaro vão às ruas sem formar frente ampla"

Ora, ora, ora. Por que esses partidos e grupos finalmente foram às ruas? Exatamente porque não se formou uma frente ampla. Se tivesse se formado uma frente ampla, eles não estariam nas ruas, estariam escrevendo artigos de ode fajuta à democracia para intensificar suas marcas juntos aos seguidores de redes sociais.

Democracia pressupõe plurivocalidade, diversidade, multiplicidade. A democracia é inimiga da ideia opressora de 'frente ampla', uma piada de péssimo gosto que seduz muita gente cansada de ter que raciocinar diante da esculhambação institucional que tomou conta do país.

O excesso de organização é um carma. As jornadas de 2013 ocorreram justamente porque não havia comando nem organização. 'Rua' é uma dimensão exógena às pretensões políticas de turno, diferentemente do que pensa a maioria dos ativistas românticos metidos a líder que, ironicamente, tomam as ruas quando a história manda (não quando um dirigente lhes ordena).

Rua é história e estopim social. Vide EUA neste preciso momento.

Os movimentos sociais no Brasil estavam organizados demais. A organização faz parte, mas há um limite, o limite da burocratização.

O Chile tomou as ruas justamente porque não havia ali essa organização hierárquica ostensiva. Nas ruas do Chile, encontrava-se TODA a população do país (e é óbvio que após as ruas devidamente tomadas, os movimentos organizados tomaram para si o "sucesso" da conflagração, oportunismo político que também faz parte do jogo - e acredita quem quer).

O Brasil precisa de mais desorganização estrutural. A organização necessária para se produzir uma manifestação é apenas a protocolar - para se definir em que espaço público em que serão feitos os protestos, em que horário e em que percurso. Mais do que isso é síndrome de megalomania.

Só assim, as pessoas irão se sentir encorajadas a ocupar as ruas. Movimento com "dono" é um porre, é um convite a ficar em casa.

O excesso de inocência da esquerda e a brutalidade instrumental da direita fizeram o país mergulhar em uma paralisia social de contornos dramáticos. Só agora, esse coquetel tóxico de perplexidade parece estar cedendo.

Em resumo, a equação é até simples: a esquerda ficou "boa demais" (bem comportada demais) e a direita tomou o lugar subversivo que nos era característico e identificador.

A demagogia obsoleta da frente ampla, enfim, faz parte do joguinho por reacomodações depois da catástrofe política que nos esmagou o futuro.

Mas é bom deixá-la reservada ao seu lugar histórico: o lugar oportunista dos setores acoelhados que jamais tiveram coragem de defender uma ideia soberana sequer em defesa do povo que seja.

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