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Ana Maria Baldo

Professora da Rede Pública, Mestranda em Educação pela UERGS

24 artigos

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Pray Away

A cristianização’ do judiciário, o aumento da presença de ‘representantes religiosos’ no legislativo e no executivo têm feito regredir o respeito aos direitos.

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Hoje, novamente, usarei esta coluna para falar de um tema que não tem relação – ao menos não diretamente – com a educação. 

Recentemente assisti ao Documentário intitulado “Pray Away”, lançado em junho do ano passado (2021) pela Netflix. Segundo a própria sinopse, o Documentário traz “ex-líderes e sobreviventes da chamada "terapia de conversão" falando sobre os danos do movimento à comunidade LGBTQ+ e suas consequências devastadoras”. 

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Não darei spoiler do Documentário, obviamente; também não me dedicarei a escrever uma resenha crítica sobre o mesmo. Sugiro que cada qual assista e tire suas próprias conclusões sobre o tema ali abordado, a maneira como é abordado e o que pensar sobre o assunto. Não debaterei também sobre a história da organização cristã Exodus – foco principal do Documentário – que pregava a possibilidade de “reversão sexual” ou de “cura gay” através da oração, leia-se coerção e abuso psicológico – a organização Exodus fechou as portas em 2013, quando o então presidente da entidade pediu desculpas à comunidade gay, “por anos de sofrimento indevido e julgamento nas mãos da organização e da igreja como um todo”, destacando ao final de sua fala: “nós machucamos pessoas”.Eu sou o que se pode chamar de uma pessoa curiosa por natureza e, assim sendo, sempre que descubro um tema ou assunto novo dedico algumas horas de pesquisa e leitura ao tema. Em alguns casos específicos dedico mais que apenas algumas horas e, não raras vezes, me pego dias depois ainda remoendo aqueles novos ‘descobrimentos’. Eis o que aconteceu comigo após assistir ao Documentário acima citado: peguei-me pensando sobre ele por dias seguidos, busquei algumas novas informações sobre o assunto e li o que se poderia encontrar na Internet sobre o tema. Não contente, me dedico agora a escrever estas linhas, pois, além de entender que o tema merece esta escrita, me surpreendi ao saber que apesar da extinção da Exodus nos EUA – país de origem da mesma – organizações com os mesmos fins e com a mesma dinâmica e metodologia seguem existindo atualmente.

Naturalmente eu já tinha conhecimento de muitas Igrejas que pregam em seus sermões a ‘cura gay’ e que trazem em seu rol de milagres a existência de ex-gays e ex-lésbicas entre os seus fiéis. Naturalmente eu também tinha conhecimento de que em nosso país, principalmente nos últimos anos, vivemos um tempo de retrocesso que parece não ter fim onde tudo que se encontre fora da ‘caixinha da normalidade’ deve ser repelido e, se possível, extinto. Porém, confesso que descobrir que ainda hoje existem organizações como estas, com sedes físicas e representantes legais, me deixou um tanto perplexa. Estas entidades contam com dezenas e mais dezenas de ministérios, igrejas evangélicas e até mesmo “psicólogos cristãos” que acreditam na possibilidade de reversão sexual através de métodos muito retrógrados e sem fundamentação científica alguma. 

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Na América Latina contamos com duas sedes físicas de organizações similares a Exodus, com o mesmo objetivo e com os mesmos métodos. Uma em Cuernavaca, Morelos, no México, e outra em Londrina, Paraná, no Brasil. Atentem para o fato de que no Brasil, há uma Resolução do Conselho Federal de Psicologia que veta experiências e práticas de reorientação sexual desde 1999. Marcos Garcia e Amana Matos, em artigo publicado no site da Scielo, intitulado “Terapias de Conversão”: Histórico da (Des)Patologização das Homossexualidades e Embates Jurídicos Contemporâneos” analisam histórica e cientificamente o processo de patologização da homossexualidade, a Resolução acima citada que proíbe as chamadas ‘terapias de conversão” no Brasil e fazem uma análise histórica do processo de oferta destas terapias no país; destacando ao final de sua escrita o aumento do número de profissionais e de instituições criadas ou que se dedicam a tal fim. Segundo os autores “a Resolução no 001/1999 do CFP estabelece um marco no debate sobre as terapias conversivas no Brasil. Ela mobilizou – e, com isso, visibilizou – uma série de movimentos e articulações entre Psicologia e religiões cristãs, e sua manutenção não tem sido feita sem confrontos. Em nosso país, a defesa da “legalidade” das terapias de reversão da orientação sexual dá-se a partir do fortalecimento de grupos religiosos fundamentalistas, que passaram a questionar juridicamente a Resolução. Observamos nas últimas décadas um crescente movimento de profissionais que se denominam “psicólogos cristãos” e que têm pautado o direito de oferecer terapias conversivas em suas clínicas e centros de tratamento”.

Destacam ainda que “a retomada das “terapias de conversão” por grupos religiosos – e seu recurso ao poder judiciário para que este referende suas práticas – também mostra o quanto a homofobia está ramificada na sociedade, encontrando outros locais privilegiados para o exercício das estratégias de controle disciplinares e confessionais. Se não há mais uma sustentação “científica” para estas práticas, o campo do direito as tem referendado, permitindo, desta forma, sua permanência”. 

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O retrocesso social e cultural, a ‘cristianização’ do judiciário, o aumento da presença de ‘representantes religiosos’ no legislativo e no executivo têm feito regredir a cidadania e o respeito aos direitos. Cada dia se torna mais evidente a necessidade – urgente – de seguirmos combatendo por todos os meios esses pensamentos retrógrados e criminosos. 

E eu me sinto no dever, enquanto colunista deste site, enquanto cidadã e enquanto lésbica, de utilizar este espaço como forma de denunciar essas instituições e cobrar do poder público atitudes rigorosas para que se cumpra a lei e as portas destes locais sejam fechadas, bem como os responsáveis por tais práticas penalizados por seus crimes. Retrocedemos décadas, mas não podemos permitir que voltemos à Idade Média e sejamos novamente expostos como ‘exemplo’ e ‘ameaça’ e queimados vivos em praça pública. 

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Concluo sugerindo que assistam ao Documentário, que leiam o artigo abaixo e que sigam combatendo toda e qualquer forma de discriminação.

GARCIA, Marcos R. V., MATOS, Amana R. Terapias de Conversão”: Histórico da (Des)Patologização das Homossexualidades e Embates Jurídicos Contemporâneos. Psicol., Ciênc. Prof. (Impr.) 39 (spe3), 2019. Disponível em:  https://doi.org/10.1590/1982-3703003228550

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