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Camilo Vannuchi

Jornalista, escritor, mestre e doutorando em Ciências da Comunicação pela USP, membro da Comissão Municipal da Verdade da Prefeitura de São Paulo

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Pra que PT

É preciso relembrar a cada momento o que resiste de motivo, o que persiste de missão

É preciso relembrar a cada momento o que resiste de motivo, o que persiste de missão (Foto: Camilo Vannuchi)
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No início dos anos 1990, havia um livro com esse título na estante da casa do meu pai. Nunca o li, embora considerasse o título intrigante. Eu devia ter uns 12 ou 13 anos.

"Pra que PT" foi lançado em 1989, meses antes de a militância sem medo de ser feliz ver ruir o sonho de um governo de esquerda após 21 anos de ditadura. Escrito por Moacir Gadotti e Otaviano Pereira, "Pra que PT" tinha um subtítulo: "Origem, Projeto e Consolidação do Partido dos Trabalhadores". Quando o notei na estante, em 1992 ou 1993, "Pra que PT" era vizinho de outros títulos que orbitavam o mesmo tema. Entre eles "Quase Lá", de Wladimir Pomar, e "Sem medo de ser feliz", com textos de André Singer e Ricardo Kotscho. Publicados em 1990, ambos narravam e analisavam a quase-vitória de Lula na campanha do ano anterior. Desenhava-se naquelas páginas o sentimento de que, mais cedo ou mais tarde, o PT governaria o Brasil. O país perderia o medo de ser feliz e permitira ao partido "chegar lá". Pra quê? Imagino que algumas das respostas estivessem esboçadas naquele livro de título intrigante.

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Tenho pensado no título de Moacir Gadotti e Otaviano Pereira. Não sou filiado ao PT, nunca fui, mas tenho apoiado candidatos do partido a vida toda. Não me lembro de votar em alguém de outra legenda, a não ser nas ocasiões em que fomos instados a escolher dois senadores. E uma vez, acho que em 1998, num segundo turno para governador, quando não havia o 13 nas urnas.

Já aos 10 anos, naquele distante 1989, lembro de agitar bandeiras numa Praça da Sé lotada enquanto Chico Buarque subia ao palco e, cantando, pedia que votássemos em Lula. Emoção à flor da pele com amultidão berrando os versos do jingle de Hilton Acioli após o discurso final do companheiro-candidato. Lembro de conhecer aquela letra de cor, inteirinha, verso por verso. "É a gente junto", "cresce a esperança", "valeu a espera", "o Brasil criança na alegria de se abraçar". Eu me sentia o próprio "Brasil criança", abraçado por tantos adultos que, anistiados 10 anos antes, sobreviventes a tantas porradas e tantas privações de direitos ao longo de 20 anos de opressão, acreditavam na vitória de um metalúrgico e na aurora de um novo tempo, sem o arrocho, a carestia, a inflação e a recessão da década perdida. Aquela gente sabia pra que PT.

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E hoje? Hoje é preciso relembrar a cada momento o que resiste de motivo, o que persiste de missão. O que nos chega, quase diariamente, são notícias por vezes estarrecedoras. Há pouco mais de uma semana, no dia 12 de junho, fiquei boquiaberto ao saber que uma vereadora petista de Guarulhos apresentou projeto de lei propondo a proibição da Parada Gay e de outros "eventos que promovam o comportamento homossexual" no município. O que faz uma pessoa com esse pensamento dentro do PT? No domingo passado, dia 14, descobri pelas redes sociais que o 5º Congresso Nacional do PT, em Salvador, havia optado melancolicamente por não proibir o recebimento de doações de empresas nas campanhas, retrocedendo em relação à promessa, feita semanas antes, de não mais aceitar financiamento empresarial. Pelo menos essa decisão não foi referendada no congresso, permanecendo em aberto. No dia 16, a liderança do Governo na Câmara dos Deputados, ainda a cargo do PT, não orientou posição sobre emenda aglutinativa que propunha estabelecer número mínimo de cadeiras destinadas a mulheres nas casas legislativas (apoiada pelo PT, a emenda seria derrotada naquela noite por apenas 15 votos, sendo que os votos contrários dados por membros de partidos "aliados" como PMDB, PP e PROS, todos da base do governo, somaram mais de 40). Não bastasse, na quinta-feira 18 foi publicado no site do PT um manifesto assinado por uma centena de economistas liberais, a maioria sem nenhum compromisso com a agenda do PT ou com o modelo desenvolvimentista que há mais de uma década baliza as decisões econômicas dos governos petistas, em defesa do ajuste fiscal proposto pelo ministro Joaquim Levy — um ajuste que reduz verbas da Educação e da previdência e não mexe uma palha, pelo menos até agora, para que a conta chegue ao "andar de cima". Entre pedaladas e baixa popularidade, o PT parece mesmo submergir no volume morto, conforme a metáfora recente recitada por Luiz Inácio Lula da Silva.

Diante desse cenário, escuto a voz aflita de Milton Nascimento a repetir os versos igualmente aflitos de Fernando Brant (sua bênção!) na canção "Promessas do Sol". Nela, o autor nos falava de índios. Para mim, hoje, é como se a inspiração fosse o PT: "Você me quer forte / e eu não sou forte mais. (...) Que tragédia é essa / que cai sobre todos nós?"

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Ao mesmo tempo, há aqueles que, de dentro, imbuídos de melhores pensamentos, pedem a "refundação" do PT, propõem uma Constituinte para renovar a direção do partido, insistem para que doações empresariais sejam vetadasnos próximos pleitos. Há os que dedicam horas valiosas a pensar e encaminhar, pela esquerda, alternativas viáveis ao ajuste fiscal. Há os que brigam diuturnamente em favor do pleno cumprimento do ECA, do fim da intolerância religiosa, do direito à identidade de gênero, do combate à homofobia e à transfobia, da taxação das grandes fortunas e das grandes heranças, de uma nova política de drogas e de segurança pública. Parafraseando Bertolt Brecht, "estes são os imprescindíveis".

É preciso voltar os olhos, as mentes e os corações para esses imprescindíveis, a fim de renovar a todo momento a esperança de que nos falavam a Graúna de Henfil e o jingle de Acioli. Quando me perguntam para que PT, procuro juntar a serenidade dos velhos com a esperança dos jovens ao defender que o PT continua indispensável na missão de liderar um movimento nacional inclusivo, distributivo, participativo, não mais pelo consumo, mas ainda e principalmente pelos direitos, pela justiça, pela diversidade. Por isso tenho pressa. Pressa para extirpar o que houver de vírus, curar as feridas, esterilizar novamente os instrumentos e reajustar o manche. Porque o PT não pode mais errar. O PT não pode continuar errando.

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Fernando Brant tinha também razão quando escreveu, em parceria com Márcio Borges e Milton Nascimento, a canção "O que foi feito devera". "Falo assim sem tristeza / falo por acreditar / que é cobrando o já feito / que nós iremos crescer. / Outros outubros virão / outras manhãs / plenas de sol e de luz."

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