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Gibran Jordão

Ex-coordenador-geral da FASUBRA e membro da Travessia Coletivo Sindical e Popular

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Qual o lugar do BRICS na luta anti-imperialista?

Estamos às vésperas da 17ª cúpula do BRICS, que será realizada na cidade do Rio de Janeiro entre os dias 06 e 07 de julho, sob a presidência do Brasil

BRICS (Foto: CGTN)

Estamos às vésperas da 17ª cúpula do BRICS, que será realizada na cidade do Rio de Janeiro entre os dias 06 e 07 de julho, sob a presidência do Brasil, com o lema: “Fortalecendo a Cooperação do Sul Global para uma Governança mais Inclusiva e Sustentável”. Entre os principais temas que serão abordados estão a cooperação em saúde global, comércio, investimentos e finanças, mudança do clima, governança da inteligência artificial, reforma da arquitetura multilateral de paz e segurança, e o desenvolvimento institucional do bloco.

Antecedendo a cúpula de líderes, nos dias 04 e 05 de julho, pela primeira vez será realizado o Conselho Popular do BRICS, iniciativa aprovada na cúpula de Kazan, na Rússia, e que agora, no Brasil, acontecerá com a participação da sociedade civil organizada. Movimentos sociais, como o MST, vão marcar presença. O objetivo é dar voz a entidades do ativismo social para debater os mais variados temas dos países do Sul Global, construindo demandas e propostas de projetos comuns. Saiba mais em: https://mst.org.br/2025/06/30/conselho-popular-do-brics-realiza-debate-sobre-o-sul-global-no-rio-de-janeiro/

BRICS sob alta pressão na atual conjuntura internacional

A cúpula no Brasil acontece numa conjuntura internacional marcada pela ascensão da extrema-direita no centro do imperialismo ocidental, com a posse de Donald Trump em seu segundo mandato como presidente dos EUA, apresentando como programa político prioritário a radicalização da disputa comercial e tecnológica contra a China, a principal liderança econômica do BRICS. Chama também bastante atenção, neste momento, a eclosão de conflitos militares que colocam, em campos de batalha opostos, potências ocidentais e países membros do BRICS. É o caso da Rússia, que já está há três anos numa guerra indireta contra a OTAN, que tem usado covardemente a Ucrânia como proxy. Recentemente, vimos o Irã se recusar a ficar de joelhos diante de um acordo desfavorável sobre o seu programa nuclear e enfrentar um agressivo ataque militar de Israel, que também tem, muitas vezes, atuado como proxy dos EUA na região do Oriente Médio. Embora os americanos não só tenham apoiado diplomaticamente e militarmente o governo de Netanyahu, desta vez tiveram uma participação direta na agressão imperialista contra o país persa.

É interessante observar que nem a Rússia, e muito menos o Irã — que provavelmente devem ser hoje os países mais sancionados do mundo pelos EUA e aliados — jamais teriam condições de enfrentar militarmente as potências ocidentais se não tivessem construído articulações geopolíticas alternativas no último período. Sendo o BRICS um dos principais espaços de cooperação diplomática, econômica e tecnológica, criou condições materiais para que russos e iranianos não fossem obliterados e humilhados pela ofensiva militar ocidental. Assim como a China não vacilou, até agora, em enfrentar a duríssima guerra tarifária imposta por Trump, demonstrando ao mundo que o chefe do imperialismo ocidental não tem condições de quebrar a economia chinesa e retomar facilmente sua hegemonia econômica absoluta de outrora, para “fazer a América grande novamente”. 

A recente ampliação do bloco, que passou a levar o nome de BRICS Plus ou BRICS+, é outro elemento que preocupa os interesses norte-americanos. Quais são os motivos que explicam o fato de diferentes países do Sul Global aderirem como membros oficiais ou parceiros desse “clube” liderado por inimigos declarados do Ocidente? A resposta para essa pergunta repousa na evidente crise de hegemonia que o sistema imperialista liderado pelos EUA atravessa neste momento. Estamos na travessia de uma ordem unipolar para um mundo multipolar; o eixo gravitacional da economia mundial se move para o Oriente, e o Ocidente coletivo dá sinais cada vez mais agressivos na tentativa de evitar essa tendência.

