Que horas ela volta?
O discurso dos jovens do Movimento Passe Livre, que retomaram as ações em São Paulo neste início de ano, é uma prova de que as armas mudam, os objetivos não
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Lembro-me de um debate no início de 2015, quando apontava-se uma conjunção de fatores que poderia levar o Brasil a um cenário de "tempestade perfeita".
A eleição de uma Câmara dos Deputados conservadora, atrasada e lastreada no neocoronelismo de Eduardo Cunha, a indicação do agravamento da crise econômica mundial e a tibieza de setores progressistas na defesa das conquistas deste último ciclo eram os principais elos desta conjunção.
Depois de um ano em que assistimos ao ressurgir de forças nefastas, alicerçadas pelo explícito desejo tucano de voltar ao poder, em que a sensatez foi chamada de dilmolulopetismo comunogayzista e outras insanidades, quando assistimos às ruas regurgitarem cenas como a das senhoras de Copacabana exaltando a tortura, o que mudou?
Evidente que o cenário político é outro. O paladino Eduardo Cunha transformou-se, para desgosto de Aécio Neves et caterva, em uma espécie de portador de moléstia contagiosa. As manobras por ele patrocinadas na defesa de seu mandato e seu poder, que incluíram a aceitação de um frágil pedido de impeachment, o enfraqueceram.
O tucanato viu evaporar parte da base fascista que o apoiou na disputa com Dilma na medida em que os atos de rua foram minguando até o melancólico 13 de dezembro.
A mídia, que investiu no tudo ou nada para tentar sair da crise por que passam, tem o tempo correndo contra si e novas demissões em massa e atrasos salariais despontam. Um exemplo eloquente é a Editora Abril, que teve que se desfazer de sua imponente sede em São Paulo, encerrou várias revistas e promoveu demissões que atingiram repórteres, editores, colunistas, fotógrafos e outros funcionários.
E a desagregada base de apoio começa a ter alguma solidez como mostrou a saraivada de projetos aprovados no apagar das luzes de 2015 pelo Congresso como o Plano Plurianual e o Orçamento, que tradicionalmente são aprovados com atraso.
A leitura isolada destes dados permitiria a um leitor desatento uma certa dose de otimismo com relação a este novo ano.
Mas os sinais que despontam são preocupantes e mostram que longe de terminar, a guerra patrocinada contra todos os governos progressistas do planeta está longe de arrefecer.
O discurso dos jovens do Movimento Passe Livre, que retomaram as ações em São Paulo neste início de ano, é uma prova de que as armas mudam, os objetivos não.
Chama a atenção de que o MPL esteja em pé de guerra contra a Prefeitura petista de São Paulo e o governo tucano do Estado por uma conquista que já é realidade para os estudantes da rede pública e os jovens de baixa renda da capital. Também chamou a atenção a mudança brusca de atitude da PM de SP que agora não aceita mais "badernas" e ataca estudantes e jornalistas que cobrem as manifestações.
E qual a reação do MPL? Acusa a Prefeitura de fascismo.
Sim, isso mesmo. O prefeito Fernando Haddad passa a ser responsabilizado pela ação da polícia do governo do Estado.
A citação de Marx pode ser um clichê, mas não perde a atualidade: "a história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa".
Evidente que a repressão ao MPL no início de 2013 gerou as imensas manifestações que aconteceram pelo país afora. Foi um momento de revolta difusa contra tudo e contra todos que teve como consequência indireta a eleição de Cunha e seus apaniguados.
Setores da esquerda idolatram aquele momento, como se a difusão de protestos fosse automaticamente a instalação de um processo revolucionário.
É uma visão lastreada na vivência pessoal abonada de alguns de seus dirigentes. Em português mais vulgar, é a visão de quem nunca teve que ganhar salário mínimo, nunca trabalhou debaixo do tacão capitalista cotidiano.
Estes setores recusam-se a reconhecer o imenso avanço social vivido por milhões de brasileiros nestes 13 anos. Pautam-se apenas na cobrança da pureza ideológica de quem está ocupando o Planalto.
Evidente que os governos de coalizão apresentam dificuldades e erros. Alguns deles graves e estratégicos, como o não enfrentamento à concentração da mídia. Assim como é evidente que estes setores têm o direito de manifestar suas discordâncias e suas críticas.
O que não se pode aceitar é que eles sejam alegremente utilizados pelo que há de mais sombrio em nossa sociedade.
As ações do MPL e outros servem apenas de escada aos Aécios, Bolsonaros, Olavos de Carvalho e outras figuras do mesmo espectro.
Os devaneios baseados na construção de uma nova esquerda no estilo Syriza ou Podemos também são forma de se afastar da dura realidade da disputa que vivemos com a direita brasileira.
Evidentemente que o debate sobre as táticas e estratégias da esquerda devem existir, mas o foco nas experiências europeias apenas, desconhecendo propostas muito mais próximas como as da Bolívia, Equador, Venezuela e Uruguai mostram a origem de classe destas propostas fugazes.
O título deste artigo é uma menção direta ao filme brasileiro "Que horas ela volta?" de Anna Muylaert que traduz com rara argúcia os meandros da nossa classe média.
E valho-me de um personagem em especial que é Carlos, patrão da personagem de Regina Casé e um símbolo forte de parte de nossa sociedade.
Com um ar despojado e esbanjando simpatia para a jovem Jéssica, Carlos vai demonstrando que por tráz deste ar alternativo, artístico e quase contestador, esconde-se o capitalista improdutivo e torpe.
Não estou a acusar o MPL e os jovens que lutam contra o reajuste das tarifas de serem "Carlos" .
As ações e reivindicações justas dos movimentos sociais podem ser utilizadas para que a direita e seus prepostos possam aglutinar forças para as eleições municipais deste ano.
Eleger o maior número de prefeitos e prefeitas tem uma importância estratégica para as eleições de 2018. E a direita aposta na reedição de 2013, como forma de fragilizar e imobilizar o governo e os partidos da aliança.
Eu acompanhei as marchas de 2013 na cidade de Porto Alegre e foi emblemático o momento em que Luciana Genro e outros dirigentes do PSOL foram deixados para trás em uma manifestação convocada por eles mesmos.
Foi no mesmo momento em que as agências do BB, Caixa e Banrisul passaram a ser depredadas nas manifestações. O ódio ao Estado e suas instituições manifestava-se de forma gritante depois de aberta aquela Caixa de Pandora.
A luta social sem foco definido e divorciada dos interesses da maioria do nosso povo servem muito mais aos Carlos que às Jéssicas.
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