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Ricardo Nêggo Tom

Cantor, compositor, produtor e apresentador do programa Um Tom de resistência na TV 247

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Pretos de wakanda ou imigrantes raciais de turbante? Eis a questão do colorismo

Há quem defenda que o significante negro é um processo de construção histórico-social, e aqueles que se baseiam apenas pelo fenótipo dos indivíduos para definir a sua identidade étnica

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Mesmo fugindo da polêmica, não me furtarei de dar a minha opinião a respeito de um tema que vem provocando divergências, envolvendo ativistas do movimento negro. O colorismo. Afinal, eu também sou preto. Ou será que não? Há quem defenda que o significante negro é um processo de construção histórico-social, e aqueles que se baseiam apenas pelo fenótipo dos indivíduos para definir a sua identidade étnica.

Porém, como nem sempre dois e dois são quatro, está rolando até prova dos nove para saber quem é preto de verdade por aqui. E nessa batalha racial, o pantone do colorismo foi ativado para detectar quem pode ou não ser chamado de negro no Brasil. Obviamente, é preciso ouvir os argumentos de ambas as partes, tanto dos negros, como dos novos postulantes à raça, para entendermos melhor essa definição.

Resolvi pegar como exemplo a “treta” envolvendo a filósofa e escritora Djamila Ribeiro e a professora ativista Letícia Parks, que tive a oportunidade de entrevistar no programa “Um Tom de resistência”, que apresento na TV 247. Criticada por Letícia, pelo fato de estar fazendo campanhas publicitárias e se beneficiando do capitalismo opressor que explora em maior número a mão de obra preta, Djamila rebateu se referindo à ativista como uma “clarinha de turbante” que se descobriu negra.

O bicho pegou e nem os mais experiente bombeiros de plantão, estão conseguindo apagar o incêndio que tal declaração provocou no parquinho de wakanda. Entre alfinetadas e direitos de resposta exigidos, a torcida organizada começou a entoar seus gritos de guerra, cada uma de um lado das arquibancadas. Quem está com a razão? Durante nossa entrevista, perguntei à Letícia se ela percebia que, quanto mais escuro o tom da pele, maior a abordagem do preconceito. Ela disse que sim, mas ponderou que isso não é o mais importante na luta do movimento negro.

Eu, como sempre soube que era preto, até porque o racismo nunca me deixou esquecer disso, entendo que os menos retintos, digamos assim, levam alguma vantagem baseado na leitura que a branquitude costuma fazer acerca da negritude brasileira. Pode ser que Djamila Ribeiro tenha evocado essa leitura, ao utilizar os termos “moreninha” e “mulatinha” ao se referir à Letícia Parks. Há uma percepção por parte de alguns ativistas, que muita gente de pele mais clara está sendo oportunista e extraindo negritude lá na semente de sua árvore genealógica, para se beneficiar da visibilidade dos movimentos anti racistas.

Será que ser preto “is the new black” da moda racial brasileira? Sob a ótica do colorismo, observei o perfil de alguns candidatos que foram eleitos recentemente e analisei os fenótipos apresentados e auto declarados como negros. Alguns deles passariam tranquilamente na inspeção de qualidade do racismo. Não que esse aspecto seja o de maior relevância sobre a questão racial. No entanto, é preciso lembrar que os negros recém chegados à raça, podem favorecer o processo de clareamento representativo, um recurso muito utilizado para retratar a história de personalidades pretas e comercializá-las com uma melhor aceitação.

Há 2 anos, Dona Ivone seria interpretada no teatro pela cantora Fabiana Cozza, que, na visão de alguns, também não passaria de mais uma “clarinha de turbante”, que não reproduz o mesmo tom de pele da saudosa artista. Outra polêmica em torno do tema, foi uma propaganda da Caixa Econômica Federal, onde o escritor Machado de Assis, negro, foi retratado com um verdadeiro colonizador português. Lembrando que o rosto de Machado já havia sido estampado na nota mil cruzados, lá em mil novecentos e lá vai moeda, com fenótipo parecido. Como à época, o máximo que se debatia a respeito de colorismo, era o que era rosa choque e rosa bebê, a apropriação passou batida.

Não que os pardos não sejam negros. Mas, se o seu fenótipo e o seu tom de pele deixam alguma dúvida quanto à sua etnia, é preciso considerar que o racismo à brasileira possui características distintas das existentes em outros países. Nosso racismo é colonial e capitalista. O que faz com que o tom da pele e os traços físicos do indivíduo, determinem o grau de racialização ao qual ele será submetido. Os mais clarinhos ou menos pretos, sempre foram mais tolerados pela casa grande. Talvez, pelo fato de eles terem sido gerados à miscigenação. Embora este processo de miscigenação, em sua origem, tivesse sido concebido através de estupros e violência sexual cometidos pelos senhores de engenho contra as mulheres pretas escravizadas.

A teoria de que onde pode ter sangue do colonizador, deve haver um pouco mais de tolerância, é, ao mesmo tempo que subjetiva, uma prática presente no nosso dia a dia. Basta observar com um pouco mais de atenção. Voltando à representatividade negra eleita no atual pleito, podemos perceber que o recém descoberto orgulho de se declarar preto, provocou uma espécie de imigração racial, que também tem a ver com ocupação de espaços na vitrine da militância. Se de um lado, um segmento se julga no direito de definir quem é preto, do outro, o mínimo sinal de ancestralidade pode representar possibilidade de crescimento através de engajamento na causa.

Eis um dilema para a consciência negra de cada um. Seja para os legítimos pretos de wakanda, seja para os “clarinhos de turbante.” Só espero que esses 50 tons de negro não nos divida. Porque o que a raça une, o tom da cor da pele não deve separar. Lutar contra o racismo é um dever de todos. Pretos, pardos, e, principalmente, brancos.

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