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Pedro Maciel

Advogado, sócio da Maciel Neto Advocacia, autor de “Reflexões sobre o estudo do Direito”, Ed. Komedi, 2007

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Quem fala a verdade não merece castigo

Um artigo me rendeu críticas duras, algumas, pasmem, no padrão bolsonarista

Esplanada dos Ministérios, em Brasília (DF) (Foto: Agência Brasil )

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O artigo “Esquerda ornitorrinco?”[1], que o 247 - sem substância e com muita desqualificação; confesso que escrevo para causar incômodo e inquietação àqueles que são prisioneiros das certezas, mas nunca escrevo com o objetivo de ofender quem quer que seja, contudo, se isso ocorreu me desculpo por aqui.

Penso que escrevo a verdade que consigo alcançar, por isso não me incomodo com críticas, aprendi com meu avô que a verdade protege e liberta.

Vou escrever sobre ele. Meu avô Pedro, seus irmãos e irmãs, nasceram no Triângulo Mineiro, região no estado de Minas Gerais que fica entre os rios Grande e Paranaíba, que formam o Rio Paraná; Uberlândia, Uberaba, Araguari, Frutal e Ituiutaba são as principais cidades, meu avô nasceu em Frutal em 1914 e cresceu numa cidade chamada Água Doce, no estado de São Paulo, às margens do Rio Grande. A cidade foi rebatizada e passou a chamar-se Icém, que na língua tupi-guarani significa exatamente Água doce.

Meu avô, que era o caçula dos sete filhos da Dona Rita Moreira e do Senhor Pedro Antunes Maciel, perdeu o pai aos cinco anos, fato que fez dele uma pessoa um pouco melancólica; ele viveu memórias afetivas construídas a partir do que ouviu de sua mãe, irmãos e irmãs; ele manteve por toda vida amor pleno pelas irmãs, irmãos e por sua mãe.

Meu trisavô, Benedicto Antunes Maciel, “primo-irmão” do Antônio Vicente Mendes Maciel, Antônio Conselheiro, (meus colegas advogados haverão de me perdoar pelo uso da expressão “primo-irmão” a qual sabemos não nos serve no mundo jurídico, mas representa com exatidão a imagem que pretendo comunicar), teria sobrevivido a Canudos e no Triângulo encontrou um anônimo recomeço, onde viveu modestamente e teve apenas um filho.

Já meu bisavô - que era ruivo e alto, teria se enamorado de minha bisavó, filha de índios caiapós meridionais, que habitavam o Triângulo Mineiro -, tornou-se um próspero comerciante, fazendeiro e funcionário público do estado de Minas Gerai, nomeado em 1903 por Francisco Salles, governador mineiro, para fiscalizar a passagem do gado que vinha desde o Mato Grosso a caminho de Barretos. O gado passava por Frutal e Fronteira, ainda em Minas Gerais -; e atravessava a nado um ponto de estreitamento do rio; a função do meu bisavô era cobrar uma espécie de pedágio, pois era oferecida o que se chama “invernada” aos tropeiros (invernada é a pastagem fechada onde o gado repousa e se fortalece, antes de seguir para Barretos).

Mesmo com a dor da precoce perda do pai, meu avô e seus irmãos e irmãs, seguiram cuidando das fazendas e do comércio, sob a liderança do tio Waldemar, o filho homem mais velho; contudo, com a morte do avô deles, aos cento e seis anos vitimado pelo coice de uma mula (que ele estava amansando), a família decidiu mudar-se para o Rio Grande do Sul.

Suas irmãs e irmãos, tia Sebastiana (a Bainha), Ana (a tia Zinha, já viúva de um engenheiro inglês, que construiu a primeira Usina Hidrelétrica do Marimbondo, reconstruído entre 1971 e 1977 por Furnas), Adélia (a tia Rosa), Waldemar, João e Torquato, prepararam a viagem; nem imagino como foi organizar uma viagem de quase mil e quinhentos quilômetros em 1930, não existiam as rodovias Washington Luís, Anhanguera ou Bandeirantes.

