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Beth Sahão

Psicóloga, deputada estadual pelo PT

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Quando existir se torna um crime

O mês em que o país celebra a “Consciência Negra” mal havia acabado, e nove garotos pobres foram covardemente assassinados em uma operação abjeta promovida pela Polícia Militar (PM) em um baile funk que ocorria na comunidade da periferia

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Os tempos no Brasil não são nada fáceis, com retrocessos diários nas mais variadas áreas. Os descalabros são tantos, que acabamos correndo o risco de naturalizar situações que são bizarras por natureza. Mas para tudo há limite nesta vida. O que vimos na comunidade de Paraisópolis, no último dia 01/12, ultrapassa todas as raias do hediondo e da covardia.

O mês em que o país celebra a “Consciência Negra” mal havia acabado, e nove garotos pobres foram covardemente assassinados em uma operação abjeta promovida pela Polícia Militar (PM) em um baile funk que ocorria na comunidade da periferia.

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Assim como milhões de brasileiros, eu estava em minha casa, assistindo à TV, quando soube da notícia. Logo notei que se tratava de uma situação gravíssima. Na medida em que os vídeos foram chegando pelo WhatsApp, comprovando a violência desmedida da PM para com aqueles jovens, fui tomada de um misto de revolta e asco. Por mais que a violência e o autoritarismo pautem nossa vida pública, não há como não se sentir extremamente mal diante de crianças sendo massacradas por agentes do Estado.

Tão ou mais revoltante que as imagens foi o movimento que se iniciou logo em seguida, na mídia e nas redes, com determinados grupos tentando a todo custo justificar a violência policial.

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O raciocínio absurdo parte da premissa de que o problema todo não está no fato de a PM ter usado de força desmedida e desnecessária contra adolescentes e até crianças, ocasionando as mortes por pisoteamento e asfixia. Mas sim nos bailes funks, que seriam ambientes de drogas e degradação cultural e moral.

Esse tipo de raciocínio permeia nossa cultura racista ao longo dos séculos. Antes do funk, outras manifestações culturais do povo negro e das periferias também foram criminalizadas, a ponto de o Estado ter editado leis proibindo o samba e a capoeira, no século passado. Nesta sociedade racista, o simples ato de existir já representa um crime da parte dos negros e miseráveis.

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Quem já teve a oportunidade de visitar uma comunidade da periferia sabe o quanto esses locais são carentes nos mais variados aspectos. Faltam serviços básicos como creche, posto de saúde, escola, iluminação, asfalto, saneamento básico. E falta, além disso tudo, cultura e lazer para as crianças e adolescentes.

A adolescência e a juventude são época mágicas da vida. Tanto que a maioria daqueles que hoje são adultos ou idosos recordam-se com ternura das experiências vividas nessas fases. É também um tempo em que as pessoas querem se arriscar, contestar, desafiar.

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Na comunidade onde ocorreu esse massacre, as opções de lazer e cultura para a juventude são praticamente nulas. Dezenas de milhares de jovens repletos de energia e prontos para curtir a vida, namorar e tudo mais. O que as autoridades esperavam que eles fizessem?

Atualmente goste-se ou não, os pancadões são as únicas alternativas de diversão para esses garotos e garotas. E o funk, apesar de muitos torcerem o nariz para esse estilo, é um elemento que marca a identidade desses indivíduos.

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Na medida em que nada faz para oferecer lazer, esporte e cultura para os jovens da periferia, o mínimo que o poder público poderia fazer seria buscar alternativas para que tais eventos ocorressem com respeito às leis, de modo a não incomodar a vizinhança e não trazer riscos a seus frequentadores. Em vez disso, opta-se simplesmente por atacar com violência os adolescentes que se divertiam no baile.

Quando vemos as fotos das vítimas dessa operação, notamos que a maioria delas é negra e que todos têm origem muito humilde. No pancadão de Paraisópolis rolavam drogas ilícitas, álcool, músicas com conteúdo sexualizado e som alto que incomodava a vizinhança? Provavelmente. Mas nas baladas de classe média alta e nos grandes shows de rock frequentados pela elite também encontramos todos esses elementos reunidos. A diferença é que, no último caso, a polícia comparece para garantir segurança aos frequentadores, e não para espancá-los sadicamente.

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Um levantamento trazido nesta semana pelo site G1 mostra que o bairro de Pinheiros é a região da Capital que mais apresenta reclamações por som alto, com quase 9,5 mil verificadas no primeiro semestre deste ano. Em contrapartida, o setor onde se localiza Paraisópolis possui apenas 60 queixas no “Psiu”, da prefeitura paulistana, no mesmo período. Ironicamente, o lugar que a PM escolheu para invadir com violência foi justamente o frequentado por pobres e negros.

Sempre importante frisar que não buscamos, aqui, generalizar essa crítica a todos os membros da PM, pois sabemos que há muitos policiais que respeitam os direitos humanos. Mas é preciso que fique igualmente claro que existe um componente estrutural nessa violência, com aspectos de ordem racial e de classe social.

Esse é um problema histórico que agora se agrava diante de uma política que enxerga na letalidade policial a solução para a questão da segurança pública. Isso fica bem evidente em declarações públicas do governador tucano João Doria, como a proferida no início do ano, quando disse que, a partir daquela data, a polícia atiraria para matar. Ou sua tentativa recente de justificar a todo custo a ação da PM em Paraisópolis, desprezando a dor dos pais e amigos que ainda choravam a perda de seus entes queridos.

Na condição de presidente da Comissão de Direitos Humanos da Alesp, é evidente que irei exigir uma apuração rígida do caso e a punição dos responsáveis pelo massacre. Mas penso que não podemos nos limitar a isso. Paralelamente a essa cobrança, precisamos, com urgência, trabalhar pela criação de mecanismos efetivos para o enfrentamento dessa violência estrutural que marca nossa força policial, que existe para proteger as pessoas e não massacrá-las.

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