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José Álvaro de Lima Cardoso

Economista

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Privataria na Eletrobras: preço estimado para venda não paga nem Itaipu binacional

"A Eletrobrás está sendo doada para a iniciativa privada exatamente porque é uma Companhia extremamente eficiente"

(Foto: Brendan McDermid)
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Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre. (Trecho da Carta Testamento de Getúlio Vargas, 24.08.1954)

O processo de privatização da Eletrobras, como sempre acontece nesses casos, está se desenvolvendo com o mínimo de transparência possível. As informações que circulam na grande mídia são fragmentadas e tendenciosas, visando manter a população alienada do processo. Mas a Empresa já lançou oficialmente ao mercado a oferta de ações, que irá resultar na privatização. A operação implica uma oferta de ações primárias (ações novas) e secundárias (ações que já existem) de ações ordinárias (aquelas com direito a voto), que será realizada simultaneamente no Brasil e no exterior.

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Dentre outros valores estimativos, sairam informações na imprensa que o governo irá colocar 27% das ações da Eletrobras à venda por R$ 35 bilhões. Essa é uma estimativa, as ações podem ser vendidas por muito menos, o que irá definir o preço de venda é a procura pelas ações no dia da oferta destas. Se fizermos uma regrinha de três, considerando que 27% das ações estão sendo colocados à venda por R$ 35 bilhões, deduz-se que a empresa está sendo avaliada pelo governo por cerca de quase R$ 130 bilhões. Esses valores na casa dos bilhões, colocados de forma abstrata, podem conduzir a interpretações equivocadas. Por isso, cabe indagar: o preço estimado de venda da Companhia é alto ou baixo?

A Eletrobras tem 36 usinas hidrelétricas, 10 termelétricas a gás natural, óleo e carvão, 2 termonucleares, 20 usinas eólicas e 1 usina solar. Entre essas 36 usinas hidrelétricas está Itaipu, que completou agora 48 anos de fundação. Somente Itaipu, segundo a sua direção, vale R$ 130 bilhões no mercado (valor financeiro, contábil, sem considerar a importância geoestratégica da Companhia). O preço de Itaipu, coincide com o estimado para venda da Eletrobras, como vimos acima. Ou seja, querem vender todo o Complexo Eletrobras, pelo preço estimado de uma das 36 hidroelétricas pertencentes à Holding. Mas e todas as demais hidroelétricas, termoelétricas, eólicas, nucleares e solar, que o grupo possui? Alguém, em sã consciência, que tivesse compromisso com os interesses do país, poderia defender uma privataria dessas?

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Claro que Itaipu é um ponto fora da curva. É simplesmente a segunda (pelo menos) maior hidrelétrica do mundo em geração de energia. A China tem uma usina maior em termos de capacidade de geração (o Complexo de Três Gargantas), mas se comenta (não pude comprovar) que o Rio Yang-tsé (o maior da China), não mantém a vazão durante todo o ano, ao contrário de Itaipu. Ou seja, por R$ 130 bilhões o governo pretende entregar a segunda maior usina do mundo em geração de energia, além de mais 35 hidrelétricas fundamentais, e demais ativos da Eletrobras. Um patrimônio como Itaipu binacional, jamais deveria ser entregue ao setor privado, nem por todo o dinheiro do mundo, mas querem transferí-lo, praticamente de presente, às multinacionais e ao sistema financeiro internacional.  

Sob o guarda-chuva da Companhia também está a Eletrobras Eletronuclear, criada em 1997, uma empresa de economia mista que responde pela geração de aproximadamente 3% da energia elétrica consumida no País. Atualmente estão em funcionamento as usinas Angra 1, com capacidade para geração de 640 megawatts elétricos, e Angra 2, de 1350 megawatts elétricos. Angra 3, em construção, está prevista para gerar 1405 megawatts. Além de toda a capacidade de geração, quanto custa toda a infraestrutura administrativa da Eletrobras, distribuída pelo território nacional, capilaridade fundamental para uma companhia que produz um terço da energia produzida no País?

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Entre 2018 e o primeiro trimestre deste ano a Empresa gerou quase R$ 40 bilhões de lucro líquido, o que representa 31% do valor pelo qual pretendem entregar o Complexo. Esse é o lucro líquido, descontado de tudo: provisões operacionais, provisões de risco (por exemplo, o risco hidrológico), etc. Mas a receita bruta da Empresa no ano passado foi de R$ 44,4 bilhões. Somente o Lucro Antes de Juros, Impostos, Depreciação e Amortização (Ebitda, na sigla em inglês) no primeiro trimestre deste ano, foi de R$ 5,4 bilhões. 