O caminho desenhou-se cheio de paradas e aventuras; em cada parada um amor; em Bauru, o tio Waldemar apaixonou-se pela linda Joana, filha de imigrantes poloneses, com quem casou-se e viveu pleno em amor; ele, já viúvo e octogenário, me confidenciou doce saudade.

Os “Maciel” não chegaram aos pampas riograndenses como planejado, fixaram-se em Campinas, por aqui casaram-se, criaram seus filhos e viveram a alegria de conviver com seus netos e netas.

Em Campinas meu avô tornou-se servidor público; trabalhou no IAC de 1930 a 1969, lá tornou-se o “seo” Pedrinho.

Dele ouvi histórias, quase todas publicáveis; há a visita dos cosmonautas ao IAC, a visita da rainha Elisabeth, os bilhetinhos do Jânio Quadros e um dia vou contar a sua visão da revolução de 1932, a qual ele testemunhou já em Campinas e com apenas dezoito anos.

No IAC ele, educado, atencioso e articulado ganhou a confiança e respeito dos mais velhos; seu único “vicio” eram os bilhetes da loteria federal, algo que o acompanhou por toda a vida, sem que isso tenha causado nenhum dano à sua imagem e reputação.

Certa feita durante a pausa para o cafezinho com os colegas na repartição, esse era o nome usado para designar o local de trabalho dos funcionários públicos, meu avô, com o bilhete da federal numa mão e com a xícara de café na outra, teria declarado: “- vou dizer umas verdades para o chefe se esse bilhete for premiado”; todos riram e voltaram para o trabalho.No dia seguinte ao chegar ao trabalho ele percebeu que os colegas mal o cumprimentaram e, antes mesmo que pudesse tomar acento e começar o trabalho, a senhora Antônia, ou Dona Tonha, secretária do chefe foi até meu avô e disse em tom sombrio: “- seo Pedrinho, o chefe quer falar com o senhor”. Não foi difícil perceber que fora denunciado por algum lambisgoia; então ele respirou fundo e caminhou até a sala do chefe.A mesa do seu chefe ficava à frente de uma grande janela e ele de costas para a janela; pela manhã, a luz do Sol desenhava no chão da sala um verdadeiro tapete de luz. Meu avô caminhou corajoso sobre o tapete de luz, parou na frente da mesa do chefe e ouviu do chefe: “-seo Pedrinho, soube que o senhor disse que tem algumas verdades para me dizer, mas que diria apenas caso seu ‘famoso’ bilhete da federal fosse premiado; o bilhete foi premiado?”, meu avô respondeu: “Deu troca”, que é uma espécie de prêmio, pois, o portador do bilhete pode troca-lo por outro, sem pagar pelo novo; então o chefe desafiou meu avô a dizer “as tais verdades”.Meu avô não pensou duas vezes e, com o atrevimento que herdei dele, disse: “Talvez o senhor não goste do que eu vou dizer, mas a verdade é que o senhor um amofinado; está sempre de mau-humor; e senhor não toma banho de manhã, pois quando passa ao lado da minha mesa, além de não dizer ‘bom dia’, o senhor cheira naftalina e todos comentam”; o chefe passou rapidamente de irritado, para constrangido e depois começou a rir, a ponto de gargalhar, tanto que a Dona Tonha, sempre sabuja, adentrou à sala simulando preocupação.

O chefe recuperou-se da crise de riso e pediu que meu avô voltasse ao trabalho.

No dia seguinte ao chegar à repartição meu avô notou que um de seus colegas, um dos que ouviu que ele pretendia dizer algumas verdades ao chefe, não estava mais na mesa ao seu lado e soube que o chefe o havia demitido. Depois de contar essa história, que eu ouvi dezenas de vezes, meu avô dizia: “-Aprendi na Água Doce, e isso vale aqui para Campinas, que quem fala a verdade não merece castigo.”

É isso: quem fala a verdade não merece castigo, por essas e outras, seguirei escrevendo o que acredito e julgo ser verdade, meu compromisso não é adular ninguém.

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