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Marcelo Zero

É sociólogo, especialista em Relações Internacionais e assessor da liderança do PT no Senado

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Presidente Pré-Sapiens

"Em vez de estender pontes e falar responsavelmente sobre os grandes temas globais, que ele considera 'abobrinhas', o capitão preferiu jogar bombas semióticas contra o ambientalismo, o indigenismo, o globalismo da ONU, e contra o 'socialismo', algo que ele desconhece totalmente", escreve o sociólogo Marcelo Zero sobre o discurso de Jair Bolsonaro na ONU

Jair Bolsonaro, discursa na Assembleia Geral da ONU (Foto: Alan Santos/PR)
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De onde menos se espera, daí é que não sai nada mesmo”, já dizia o Barão de Itararé.  

Contrariando as especulações da nossa imprensa de que Bolsonaro aproveitaria a vitrine global da ONU para fazer um discurso conciliador, que ao menos tentasse melhorar um pouco a péssima imagem de seu governo no mundo, o capitão usou o palco maior da busca da paz para declarar guerra à verdade, à diplomacia, à democracia, ao meio ambiente e a tudo que é civilizado.  

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Falando na abertura da Assembleia Geral da ONU, repleta de chefes de Estado, como se falasse para um grupo de milicianos descerebrados, o capitão proferiu um dos mais vexaminosos discursos feitos na ONU. Possivelmente, o mais vergonhoso da História. Com certeza, o mais mentiroso.  

Provavelmente escrito a várias mãos e certamente por nenhum cérebro, o “discurso”, se assim podemos chamá-lo, foi um amontoado pavoroso dos mais baixos preconceitos, misturado com mentiras deslavadas e emoldurado pelo neofascismo mais tosco e primitivo da face do planeta.  

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Em vez de estender pontes e falar responsavelmente sobre os grandes temas globais, que ele considera “abobrinhas”, o capitão preferiu jogar, em português claudicante, bombas semióticas contra o ambientalismo, o indigenismo, o globalismo da ONU (na ONU!), a “ideologia” dos movimentos identitários e contra o “socialismo”, algo que ele desconhece totalmente.  

Atacou o Mais Médicos, um programa que, segundo ele, utiliza trabalho escravo com apoio da ONU, e, para perplexidade mundial, voltou a defender a ditadura de 64, que teria nos salvado do “comunismo”. No futuro, algum historiador incauto poderá achar que esse discurso foi feito na década de 1950, em pleno macarthismo e no auge da Guerra Fria.

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Não bastasse, o flagelo da Civilização atacou Cuba, Venezuela, Alemanha, França, as ONGs, a imprensa internacional e a ciência. De forma covarde, agrediu lideranças indígenas autênticas, como a de Raoni.  

Mais: dirigiu suas baterias raivosas especialmente contra a verdade. Ninguém acreditou quando disse que, com ele, o Brasil está comprometido com o desenvolvimento sustentável. Todo o mundo percebeu que ele afirmou que a Amazônia tem muitas riquezas minerais e que o índio não pode ser um “homem das cavernas”. Dessa forma, o capitão deixou claro para o planeta que quer mesmo devastar a Amazônia e atropelar índios que não sejam youtubers bolsonaristas.  

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Alguns acreditam que o capitão fez esse discurso para seu eleitorado, buscando, com sua estratégia fascista de confronto permanente, consolidar sua posição política interna.  

Só que a ONU não é palco para isso. O capitão pode falar para seu público interno através das redes de fake news que montou ou utilizando os veículos de comunicação fieis ou ainda convocando cadeia de rádio e TV. Mas os ouvidos das Nações Unidas não são pinico para o sistema excretório de milicianos e fascistas. A exceção de Bannon et caterva, ninguém lá fora está interessado nos moinhos de vento medievais e nas arengas de ódio do capitão e do seu chanceler olaviano.  

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O fato concreto é que a repercussão do discurso no mundo foi péssima, como atestam todos os jornais importantes do planeta. Como diplomata, Bolsonaro demonstrou ser o que sempre foi: um péssimo militar.

Com sua política externa confrontacionista e isolacionista, da qual o pavoroso discurso é um exemplo, o governo do capitão vem provocando a desconfiança e a repulsa do mundo civilizado. À exceção de Trump e de Netanyahu, o governo do capitão não tem mais aliados de peso.  

