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Carlos Alberto Mattos

Crítico, curador e pesquisador de cinema. Publica também no blog carmattos

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Qual a prova de ser negro?

"Autodeclarado" é um documentário de corte bem tradicional, mas de importância inegável como radiografia do ecossistema racial brasileiro

Winnie Bueno (Foto: Reprodução)
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O sistema de cotas raciais adotado no Brasil desde 2003 e regulamentado em 2012 prevê a autodeclaração como critério de concessão. No entanto, a alta incidência de fraudes (brancos ou supostamente brancos se dizendo negros para usufruir do benefício) levou à criação das comissões de heteroverificação para controlar o acesso às cotas. Essas comissões se baseiam principalmente na aparência das pessoas (isto é, nos fenótipos como cor da pele, cabelo e proporções faciais) para confirmar ou não uma autodeclaração. Criou-se, assim, uma polêmica que reverbera na legitimidade da política de ações afirmativas e na própria consciência da população negra.

Este é o assunto do documentário Autodeclarado, de Maurício Costa, filme de corte bem tradicional, mas de importância inegável como radiografia do ecossistema racial brasileiro. Cerca de 25 pessoas, entre cotistas, candidatos a cotista, membros de comissão de verificação, lideranças do Movimento Negro, juristas, influenciadores e acadêmicos discutem uma série de aspectos que incluem a autopercepção das pessoas, as fronteiras fluidas entre negros e pardos, o colorismo e as chamadas pigmentocracia e afroconveniência. Antes de assistir a esse filme, eu confesso que era bastante ignorante em relação a algumas dessas questões.

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No fundo de tudo estão a ideia de autodeclaração e a liberdade que ela pressupõe. No entanto, a aplicação de uma política pública necessita de algum controle, o que é feito pelos "tribunais" de verificação. Instala-se, então, a controvérsia, sobretudo em relação aos chamados pardos, que acabam ficando em um não lugar. Se se autodeclaram como negros, podem ser barrados por não terem o fenótipo clássico do negro. Se procuram visibilizar melhor seus traços negroides, podem ser tachados de fraudadores. A fluidez das fronteiras raciais num país miscigenado como o nosso cria dificuldades especiais para a aplicação da lei. 

Entre os muitos testemunhos de racismo, bullying e problemas de percepção racial, Maurício Costa insere um "julgamento" virtual encenado da autodeclaração de uma candidata a cota. O recurso procura evidenciar a fragilidade dos critérios, eivados de subjetividade e relativismo. No entanto, a crítica a esses métodos corre o risco de servir aos detratores das políticas de ação afirmativa, como se vê nas falas do sociólogo direitista Demétrio Magnolli.
Embora peque por uma fragmentação excessiva, que a poucos permite expor um raciocínio mais desenvolvido, Autodeclarado avança resolutamente em diversos ângulos do debate. Argumenta-se, por exemplo, contra e a favor das alterações estéticas (alisamento ou encrespamento de cabelos, cirurgias, etc); fala-se de acesso aos afetos, hiperssexualização da mulher negra, cruzamentos raça-gênero.

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A prática da autodeclaração é objeto não só de um imbroglio jurídico e político, mas também de uma celeuma antropológica que perpassa o que antigamente chamávamos de identidade brasileira e hoje não passa de uma indagação permanente. 

>> Autodeclarado está nas plataformas Youtube Movies, Google Play, Vivo Play e AppleTV.

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O trailer:

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