Mas a verdade é que o sistema imperialista acordado após a Segunda Guerra Mundial, durante décadas, tem demonstrado cada vez mais não ser vantajoso para a periferia do globo. A desigualdade social e a transferência de riqueza do Sul para o Norte se ampliaram; o modelo de desenvolvimento econômico neoliberal acelerou a crise climática, com custos maiores para os países mais pobres; o dólar e o sistema de pagamentos SWIFT, controlados pelos EUA e utilizados por todo o comércio mundial, transformaram-se numa arma perigosa de sanção e destruição de economias de países considerados inimigos. As redes sociais, controladas pelas Big Techs norte-americanas, transformaram-se em “máquinas de caos”, instrumentos sofisticados de interferência e desfiguração do cotidiano político-eleitoral de vários países, causando instabilidade e derrubando governos. As grandes instituições do sistema financeiro mundial, como FMI e Banco Mundial, passaram a ser conhecidas por sua ambição em interferir diretamente no arcabouço jurídico e legislativo de muitos países que tiveram de recorrer a empréstimos e apoio financeiro. A ONU e seus fóruns, como o próprio Conselho de Segurança, são constantemente desrespeitados e desconsiderados pelas ofensivas militares das potências ocidentais, que têm destruído países, gerado ondas de milhões de refugiados e o horror das crises humanitárias. A confiança na governança global liderada pelo Ocidente dá todos os sinais de enfraquecimento, e muitos países, governados pelas mais diferentes forças ideológicas, passaram a buscar articulações geopolíticas alternativas. Alguns por puro pragmatismo e interesses econômicos, outros pela consciência de construir uma articulação internacional que possa enfrentar efetivamente o imperialismo ocidental. 

Seja como for, o BRICS surge como esse espaço que consegue atrair países que apresentam diferenças políticas consolidadas com o Ocidente, como também aqueles que sempre tiveram — e têm, atualmente — relações estáveis com EUA e Europa, mas que passaram a sentir a necessidade de ampliar seu escopo de parcerias para não depender única e exclusivamente de relações que podem, do dia para a noite, se tornar perigosas e, muitas vezes, tóxicas com o imperialismo norte-americano e seus aliados.

Portanto, o BRICS não pode ser entendido como um bloco que possui um programa anti-imperialista, muito menos como um tratado coeso entre nações que visam substituir a atual ordem mundial de Estados liderada pelos EUA. Mas, inevitavelmente, consegue enfraquecer a influência e as chantagens ocidentais, pelo simples fato de ser, atualmente, uma articulação em torno de parcerias econômicas em vários setores fundamentais para o desenvolvimento de projetos estratégicos de diferentes países, passando por fora dos circuitos controlados pelas forças imperialistas. Essa realidade é suficiente para causar cólicas nas entranhas dos interesses americanos e europeus, que têm respondido com sanções e guerras contra uma ala mais ideológica, e com cooptação e interferência política entre os membros mais pendulares do bloco. Para cada fração do BRICS, o imperialismo já tem desenvolvido uma política para implodir as parcerias e articulações em curso — e são vários os exemplos: guerra tarifária e retaliações agressivas contra a China; sanções infinitas e mobilização militar contra a Rússia; agressão militar contra o Irã e seus aliados no Oriente Médio; interferência política no Brasil; cooptação da Índia — e assim vai... Não há espaço para dúvidas: todas essas hostilidades imperialistas são planos conscientes, que colocam o BRICS, na atual conjuntura internacional, sob alta pressão e ameaça permanente.

Menosprezar o BRICS é um erro grave na disputa geopolítica do século XXI

Há uma parte da esquerda que menospreza completamente o papel tático que o BRICS vem cumprindo na disputa geopolítica mundial, que, incontornavelmente, tende a ganhar cada vez mais importância — principalmente pela predominância da situação reacionária e ascensão de forças de extrema-direita que têm como programa político uma ofensiva contra a soberania dos povos do mundo. Governos de países africanos, latino-americanos ou asiáticos que necessitam de crédito para financiamento de infraestrutura, cooperação técnica, parcerias comerciais e acordos para áreas de inovação, pesquisa e desenvolvimento, mas, ao mesmo tempo, não desejam passar por imposições, sanções ou chantagens, tendem a ampliar suas parcerias para além da influência ocidental. Diante desse cenário, as articulações alternativas, como o BRICS, ganham importância, tornando-se inclusive um espaço para que as mais variadas forças progressistas que governam países do Sul Global possam encontrar oportunidades de sobreviver. Trata-se de um erro grave não perceber que, nessa tempestade do século XXI, pós-restauração capitalista no Leste Europeu, é necessário atuar taticamente nas complexas movimentações geopolíticas para encontrar caminhos que permitam criar condições reais de enfraquecer a influência das ambições imperialistas. 

O BRICS tem conseguido tecer as primeiras peças de um mundo multipolar através de projetos ousados, que envolvem o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), o uso de moedas locais e sistemas de pagamentos alternativos para o comércio entre países — iniciativas que já estão desconectando parte do globo do controle financeiro imperialista, baseado no dólar. São instrumentos que ainda se encontram em estágio inicial, em processos de negociação gradual, com avanços relativos e desiguais, mas que estão vivos e gerando consequências contra-hegemônicas. 

