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Joaquim de Carvalho

Colunista do 247, foi subeditor de Veja e repórter do Jornal Nacional, entre outros veículos. Ganhou os prêmios Esso (equipe, 1992), Vladimir Herzog e Jornalismo Social (revista Imprensa). E-mail: joaquim@brasil247.com.br

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Pressão de Duvivier e da diretora do Greg News para desgastar Zanin e emparedar Lula é suspeita e deve ser rejeitada

Empresário e humorista chamou de "burro" quem apontou fato irrefutável: diretora do programa dele na HBO fundou ONG que é financiada por entidades estrangeiras

STF, Duvivier e Orofino (Foto: Divulgação)

O humorista e empresário Gregório Duvivier iniciou uma campanha no programa que apresenta, o Greg News, e na rede social para que Lula nomeie uma mulher negra para o Supremo Tribunal Federal (STF). É um direito dele, e não apenas dele, mas de todo cidadão brasileiro, dizer o que pensa sobre a escolha do sucessor de Rosa Weber na corte constitucional.

Como é direito dos demais apontar para sua incoerência. Ele se irritou quando um internauta postou uma foto dos empresários brancos que fundaram o Porta dos Fundos - entre eles, Duvivier - e partiu para a baixaria. "Burro", xingou. 

Também não gostou quando um internauta lembrou que a diretora-geral do Greg News, Alessandra Orofino, é fundadora de uma ONG sustentada com verbas de entidades estrangeiras, muitas delas estadunidenses. 

Com fatos, não se briga. Basta entrar no site da ONG Nossas para ver que entidades estrangeiras a financiam. Estão lá os logos de todas elas, na seção "Quem financia".

Duvivier faz eco a uma campanha que teve o endosso da voz potente de uma integrante do governo Biden, Desirée Cormier Smith, responsável pelo programa de equidade racial e justiça nos EUA.

Nenhuma pessoa civilizada é contra políticas de promoção da igualdade de gênero e raça no Brasil ou nos EUA. A questão que se coloca no Brasil atualmente é outra.

Parece haver um movimento para emparedar Lula e obrigá-lo a indicar alguém que não seja de sua livre escolha, ainda que, para isso, se invoque o argumento legítimo da democracia racial.

O jurista Martonio Mont'Alverne Barreto Lima acaba de lançar um livro com um estudo sobre a necessidade de uma corte constitucional forte o suficiente para defender o país em momentos de crise.

Na obra -- "Supremo Tribunal Federal  / Prússia contra Reich"(editora Contracorrente) -- Martonio analisa o que ocorreu na Alemanha em 1932. Lá o Tribunal do Estado admitiu a intervenção do governo central na Prússia, unidade da federação que era governada pelos social-democratas, com o apoio dos comunistas. 

A intervenção foi uma espécie de GLO depois do episódio que ficou conhecido como "domingo sangrento" e abriu caminho para a condução de Hitler, alguns meses depois, ao posto de chanceler. 

O Tribunal do Estado deveria ter impedido a intervenção na Prússia, ainda que o argumento do poder central fosse o restabelecimento da ordem depois que milícias nazistas tinham matado comunistas e social-democratas.

No Brasil, a fraqueza do STF, rendido a um movimento da chamada opinião pública em 2016, permitiu o golpe contra Dilma Rousseff e, mais tarde, a prisão de Lula, e abriu caminho para a ascensão de Bolsonaro em 2018.

O exemplo é útil para entender que o STF necessita, neste momento, de quadros comprometidos com a defesa da soberania popular. E nesse sentido, ao contrário do que Duvivier disse no programa dirigido por Alessandra Orofino, Cristiano Zanin foi uma excelente escolha.

Zanin tem serviço relevante prestado nesse tema, quando revelou ao mundo que o Departamento de Justiça norte-americano havia admitido a colaboração informal (e ilegal) entre o governo dos EUA e a Procuradoria Geral da República no Brasil. 

Num encontro no Atlantic Council, Kenneth Blanco, então vice-procurador geral adjunto do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, disse:

"Dado o relacionamento íntimo entre o Departamento de Justiça e os promotores brasileiros, não dependemos apenas de procedimentos oficiais como tratados de assistência jurídica mútua, que geralmente levam tempo e recursos consideráveis para serem escritos, traduzidos, transmitidos oficialmente e respondidos."

