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Deise Recoaro

Sindicalista e militante da AMB – Articulação de Mulheres Brasileiras

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Que tal falarmos sobre aborto?

Até quando vamos continuar condenando à morte, ou aos maus tratos, mulheres pobres que apelam para métodos violentos para abortar, enquanto as ricas fazem nas clínicas de alto padrão?

Até quando vamos continuar condenando à morte, ou aos maus tratos, mulheres pobres que apelam para métodos violentos para abortar, enquanto as ricas fazem nas clínicas de alto padrão? (Foto: Deise Recoaro)

Até quando vamos fazer de conta que não é com a gente a questão do aborto? Até quando vamos fechar os olhos para os números de mulheres mortas por aborto inseguro ou clandestino? Até quando vamos continuar condenando à morte, ou aos maus tratos, mulheres pobres que apelam para métodos violentos para abortar, enquanto as ricas fazem nas clínicas de alto padrão?

Por todas as mulheres que abortaram, e nós as conhecemos direta ou indiretamente, e por aquelas que ainda abortarão independentemente do nosso julgamento, das nossas convicções e preconceitos, é que devemos falar sobre o aborto.

Cabe a mulher decidir se quer ou não ser mãe ou em qual momento da sua vida ela será. É pela falta de autonomia sobre suas vidas e sobre seus corpos, que vemos aumentar o número de estupros, violência sexual ou doméstica.

A sociedade impõe para nós, mulheres, como devemos nos vestir, como e onde andar, com quem namorar, quando casar ou quando ser mãe, se deve ou não se separar... "Também, da forma que estava vestida..."; "Quem mandou andar sozinha uma hora destas..."; "Vai ficar pra titia...".

Até quando esperar para que possamos exercer nossa plena cidadania? Planejar nossas vidas sem medo, sem culpa, sem julgamentos...

E você deve estar se perguntando: mas que o aborto tem a ver com isto? Tudo.

O tema do aborto é um dos mais subversivos na atualidade brasileira (talvez mundial). Sabemos que não é fácil para ninguém falar sobre este assunto, principalmente porque existem mitos, crenças e dogmas em torno da maternidade.

Existe uma espécie de "santificação" da maternidade quando ela acontece dentro dos padrões considerados "normais" para nossa sociedade: tem que estar casada com homem (com outra mulher nem pensar!) com estabilidade financeira e com saúde. Qualquer coisa diferente disto, gravidez precoce, sem parceiro fixo ou sem condições financeiras, é condenar a mulher ao fracasso escolar e profissional, condená-la a criar sozinha sua prole ou até ser expulsa de casa por pecar contra a castidade. "Quem mandou pôr no mundo?"

O assunto do aborto vai para além da opção individual e religiosa, este tema deve ser encarado como direito reprodutivo e tratado com políticas públicas, não como pecado ou caso de polícia. Pois tem forte impacto social, na saúde pública e na garantia plena de cidadania às mulheres e por consequência no fortalecimento da Democracia neste país.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.