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Egydio Schwade

Filósofo, teólogo, indigenista e ativista social

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PT, movimentos sociais, Alckmin

Por que não tentar pelo menos uma vez governar com a sabedoria dos que se encontram há 500 anos excluídos?

Lula (Foto: Ricardo Stuckert)
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Venho acompanhando a discussão sobre Alckmin-vice de Lula. Sou contra, igual o Pomar, o Breno, o Rui Falcão, o Genoíno e a maioria do movimento popular.

Acompanho a política brasileira e mundial desde menino e há 59 anos estou envolvido com os movimentos sociais do interior do país. Nasci numa paróquia católica bem tradicional do interior do Rio Grande do Sul. Quando menino, minhas irmãs liam todos os dias, no chimarrão, após a sesta do pai, a resenha de notícias da semana do jornal A NAÇÃO, de linha integralista. Simpatizamos bastante com esta linha. Rezamos diariamente o terço pela conversão da Rússia. O capitalismo americano era o ideal. No seminário, nos anos 50 li a “Vida de Cristo” de Plínio Salgado que convenceu ainda mais.

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O 1º questionamento veio no Congresso Eucarístico Internacional de 1955, quando o Café Filho, vice do Getúlio e Presidente com o suicídio deste, propalado pelos bispos, como “comunista ateu”, deu o maior apoio ao Congresso Eucarístico. A posição dos bispos merecia um questionamento!

Durante o curso de Filosofia, na UNISINOS, entre 1959 e 62, a minha visão política mudou. E em 1962, com a publicação dos primeiros documentos do Concílio Vaticano. II, tomei a decisão que me levou aos movimentos sociais, onde ajudei a criar várias entidades, ligadas até hoje aos segmentos mais oprimidos do interior do país e nos quais continuo atuando. Em 1969 criei a OPAN-Operação Anchieta, hoje Operação Amazônia Nativa, 1ª ONG indigenista do país que tem a sua sede em Cuiabá. (Objetivo: não mais catequese-doutrinação, mas encarnação na realidade dos oprimidos e sem limites geográficos e religiosos). Em 1972 coordenei a reunião na qual nasceu o CIMI-Conselho Indigenista Missionário, do qual fui o 1º secretário executivo. Em 1975, durante uma assembleia indígena, realizada no rio Cururu/PA, Alto Tapajós, participei da reunião de criação da CPT-Comissão Pastoral da Terra. Estive ainda no lançamento, da ANAI-Associação Nacional de Apoio ao Índio/RS, da CPI-SP-Comissão Pró-indio/SP e do Grupo Kukuro de Apoio ao Indio/AM. 

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Em 1980, já com família, vim morar no Amazonas, onde continuei ligado ao movimento popular: OPAN-CIMI, Sindicatos Rurais e CEBs. E logo participei da criação do PT, no Baixo Amazonas e aqui na BR-174, onde resido. Os membros das entidades acima ajudaram na criação do PT. E mesmo marginalizadas das decisões pelas tendências que a partir de 1991 dominam o Partido, continuam apoiando o PT, sem deixar de manifestar as suas críticas.

Durante a campanha de 89, fui indicado pelo PT/AM, para acompanhar Lula em sua viagem a Balbina para lhe mostrar as consequências nefastas de uma hidrelétrica na Amazônia e em especial sobre a terra indígena. Ainda na recente entrevista ao Mano Brown, Lula se referiu a esta viagem que o emocionou. Por motivo semelhante integrei também, em 1994, a sua comitiva na Caravana da Cidadania pelo rio Amazonas.

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A minha 1ª decepção dos dirigentes do PT aconteceu em 1991, quando o Genoíno veio a Manaus, nos comunicar a decisão da Direção Nacional, sobre alianças à direita, “como única saída de um dia o PT chegar ao poder”! Isto, após o incrível sucesso da campanha de 89, do Brasil Criança-Lula-lá, com poucos recursos financeiros, mas toda a força popular nas ruas e varadouros. Genoino, era o nosso guru, devido a sua valente atuação na Constituinte. Mas o movimento social do interior ficou decepcionado com a guinada para a direita. E paulatinamente foi engolido pelas tendências direitistas das capitais. (Talvez a amarga experiência pessoal, resultado das alianças do PT com a direita traiçoeira, levou Genoíno a sua posição atual contra tais alianças). O movimento popular foi-se retirando cada vez mais das ruas e as campanhas eleitorais esfriaram. A decisão do Zé Alencar para vice do Lula, em 2002, foi recebida sem entusiasmo. Pior ainda o Temer para vice da Dilma. Lembro-me do dia, em 2010. quando foi firmada a aliança com o PMDB. Aqui na nossa cozinha, uma agricultora, filiada ao PT, exclamou: “Este Temer vai derrubar a Dilma!”

