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Jean Goldenbaum

Músico, professor da Universidade de Música de Hanôver, Alemanha. É membro fundador do ‘Observatório Judaico dos Direitos Humanos do Brasil’ e fundador do coletivo ‘Judias e judeus com Lula’

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Quando tudo isso passar, será possível realizar a “desbolsonarização” do povo brasileiro?

O Brasil já é em si diversificado, é claro, mas após esta terrível crise identitária que se impõe, talvez este seja também o único antídoto para o Bolsonarismo e o Bolsoevangelismo: procurarmos um novo retrato do povo brasileiro

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Após o fim da Segunda Guerra Mundial e a derrota dos nazistas, os vitoriosos Aliados instituíram uma iniciativa na Alemanha denominada ‘desnazificação’ (‘Entnazifizierung’, no original alemão). Deu-se assim: entre julho e agosto de 1945, soviéticos, ingleses e norte-americanos se reuniram em Potsdam (cidade próxima a Berlim) para discutir o futuro do país pós-Hitler. Na Conferência de Potsdam, como ficou conhecido tal encontro, definiu-se entre outras coisas que as medidas da desnazificação deveriam se estender a todas as áreas da sociedade alemã: cultura, justiça, política, imprensa, educação, etc. A meta era não somente redemocratizar e desmilitarizar o país (os primeiros e mais naturais passos), mas também arrancar da sociedade, na medida do possível, a ideologia nazista e hitlerista que estava impregnada em praticamente todas as suas áreas.

Como sabemos, o nazismo levou a humanidade às últimas consequências, resultando na Segunda Guerra Mundial e no genocídio de milhões de judeus, homossexuais, deficientes físicos e mentais, ciganos e outros. A desnazificação implicava então em conscientizar todas as camadas do povo alemão com relação aos crimes que haviam sido cometidos e, em um próximo momento, trabalhar a questão da culpa coletiva, plantando novas gerações conhecedoras da História e de suas consequências.

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Hoje a época é outra, o mundo é outro, e por isso a vitória da extrema-direita no Brasil não deve levar o país a consequências tão extremas, mas ainda assim vemos que palavras como guerra, ditadura e perseguições são facilmente enxergadas como possíveis no horizonte da história brasileira. E conforme o país se direciona a se materializar como a capital mundial do Neonazifascismo, a identidade do povo vai se desconstruindo.

No Brasil a bolsonarização da sociedade parece se dar de forma ainda mais rápida que a nazificação na Alemanha nos anos 1930, graças à velocidade com a qual a informação – e, principalmente, a desinformação – atinge o público. Assim como Hitler conquistou a adoração e a fidelidade de seus súditos, Bolsonaro também o fez: desde meados de 2018 assistimos a construção de um núcleo cegamente leal ao presidente que se sente completamente à vontade a vomitar em alto e bom som as mais degradantes agressões e ameaças aos valores fundamentais de um Estado de Direito, como a Democracia, a Liberdade, a Tolerância, a Justiça, a garantia dos Direitos Humanos.

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Ainda que viva cercado de inimigos, precisamos aceitar: Bolsonaro venceu praticamente todas as batalhas que disputou até agora e, beirando um ano e meio de governo, vemos que a sociedade brasileira está solidamente bolsonarizada. Toda a sociedade? Não, mas sem dúvida uma imensa parcela, formada por algumas dezenas de milhões de pessoas. Lembremos que, conforme pesquisa feita pelo Instituto Paraná Pesquisas no fim de abril, se houvesse novas eleições agora, Bolsonaro venceria novamente em todos os cenários propostos. Os números não mentem: quase um terço da população está bolsonarizada. Quase uma a cada três pessoas no país.

A humanidade caminha em fases e, em algum momento, o Bolsonaro partirá. Mas – e esta é a questão que motiva este artigo – ainda que consigamos vencê-lo em algum momento, será possível enxugar da sociedade todo o ódio, a militarização, as inverdades, a agressividade que este movimento trouxe à realidade do país? Ainda que ele saia da presidência, entrará em seu lugar alguém que se dedicará à tarefa de desbolsonarização em termos ideológicos? Moro o faria? Guedes o faria? Sabemos que não.

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E se em um cenário ideal se elegesse um candidato que fosse de fato oposto a toda a corja que orbita (ou em algum momento orbitou) Bolsonaro, mesmo assim, seria possível recuperarmos tudo o que vem sendo destruído em termos de identidade do povo brasileiro?

Há ainda um outro prisma neste universo, que talvez caminhe em paralelo com o Bolsonarismo e em alguns momentos faz com que perguntemo-nos quem é o ovo e quem é a galinha: o Evangelismo. Será que a chave da desbolsonarização seria a desevangelização? E antes que alguém me entenda errado, já esclareço: não acho que nenhum verdadeiro cristão deva ser descristianizado, ou um judeu desjudaizado ou um muçulmano desislamizado. Que vivam as religiões se forem em nome da Ética e do Respeito ao Próximo. A desevangelização deverá ser voltada aos falsos cristãos, sim, aqueles que “amam Jesus” e ao mesmo tempo fazem “arminha” com a mão, aplaudem apologias à tortura e pedem que a Democracia seja substituída por um regime fundamentalista, autoritário e pautado em preconceitos. E essa desevangelização só poderá se dar através da Educação em todos as suas áreas, incluindo a verdadeira e correta Educação Religiosa.

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Enfim, o intuito desta digressão nada mais é do que tentar trazer ao caro leitor e à cara leitora uma visão panorâmica sobre o tamanho do estrago que a presente época pode deixar de herança ao Brasil mesmo após a tempestade. Eu vivo na Alemanha há muitos anos e sei que, ainda que aqui tenha sido feito – e ainda é feito – um processo intenso e contínuo de desnazificação da sociedade, passados 75 anos, as sequelas ainda se mostram presentes e evidentes no povo alemão. E a única cura para isso – estou convencido disto – é a abertura da população para que se torne o mais diversificada possível, repleta da presença de outros povos, religiões, culturas, artes e ideias. É isso o que a Alemanha tem de melhor hoje.

O Brasil já é em si diversificado, é claro, mas após esta terrível crise identitária que se impõe, talvez este seja também o único antídoto para o Bolsonarismo e o Bolsoevangelismo: procurarmos um novo retrato do povo brasileiro. Não somente povo diversificado como sempre foi, mas sim um povo onde o índio, o negro, a mulher, o pobre tenham muito mais presença e voz do que tiveram até hoje. E que a parte da sociedade bolsonarizada que hoje marcha orgulhosamente, cale-se e aprenda com a vergonha de ter feito parte do mais nefasto movimento da história do país.

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