Essa colaboração lesou a Petrobras direta e indiretamente, já que a empresa brasileira foi obrigada a pagar indenização bilionária nos EUA e cedeu mercado para os derivados de petróleo produzidos pelas refinarias norte-americanas. Zanin conseguiu provar que a colaboração se deu à margem da legislação brasileira, e também de acordos internacionais. 

A prova de que a inclinação de Lula para nomear Zanin para o STF incomodou os EUA é o movimento da representação diplomática nas semanas que antecederam sua nomeação. Foi quando veio ao Brasil a assessora de Biden, que fez uma declaração à imprensa inadequada e suspeita.

"Já passou da hora de ver mulheres negras nos cargos mais altos da corte e do governo, porque representação importa", disse Desirée Cormier Smith. Inadequada porque não compete a um representante de governo estrangeiro dizer o que o governo brasileiro deve fazer. 

Suspeita porque quem acredita que os EUA estejam preocupados com a democracia racial no Brasil acredita em qualquer coisa. A investida do governo dos EUA naquela ocasião contra a escolha do governo e do Senado brasileiros não deu certo.

Mas a investida se concentra agora na segunda indicação de Lula, para a vaga que será aberta com a aposentadoria de Rosa Weber, em outubro. A pressão para que Lula ceda ao identitarismo na escolha do próximo ministro do STF lembra a narrativa que prevaleceu nas Jornadas de Junho (2013).

Aquele movimento foi precedido por outro, o da criminalização da política, que teve Joaquim Barbosa e o STF como protagonistas, no julgamento do mensalão.

E, claro, antes deles, alguns influenciadores atuaram fortemente, e nesse sentido se destaca o CQC comandado por Marcelo Tas.

Não era só na Band que o jornalista Tas trabalhava para criminalizar a política. Ele e seus colegas usavam muito a rede social ao mesmo tempo em que davam espaço a um "não-político", no caso Bolsonaro.

Tas é citado em um e-mail encontrado na conta de Hillary Clinton, quando ela era secretária de Estado dos EUA, e que foi divulgado pelo WikiLeaks. 

Seu assessor, Alec Ross, que era conselheiro na área de inovação tecnológica, reporta como usou o apresentador do CQC numa propaganda para desgastar a Síria e forçar o Brasil a tomar posição contra a Rússia, parceira no BRICs.

Em mensagem dirigida ao embaixador dos EUA no Brasil, Thomas Shannon, Alec Ross fala sobre um encontro que teve com Tas na Embaixada em Brasília.


"A Embaixada Brasília preparou um café para mim e Marcelo Tas durante minha breve viagem ao Brasil em abril. Visita muito positiva. Esta manhã, publiquei alguns conteúdos relacionados com a Síria no Twitter. Tas pegou, construiu uma tradução para o português e depois divulgou para seus quase 2 milhões de seguidores no Twitter. Isso então ricocheteou nos círculos das redes sociais brasileiras, onde foi ainda mais amplificado, de modo que literalmente milhões e milhões de pessoas no Brasil (talvez mais de 10 milhões) leram o conteúdo que divulgamos. Mais importante ainda, eles não pensam nisso como algo que o Governo dos EUA está a promover, mas sim como Marcelo Tas. Ao traduzir e divulgar ele mesmo o conteúdo, ele se tornou seu editor e validador. É uma coisa pequena, mas boa; um exemplo de como usar 'redes' para amplificação e validação local", escreveu.

No caso da Síria, o interesse dos EUA era geopolítico, disfarçado no que seria a defesa de direitos humanos. Tas também ajudou a promover as Jornadas de Junho, que desestabilizaram o governo brasileiro.

Tudo começou com a campanha contra o aumento da tarifa de transporte, mas a pauta se ampliou e o movimento passou a defender o Ministério Público e também o combate à corrupção. Que pessoa civilizada seria contra o combate à corrupção? Que pessoa civilizada seria contra a promoção da igualdade de gênero e raça?

O problema é que, sob essas bandeiras, se escondem interesses escusos.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.