Não podemos esquecer que o dólar, o controle das principais instituições financeiras do planeta e dos sistemas de pagamentos são um dos pilares de sustentação do poder econômico norte-americano. Cumpre, nos dias de hoje, um papel ainda mais relevante, pelo fato de os EUA terem uma relação dívida/PIB de 124%, com uma economia menos industrializada e mais financeirizada.

Quanto mais esses pilares se enfraquecerem, maior será a dificuldade do imperialismo ocidental em sustentar seu complexo industrial-militar e financiar suas guerras infinitas. Não será esse o motivo de os EUA estarem obrigando os países europeus membros da OTAN a aumentarem seus gastos militares? Não foi essa situação que mudou a postura dos EUA em relação à Rússia e à guerra na Ucrânia? Ou ainda, não foi por esse motivo que o governo Trump se dividiu sobre a possibilidade de guerra prolongada contra o Irã, sendo obrigado a decretar um cessar-fogo após 12 dias de guerra? Como podemos ver, é possível que o BRICS já esteja ajudando a erodir o poder do imperialismo ocidental em resolver pela força as contendas geopolíticas de seu interesse. 

Não estamos dizendo que esse bloco tem o objetivo de se tornar uma aliança socialista internacional, e quem espera que ele seja isso está completamente iludido. As contradições do BRICS são produto das limitações impostas pela correlação de forças da época em que vivemos. Mas isso não significa que devemos ignorar a realidade e abrir mão de operar politicamente num espaço que já apresenta potencial de acumular forças estranhas aos interesses imperialistas. Pior ainda seria fazer unidade de ação com os EUA para ajudar a enfraquecer e desmantelar o BRICS como espaço de articulação do Sul Global, ajudando o neocolonialismo a fortalecer sua trajetória ascendente no mundo. 

O papel do Brasil na presidência do BRICS

Um dos acertos mais importantes deste século, em relação ao posicionamento do Brasil no cenário internacional, foi se colocar como um dos países membros fundadores do BRICS, em 2009. Esse mérito é fruto das elaborações do Ministério das Relações Exteriores em governos petistas, liderados por Lula e por Dilma, que acabaram construindo uma importância real para o país, na qual, mesmo com o golpe de 2016 e as administrações Temer e Bolsonaro — embora tenham dado menos importância ao bloco — não foram capazes de tirar o Brasil da condição de membro do BRICS, pois, nitidamente, havia muito a perder. 

O Brasil está na atual presidência rotativa do BRICS, como também preside o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), estando Dilma Rousseff em seu segundo mandato como presidenta do banco. Sob a presidência brasileira, foi anunciado, em janeiro deste ano, mais nove países parceiros do BRICS. São eles: Belarus, Bolívia, Cazaquistão, Cuba, Malásia, Nigéria, Tailândia, Uganda e Uzbequistão. Além da Colômbia, que, em junho, aderiu ao banco do BRICS. Os países parceiros do bloco, ou a adesão ao NBD, não dão a condição de membro efetivo, mas formam uma categoria criada na cúpula de Kazan, na Rússia, que permite facilitar a ampliação da influência do BRICS em meio às disputas e diferenças internas.

Esses acertos e avanços da política externa brasileira não podem esconder também seus graves erros, que acabam prejudicando o desenvolvimento do bloco e precisam ser reparados. O mais recente equívoco foi o veto do governo brasileiro em relação à adesão da Venezuela, que hoje é um dos países mais atacados e sancionados na América Latina. Essa política do governo brasileiro aprofundou as dificuldades na integração regional e impediu que um país que tem cumprido um papel destacado na luta anti-imperialista no continente ficasse de fora da mais importante articulação do Sul Global. Independente das diferenças ou críticas que se possa ter ao governo Maduro, trata-se de um erro importante trabalhar para o isolamento da Venezuela, colocando seu povo à mercê das consequências do limbo geopolítico no atual momento histórico.

Existem ainda muitas críticas, de vozes de autoridades importantes de dentro e fora do governo, sobre a atual presidência do Brasil no BRICS. Nos parece que o excesso de cuidado da diplomacia brasileira em não explodir pontes nas relações com os EUA e Europa tem produzido uma política de contenção em relação ao bloco. Seja como for, a cúpula do Rio de Janeiro tem o desafio de promover avanços num momento de alta pressão. Inevitavelmente, quanto mais o BRICS avançar em sua influência, maiores serão as disputas internas sobre o seu futuro — e maior será a pressão externa imperialista pelo seu fracasso.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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