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Pedro Simonard

Antropólogo, documentarista, professor universitário e pesquisador

92 artigos

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Privatizações, rentismo e empresas estatais

A burguesia neocolonial brasileira é parceira do imperialismo neste processo de espoliação ao qual o território brasileiro e seu povo estão presentemente submetidos

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As empresas públicas entraram na mira do grande capital, mormente do capital financeiro, a partir do início da década de 1970. Esta década é fundamental para entendermos o estágio atual das relações e produção capitalistas. A economia mundial conhecia uma enorme expansão desde o final da Segunda Guerra Mundial. Capitalismo em expansão, havia capital excedente que, por exemplo, era emprestado para os países periféricos a juros flutuantes, porém muito baixos. O Brasil financiou o chamado “milagre brasileiro” com esses empréstimos a juros baixos. Quando veio a crise do petróleo de 1973, o capital excedente diminuiu drasticamente e as taxas de juros flutuantes subiram. Os países que tinham pegado empréstimos a juros baixos viram suas dívidas em dólar aumentarem rapidamente.

A década de 1970 foi marcada também pela expansão do capital sobre áreas onde prevaleciam modos de vida rural e economias camponesas, o que levou à proletarização de bilhões de pessoas desde então e ao crescimento acelerado da urbanização, bem como à favelização de grandes áreas dos centros urbanos nos países periféricos.

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Foi uma década na qual o capitalismo passou a explorar “novas fronteiras” como novas áreas rurais para empreendimentos urbanos e o agronegócio e as privatizações de empresas públicas. David Harvey em sua obra Para Entender o Capital, volume I, faz uma analogia entre a acumulação primitiva do capital ocorrida na Inglaterra a partir do século XVI e essas novas áreas, juntamente com as privatizações. Ele chama este processo de acumulação por desapossamento. 

Marx reconhece como etapas que possibilitaram a acumulação primitiva do capital o sistema colonial, a dívida pública, o aumento dos impostos, os protecionismos e as guerras comerciais. Esses elementos propiciaram o surgimento da grande indústria e a “fusão do poder do dinheiro com o poder estatal”. Esta fusão se consolida com a implementação de um sistema tributário favorável à acumulação de capital pela burguesia concomitante a um sistema de crédito à burguesia facilitado pelo Estado. No século XVII, o Estado inglês adotou medidas que favoreceram a burguesia, criando leis que propiciaram o cercamento dos campos e a expulsão da mão de obra camponesa do campo para os agrupamentos urbanos, gerando mão de obra excedente e barata para as manufaturas se transformarem em grandes indústrias.

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Em um processo semelhante ao descrito por Marx, no Brasil, a década de 1970 assistiu a burguesia estrangeira ou seus prepostos expulsarem camponeses de suas posses com apoio do Estado que lhes concedeu crédito facilitado para acessarem essas “novas fronteiras”. Isso propiciou novas fontes de acumulação de capital. As estratégias então utilizadas e que se consolidaram agora são o confisco do direito de acesso à terra e à subsistência, privatizacão de direitos adquiridos com o estado de bem-estar (educação e saúde gratuitas e de qualidade, aposentadoria etc.) e a privatização de empresas e serviços públicos e é desta forma que se materializa a acumulação por desapossamento. A burguesia apropria-se do Estado para realizar novos lucros. O Estado vende a preços baixos o patrimônio público construído e consolidado de maneira a facilitar que o capitalista recupere mais rapidamente o (pouco) capital investido. Neste processo, o capital financeiro de bancos e fundos de pensão ou financiam grandes capitalistas para que adquiram as empresas públicas ou este mesmo capital financeiro rentista torna-se proprietário dessas empresas. No Brasil, por exemplo, muitas empresas estatais foram compradas com títulos sem valor emitidos pelo governo: os compradores adquiriram as empresas estatais a custo muito baixo. A concentração de renda e a exclusão social aumentaram exponencialmente.

As privatizações tardam a chegar ao Brasil e atingem o país após a redemocratização em 1985. O governo Collor inicia a redução do Estado, acabando com órgãos e empresas estatais. Criou o Programa Nacional de Desestatização (PND) que estabeleceu as regras para as privatizações, mas ainda decretou a manutenção do controle do Estado sobre setores estratégicos e não previa a estatização da Petrobras, da Embratel, da Nuclebras e dos Correios.