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Nem mesmo Trump, seu ídolo, demonstra ter muita paciência com Bolsonaro. Não correspondeu à sua declaração de amor e dedicou-lhe escassos 17 segundos de atenção, durante os quais lhe deu instruções sobre como se posicionar ante as câmaras, ordens seguidas de modo canino pelo capitão. Patético.  

Patético para ele e ultrajante para o Brasil.

O flagelo da Civilização não engana ninguém quando afirma que foi lá defender a soberania do Brasil. Foi lá defender a soberania dos EUA sobre o Brasil. Foi lá defender a exploração das nossas riquezas por empresas estrangeiras, em detrimento do nosso equilíbrio ambiental e dos direitos dos povos originários do Brasil. O que ele quer é vender o nosso país e sua soberania.

Enquanto Lula era “o Cara”, como dizia Obama, Bolsonaro é “o cara a ser evitado”. Daí não ter agenda bilateral com nenhum líder mundial. Com Bolsonaro, tornamo-nos párias internacionais.

Aliás, sua principal “realização” em política externa, o Acordo Mercosul/UE, falsamente citada em seu discurso, acaba de ser sepultada pelo parlamento da Áustria. Não há acordo possível com quem não merece a confiança de países comprometidos com o meio ambiente e a democracia.

Por isso, Bolsonaro é um risco para os negócios, principalmente para nossas exportações.

Diga-se de passagem, nossas exportações já estão caindo, em relação ao mesmo período do ano passado. Entre janeiro e agosto deste ano, exportamos US$ 144,8 bilhões, 8,3% menos que no mesmo período do ano passado (US$ 157,9 bilhões). Para a União Europeia, nossas exportações caíram, no mesmo período, de US$ 27,2 bilhões para US$ 23,3 bilhões. Nossas exportações de soja para a China despencaram de US$ 20 bilhões para US$ 15 bilhões.  

O capitão escolheu um péssimo momento para se aliar aos EUA em sua luta insana contra a China e para isolar o Brasil do mundo civilizado. A economia mundial não passa por um bom momento e tudo indica que as coisas vão piorar. Alguns economistas consistentes preveem que, já em 2020, o mundo poderá atravessar uma crise mais séria que a de 2008, com o agravante de que não há mais espaço para o quantitative easing, uma vez que as taxas de juros já estão negativas ou próximas de zero na maior parte dos países desenvolvidos.  

De qualquer modo, ninguém prevê bonança para os próximos 2 anos. Assim, Bolsonaro deveria estar fazendo o que Lula fez. Percorrendo pragmaticamente o mundo inteiro a procura de novos parceiros para o Brasil e abrindo mercado para os produtos brasileiros.  

O capitão, no entanto, prefere comprar brigas ideológicas com a Europa, com o mundo árabe, grande importador de nossas commodities, com os países muçulmanos, com a China, nosso principal parceiro comercial, com os BRICS, etc. Agora, comprou briga com o mundo inteiro com sua declaração de guerra contra ao ambientalismo.  

O problema maior de Bolsonaro parece ser de que não passou pela Revolução Cognitiva descrita pelo historiador israelense Yuval Noah Harari no seu livro Sapiens, aquela que capacitou os humanos modernos a desenvolverem ficções compartilhadas que permitem uma ampla e complexa comunicação e cooperação. A Revolução fundamental que criou a Humanidade e a Civilização. O capitão ainda parece preso a um pequeno mundo arcaico, carente de imaginação e pleno de ódio contra tudo que lhe parece indiferente.  

Pois bem, com um presidente pré-sapiens e com um chanceler confessadamente pré-iluminista não iremos muito longe. Certamente, não despertaremos muita simpatia.

Oscar Wilde escreveu: some cause happiness wherever they go; others whenever they go. Numa tradução livre seria algo como: algumas pessoas espalham felicidade por onde quer que passem, já outras causam felicidade sempre que vão embora.

Lula levava positividade, diálogo e cooperação ao mundo inteiro.  

Já o capitão....... Bem, o capitão, um humano arcaico, pré-sapiens, causará, como escreveu Agualusa, suspiros de felicidade e alívio quando se for.  

Alívio no Brasil e felicidade no mundo inteiro.  

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