Desde os anos 60 participo de organizações dos segmentos marginalizados do interior: índios, agricultores familiares e quilombolas e movimentos de igrejas, surgidos a partir das orientações do Concílio Vaticano. II e consequente Teologia da Libertação. Pelo método Paulo Freire, buscava-se o consenso, a verdade objetiva, não existiam disputas entre tendências, entre maiorias e minorias, patrões e operários. Na disputa de tendências prevalece a “democracia” dos poderosos, justificando privilégios e acúmulo de bens. Disputa-se espaço, sem mudar as estruturas que privatizaram os bens da humanidade. No consenso prevalece o bem maior, o bem viver de todos. Na raiz do PT e que o mantém como Partido consistente e diferente, ferve permanentemente esta busca do consenso em torno de um Brasil sempre mais igual para todos.

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Em Itacoatiara morávamos diante do local onde se erguiam as barracas dos flagelados das cheias do Amazonas e discutíamos uma Reforma Agrária para a várzea. Aqui, na BR-174, surgiu a proposta de um novo modelo de assentamento para o INCRA, o qual levamos ao conhecimento dos companheiros do PT, reunidos em Manaus em 2003, discutindo o PDA 2003-2007, com assessores e ministros do governo Lula. Momento muito auspicioso. Mas acabou sendo tempo perdido, porque em Brasília os “entendidos”, junto com as elites tradicionais, impuseram o velho programa do lobby que dominava o INCRA. E assim os “milhões de Lula” foram silenciados também  nos governos do PT!

Temer foi indicado para vice da Dilma, da mesma forma como agora o Alckmin está sendo levado a vice do Lula. As bases são ignoradas. Precisam acreditar na decisão “acertada” da tendência majoritária; como em 1991; como em 1994 quando abandonou o PSB-Bisol, para atender as calúnias da elite-mídia; como em 2004, quando desmanchou os milhares de Conselhos Gestores do Fome Zero, já formados, (integrei o daqui da BR-174), para atender à direita, PSDB-PMDB que exigia a volta ao programa assistencial Bolsa Família. Pouco a ver com o Fome Zero. E não podemos, em sã consciência, afirmar que a presença do Temer na vice-presidência não foi determinante para o golpe de 2016 que teve como consequência este imbecil na Presidência da República, que temos aí. Quem nos garante que o Plínio Salgado, desculpe, o Geraldo Alckmin, não vá influir como o Zé Alencar e o Temer, evitando mudanças estruturais, como a Reforma Agrária, ou levando de novo um agronegociante para Ministro da Agricultura, um Meirelles-Levy para o Banco Central ou Fazenda!!!

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A escolha da Manuela D’Avila para vice de Haddad reanimou os movimentos sociais. E arrisco-me a dizer que a campanha de 2018 teve uma participação mais forte das bases do que a de Lula em 2002. Apesar do antipetismo e Lula preso, o Haddad, saiu forte daquela campanha e com todas as chances de vencer qualquer nova disputa eleitoral. Pergunto: por que este medo dos “300 picaretas” do Congresso e esta falta de confiança nos “milhões de Lula”?

Talvez não seja bom levar a sério o que escrevo aqui, porque, falo apenas do interior e carrego comigo decepções vividas durante minha caminhada no PT, em especial, nos 13 anos do PT no poder, como se deu com muitos companheir@s. Mas apesar disso continuo no PT. Mais de uma dezena de amig@s e companheir@s precios@s de nossa Amazônia, o deixou, amargurada. 