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O governo FHC amplia as privatizações e governos estaduais seguem nesta mesma toada. Algumas empresas estatais brasileiras foram adquiridas por estatais estrangeiras, explicitando o fundamento neocolonial do governo para quem empresas estatais são ruins apenas para o Brasil. Foram privatizados alguns serviços que, passados mais de 40 anos do início das privatizações na Europa, estão sendo reestatizados nos países europeus.

Os governos de Luiz Inácio Lula da Silva e de Dilma Rousseff restringiram as privatizações, mas não acabaram com elas. 

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Com a crise do capital iniciada em 2008, grandes bancos e grandes empresas apoiaram o golpe de estado de 2016 de maneira a avançar sobre o patrimônio público brasileiro. Desde o governo Temer, já foram privatizadas uma série de empresas e serviços estratégicos que deveriam ser mantidos sob o controle do Estado. Recentemente o Congresso Nacional votou o Marco Regulatório do Saneamento Básico, nome pomposo que escamoteia a privatização dos serviços de fornecimento de água e captação e tratamento de esgotos. Assim que implementado, quem não puder pagar por estes serviços não terá acesso a eles.

Desde a eclosão da crise de 2008, o grande capital cobiça o Brasil como território capaz de gerar negócios que lhe permitam superar esta crise. A estratégia utilizada em 2016 para derrubar o governo legitimamente eleito foi o golpe branco executado por meio de lawfare com a complacência e o apoio da burguesia neocolonial brasileira.

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De 2016 até hoje, os setores mais competitivos da economia nacional ou foram desmontados – a indústria naval, a indústria petrolífera, as grandes empreiteiras, os grandes frigoríficos – ou tiveram seu controle transferido para o capital estrangeiro a preços muito abaixo dos valores de mercado.

Os serviços públicos não rentáveis como a saúde pública, o ensino público e o apoio à pesquisa, estão sendo sucateados e desmontados por meio do subfinanciamento. As verbas que assegurariam o funcionamento desses serviços são realocadas para o pagamento da dívida pública. Isso põe em funcionamento uma extraordinária e gigantesca estratégia de transferência de renda do Brasil para os grandes bancos e fundos de pensão internacionais.

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A venda dos ativos públicos e das riquezas nacionais juntam-se a este processo de transferência de renda que leva o país ao empobrecimento.

O governo Bolsonaro existe apenas para implementar medidas que facilitem o desmonte da máquina pública e aumentem e acelerem o montante de capital que o Brasil transfere para os países imperialistas. Esta atitude é criminosa. A superação da crise econômica acirrada pela pandemia do Covid-19 exigirá grandes investimentos públicos. O Brasil corre o risco de tornar-se uma espécie de Líbano rico. Tal como o país do Oriente Médio dependerá de ajuda “humanitária” – leia-se, submissão aos países imperialistas, submissão ao neocolonialismo – e, se Bolsonaro concluir seu mandato, faltarão capitais nacionais que permitam ao país superar a crise do Covid-19 e o Brasil será obrigado a recorrer a financiamentos internacionais, se bancos e organismos resultantes do consenso de Washington quiserem liberar estes financiamentos, sendo forçado a aceitar as condições de empréstimos propostas por estes organismos, submetido a uma condição fragilizada e subalterna.

O fato de ter uma burguesia neocolonial incapaz de empreender, indolente, mal formada (ou, antes, deformada), xenófila e traidora de seu povo transforma o diferencial que o Brasil possui  - riquezas minerais, clima, terras férteis, território marítimo, grande contingente populacional - de condições propícias para o desenvolvimento do país e do seu povo em fardo pesado a ser carregado. O Brasil desperta a cobiça do imperialismo que avança sobre o país e o percebe como uma vítima indefesa a ser espoliada. 

O capitalismo vê o Brasil como uma das poucas galinhas dos ovos de ouro que podem lhe dar uma sobrevida. Para isso necessita apoderar-se o mais rapidamente possível de todas as riquezas possíveis e explorá-las e esgotá-las o mais rapidamente possível antes que a crise do capital acirre-se e coloque a sobrevivência do modo de produção capitalista em risco. Antes também que o povo reorganize-se e retome o controle do poder no Brasil, anulando todas as medidas entreguistas adotadas desde 2016.

A burguesia neocolonial brasileira é parceira do imperialismo neste processo de espoliação ao qual o território brasileiro e seu povo estão presentemente submetidos. É preciso derrotá-la e reconstruir um projeto de desenvolvimento que assegure a soberania do povo sobre seu território.

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