A empresa (ou o grupo) que ganhar a Eletrobras de presente, vai demitir pessoas, fechar unidades, e não irá investir nada. Muito provavelmente os proprietários privados irão deixar de exercer também objetivos sociais e econômicos, como o atendimento das áreas com pouco ou nenhum retorno financeiro. Empresas privadas, especialmente o grande capital, não gostam de trabalhar com margens pequenas ou nulas de lucro, em áreas com baixa densidade demográfica, ou com população mais pobre. 

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Foi graças ao Programa Nacional de Universalização do Acesso e Uso da Energia Elétrica – Luz para Todos (instituído em 11 de novembro de 2003, pelo Decreto nº 4.873), que mais de 16 milhões de pessoas passassam a usufruir de energia elétrica no País. Segundo o Iinstituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 90% das famílias sem acesso à energia elétrica possuíam renda familiar até três salários-mínimos. Em 2003 existiam no país, mais de 10 milhões de brasileiros não atendidos pelo serviço de energia elétrica. Na implantação do referido Programa o governo federal intensificou o ritmo de atendimento dos domíilios rurais que ainda não tinham eletricidade, visando universalizar o serviço, reduzindo assim o impacto tarifário das obras necessárias. Claro, foi preciso direcionar recursos subvencionados e financiados, que podem ser mobilizados pelo Estado. Este é um programa fundamental, que somente o setor público, a partir de uma visão estratégica de nação, pode colocar em funcionamento.

O sistema elétrico público no Brasil foi construído com muito sacrifício e com o dinheiro da população brasileira. Toda a rede elétrica brasileira decorre de investimentos públicos, o setor privado, que agora conspira para comprar por micharia o sistema, não construiu absolutamente nada. Muito pelo contrário, nas cidades e estados onde privatizaram as estatais de energia, o serviço é uma porcaria completa. Os exemplos são inúmeros, mas possivelmente o caso mais grave seja a venda da Companhia Energética de Goiás (Celg) para a italiana Enel, em 2017, já depois do golpe. Depois da privatização os apagões são permanentes, a população sofre duramente as consequências, retrocecendo ao Brasil do início da década de 1960, quando ainda não existia a Eletrobrás.   

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O roteiro das privatizações é conhecido dos brasileiros, especialmente os que vivenciaram a década de 1990, no infame período de Fernando Henrique Cardoso. Com a privatização vem as demissões e terceirizações, os novos proprietários procuram auferir o máximo de lucros no menor tempo possível. Nas empresas elétricas privatizadas recentemente, se investe o mínimo em treinamento dos trabalhadores, o que aumenta a incidência de acidentes de trabalho, que no setor muito frequentemente são fatais. As empresas aumentam o arrocho salarial, não fazem novos investimentos no sistema, procuram economizar na aquisição de equipamentos fundamentais. A estrutura pública de controle e fiscalização, obviamente não dá conta (nem tem interesse) de fiscalizar adequadamente e multar as empresas transgressoras.  

Se o governo Bolsonaro tiver sucesso na entrega da Eletrobras aumenta a probabilidade de privatizar também a Petrobrás. No dia 30.05, o Ministério de Minas e Energia, em jogada bem ensaiada, formalizou ao Ministério da Economia o pedido de inclusão da Companhia no PPI (Programa de Parcerias de Investimentos), para sua privatização. O que mostra a determinação e a falta de escrúpulos do governo, e de boa parte da direita tradicional que está na oposição, em atender aos ditames do sistema financeiro internacional, e ao grande capital em geral, sacrificando o que restou de soberania e patrimônio público. 

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A exemplo do que ocorre na Petrobrás, a Eletrobrás está sendo doada para a iniciativa privada exatamente porque é uma Companhia extremamente eficiente. A sua privatização, se sacramentada, será mais um crime de lesa pátria, previsto no roteiro dos golpistas de 2016 (que, por contingências, colocaram Bolsonaro no poder, na fraude de 2018). A entrega da Eletrobrás ao setor privado, por possivelmente cerca de 10% do seu valor efetivo, se constitui num roubo puro e simples, de um ativo econômico precioso e de um futuro melhor para o povo brasileiro.

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