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Lendo O Calendário do Poder de Frei Betto, vê-se como a voz dos movimentos sociais foi ignorada durante o PT no poder. E não é fácil formar uma equipe de assessoria tão competente, como Lula teve neste campo. Experiente junto aos movimentos urbanos, em torno do Frei Betto e junto aos movimentos rurais em torno do Ivo Poletto. É óbvio, que não foram razões pessoais que desfizeram essa equipe, mas o sentimento de frustração, de inutilidade de ver destruído por uma canetada o esforço gigantesco para formação de quase 3000 Conselhos Gestores do Fome Zero. Agora uma experiência pessoal: 

Doroti, minha esposa já falecida e eu, com 4 de nossas 5 crianças, alfabetizamos o povo Waimiri-Atroari, dentro de uma experiência de política indigenista, projetada no final da Ditadura Militar e orientada por um grupo de pessoas, incluídos os destinatários índios, antropólogos de universidades, advogado e funcionários da FUNAI. Uma proposta de mudança radical dos rumos da política indigenista oficial. Primeira experiência no campo da Nova República. Em pleno andamento e total sucesso, reconhecido pelas pessoas envolvidas dos diversos órgãos, fomos retirados, à noite pelo então Presidente da FUNAI Romero Jucá. Noite fria, mas teria sido mais fria, se na hora da arrancada da pick-up da FUNAI, um grupo de jovens Waimiri-Atroari não tivesse saltado no carro para acalentar nossa criançada durante os 190 quilômetros até a sede municipal, onde a FUNAI nos despejou. Além de nos retirar, Jucá e a mídia nacional, a frente O Estado de São Paulo, desencadearam uma campanha nacional de calúnias. Todos os deputados do PT de então, inclusive Lula, presenciaram a campanha. Todos sabiam que Romero Jucá, foi nomeado Presidente da FUNAI por Sarney, ex-Presidente da ARENA, Partido dos ditadores. Mas acabou Ministro e líder do governo no Senado. Do governo Lula!! 

Em 2009 o tuxaua Jaci da aldeia Maturuca, fronteira com a Guiana, convidou a nossa família, e o Lula, para a festa de homologação da Raposa Serra do Sol. Eu acompanhei os 32 anos de luta desses índios por Raposa Serra do Sol, como área unida. Homologação que Lula só assinou no final de seu governo, após intervenção de Aires Brito do STF. Agora aqui, na minha frente, caminha o Lula ao lado do Romero Jucá, ao palanque armado para a festa da homologação. Mas os territórios ao lado, dos Waimiri-Atroari e dos Yanomami, continuaram sendo saqueados e invadidos por empresas garimpeiras e a frente uma empresa da família Romero Jucá? Naquela companhia, podia eu com cara de pau, saudar o companheiro Lula? Havíamos sido expulsos por Romero por denunciarmos a Mineradora Taboca, invasora da área Waimiri-Atroari. Naquele dia, como companheiro petista, senti-me muito humilhado. Mas não me impediu em 2018 de assinar a 1ª denúncia encaminhada ao TRF-4 de Porto Alegre, contra a prisão injusta de Lula. Conforme consta nos autos do processo naquele tribunal.

Acho que há algo errado no diálogo, e especialmente no compartilhamento do poder, com a direita. Por que não tentar pelo menos uma vez governar com a sabedoria dos que se encontram há 500 anos excluídos? Os movimentos sociais jamais vao disputar o poder. Não é assim que funciona a dinâmica nas bases. Ali se busca o consenso. A propósito me lembro do companheiro João Pinto da comunidade São João do Arari, interior de Itacoatiara, um dos “milhões de Lula”. Quando coordenava uma reunião do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, do PT, ou das CEBs, ninguém saia da reunião sem dar sua opinião. 

As elites governam durante 500 anos sem se importar de integrar os saberes e valores índigenas, quilombolas, dos camponeses, dos marginalizados. Por que não dar-lhes, uma vez, a chance de mostrarem a sua maneira de governar? 

Hoje nos insinuam a acreditar que Lula vai viver 120 anos, só porque ele o diz. E assim brincando, vamos nos encalhando por mais 50 anos.

Não podemos esquecer que o “vice”, é o principal, o 1º conselheiro do Presidente. Se ele for capitalista ou simpatizante da TFP-OPUS DEI, jamais vai permitir que um João Pedro Stedile ocupe o Ministério da Agricultura. O que adianta ter o governo em nossas mãos, se não aproveitamos a chance de mudar as raízes dos problemas que desde 1500, vem oprimindo e excluindo as populações e os povos detentores da esperança por dias melhores?

 

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